“Há um efeito precipício no fim destas moratórias [quer as públicas, quer as da Associação Portuguesa de Bancos] que não podemos ignorar”, disse hoje o governador do Banco de Portugal.
“Só para ter uma ideia até ao dia 15 de maio, o total de moratórias que tinha sido concedido andava, entre capital e juros vencidos, na ordem dos 3,3 mil milhões correspondentes a um dívida na ordem dos 30 mil milhões”, adiantou Carlos Costa, durante a sua intervenção no webinar “Economia de Portugal: que políticas e medidas para a recuperação da economia”, organizado pela Abreu Advogados.
“O que significa que no fim da moratórias estas empresas [beneficiárias] são obrigadas a ter as necessidades de liquidez para satisfazer juros e dívidas vencidas num montante que não vão conseguir compaginar com a geração de cash-flow“, alertou o governador do Banco de Portugal.
Carlos Costa sugeriu que fosse estudado um mecanismo, que os franceses, os espanhóis e os alemães pensaram, de garantia pública associada a estes créditos e um reescalonamento por um período suficiente, por exemplo seis anos.
O governador vem agora defender “uma garantia pública para créditos já concedidos e que foram alvo de moratória e que naturalmente vão ter de ser reescalonados, e uma garantia pública para novos financiamentos”.
Os novos financiamentos “estão contagiados, do ponto de vista de risco, por aquilo que pode acontecer à acumulação de dívida em moratória, porque não se sabe o que vai acontecer no fim do processo”, disse o governador que parafraseou Pedro Castro e Almeida, CEO do Santander Totta, que na apresentação dos resultados trimestrais disse que “o grande tsunami há de vir quando acabarem as moratórias”.
“As empresas não vão ser capazes de reembolsar as prestações que foram objeto de moratória, de uma só vez, vão ter de diluir no tempo”, reforçou Carlos Costa.
“Se estivermos a falar de uma perda de cash-flow de 25% num ano, ao longo de seis anos isto daria a possibilidade de, por uma economia sobre cash-flow anual de 5%, normalizar a situação financeira, e não normaliza tudo”, exemplificou.
Por outro lado, os bancos não podem fazer reescalonamento da dívida dos seus clientes sem ter uma garantia pública associada, porque senão põe em causa o seu rácio de capital, lembrou o supervisor bancário.
“Havia todo o interesse em prolongar o período da moratória de uma forma clara para evitar o ‘efeito precipício’ – e tem de ser feito até junho, se não ficamos dependentes da aceitação pela autoridade bancária europeia para essas moratórias no que toca ao efeito tratamento contabilístico (pois normalmente estas moratórias teriam levado à constituição de provisões e não o foram por causas das medidas prudenciais de exceção)”, defendeu o governador.
Carlos Costa reforçou a necessidade de “antecipar o risco de quando estas medidas chegarem ao seu termo” e alertou “temos de estar preparados”.
O responsável pelo supervisor bancário, que está a terminar o seu mandato, lembrou que a banca, “neste momento, tem uma almofada de capital de 12 mil milhões de euros, metade corresponde à almofada com que entrou na crise [Covid-19], a outra metade é composta pelas almofadas cíclicas que foram libertadas [pelo BCE para fazer face à crise da pandemia]”.
“Estes 12 mil milhões têm de ser usados de forma a financiar a economia depois da crise e absorver o impacto da crise sobre a carteira de crédito. Quanto mais for utilizado deste buffer para absorver perdas, menos fica disponível para depois”, avisou o Governador que deu os exemplos da Alemanha que decidiu dar uma garantia de crédito equivalente a 40% do PIB.
“Isto significa que os bancos nos próximos anos, não vão conseguir capital para absorver perdas”, constatou o Governador do Banco de Portugal. “Basicamente há uma espécie de injeção, por antecipação, de capital nos bancos feita desde já, porque todas as perdas estão cobertas pela garantia pública, numa proporção muito significativa”.
Carlos Costa explicou também que “isto significa que os alemães e os franceses, tirando partido das regras excecionais em matéria de ajudas de Estado, precaveram-se de modo a evitar que os seus bancos ficassem expostos ao risco de – no futuro – as regras de recapitalização públicas dos bancos voltarem a ser antigas. O que significa que nesse caso seria muito difícil capitalizar os bancos, a não ser com capitais privados, sob pena de os bancos entrarem na via sacra da capitalização pública com as consequências que nós bem conhecemos”.
Resumindo, o responsável do BdP, defendeu que “há todo o interesse em que o quadro de política económica para as empresas e para os bancos de curto e médio prazo seja muito claro para os bancos saberem qual é o risco que correm em termos de satisfação de rácios de capital e tendo em conta que as normas prudenciais são transitórias e que no fim pode haver uma evolução que seja desfavorável àqueles que não usaram mecanismos preventivos como sejam as garantias publicas”.
Carlos Costa alertou que no fim do processo os bancos que forem mais afectados podem ser empurrados para a consolidação bancária europeia. “Não nos podemos esquecer que agora estamos todos unidos porque estamos a atravessar o ‘vale da morte’, mas quando sairmos do vale vamos estar com interesses diferenciados, porque há, seguramente, quem esteja a pensar que é uma oportunidade para promover a consolidação bancária europeia, e quem tenha muito menos generosidade quanto à política de ajudas públicas e à política de capitalização pública”, referiu.
O governador disse ainda que “o sistema bancário está muito mais capitalizado do que estava em 2010, tem o dobro de capital, mas em termos comparativos tem menos, em termos perspectivos sabe que lhe vão ser colocadas exigências de capital superiores e sabe que entrentanto têm de absorver perdas, portanto há aqui razões para ser cauteloso”.
Na última Comissão de Orçamento e Finanças, Carlos Costa já tinha defendido que “terá de ser equacionada uma extensão da moratória [de seis meses] tão longa quanto possível e terá de ser tomada em tempo útil para que os créditos objeto desta moratória não caiam numa classificação de incumprimento sob pena de penalizar o capital dos bancos”.
O Governador revelou também na COF que até junho é o prazo estabelecido, no plano europeu, para a fixação dos prazos das moratórias. “O que significa que há urgência de rever o prazo e estender o prazo e estendê-lo por um período tão longo quanto possível”, defendeu na altura Carlos Costa. “Porque defendo isto? Porque temos de perceber que estas dificuldades de tesouraria resultaram de uma perda de 25% do cash anual destas empresas. Não se recupera, no cash flow posterior, 25% do cash flow perdido, a não ser diluindo no tempo. O que significa que uma moratória tem de ser tão longa quanto possível. De modo a que as empresas reconstruam e acumulem os recursos necessários para regularizar as situações que foram objeto de moratória”, explicou na altura.
Hoje voltou a repetir os alertas para a situação das empresas que beneficiaram de moratórias, no fim do prazo estipulado de seis meses.
“Nós não podemos olhar para esta situação em que há lay-offs e em que há paragem parcial do tecido produtivo de braços caídos. As empresas deveriam estar a aproveitar o lay-off para repensar o seu modelo de produção e estratégia; para repensar as competências de que dispõem; os esquemas de formação profissional disponíveis. Porque vai ser necessário reequacionar o que é o novo normal para cada sector”, disse ainda.
Carlos Costa tem vindo a alertar que esta crise vai ter impacto nas empresas, nas famílias e nas contas publicas. “Nas empresas tem impacto na liquidez, e numa fase subsequente tem impacto sobre os níveis de endividamento e solvência”, disse na última Comissão de Orçamento e Finanças aos deputados.
A moratória pública, que resulta de um decreto legislativo do Governo, permite a suspensão do pagamento das prestações (capital e/ou juros) até 30 de setembro de 2020, no crédito para habitação permanente de particulares e no crédito a empresas, O Governador tem explicado que esta moratória era necessária para assegurar que não penalizava o capital dos bancos. Foi depois aberta a possibilidade de uma moratória privada, estipulada por acordo entre bancos no âmbito da APB (Associação Portuguesa de Bancos) que é complementar e que abrange outros créditos a particulares nas mesmas condições da moratória pública.
A moratória da APB segue as regras da EBA (Autoridade Bancária Europeia) que decidiu, de modo a evitar o risco que poderia ter a utilização indevida da moratória para esconder situações de risco no balanço, que a adopção de uma moratória privada devia resultar de um “tratado comum” entre os bancos.
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