O bastonário da Ordem dos Psicólogos considera que as situações limite, de stresse pós-traumático, estão a aumentar em Portugal tanto nos profissionais de saúde como entre os restantes cidadãos, devido à crise sanitária e económica. Em entrevista ao Jornal Económico, Francisco Miranda Rodrigues refere ainda que há cada vez mais empresas a pagar pacotes de consultas aos funcionários em prol da sua saúde mental.
Confirma-se que a pandemia está a afetar negativamente os portugueses também a nível psicológico?
Há evidência de que sim. Os estudos que têm sido feitos apontam para um impacto psicológico crescente, com o passar do tempo, desta pandemia – seja da pandemia diretamente seja de aspetos que dela derivam, como consequências da situação socioeconómica, que também se têm agravado. Isso é verdade para Portugal e para outros países. O que se está a passar tem-se revelado muito impactante em termos psicológicos, não apenas desenvolvimento de perturbações mentais, mas – para um número maior de pessoas – o surgimento de reações adaptativas aos desafios que as pessoas têm sentido, que podem ser ansiedade mais aguda por exemplo, que causam mau estar, desconforto, problemas em casa e de desempenho no trabalho.
Esses problemas terão sequelas ou ficarão mesmo depois de a crise ter terminado?
Depende. É mesmo assim. Vai depender muito das pessoas e das suas condições de vida neste momento, da forma como tem sido possível lidar com tudo o que se está a passar. Pessoas que já tenham entrado nesta crise com outro tipo de problema (psicológico ou não), que estavam isoladas ou institucionalizadas, estão mais vulneráveis. Ou seja, haverá pessoas que mesmo com o passar do tempo, dada a sua situação inicial em termos de recursos e competências (capacidade para enfrentar desafios, gestão emocional…), conseguirão manter-se resilientes e ultrapassar a situação por elas próprias. Aquelas que tenham de lidar com stresse e risco maior de contágio durante mais tempo, como os profissionais de saúde – que estão também numa pressão grande com o número de horas de trabalho – têm mais desgaste e podem ter mais dificuldades de conseguir gerir as suas emoções. Há registo da possibilidade de desenvolverem stresse pós-traumático. Estamos a falar de situações limite e não da maioria, felizmente. Mas os dados que até agora existem parecem indicar que mesmo essas situações limite estão a aumentar, até na população em geral. Quanto mais tempo passa maior é o número de pessoas que vai deixando de ter essa capacidade de lidar com as dificuldades sozinha e vai precisando de apoio de profissionais especializados.
As teleconsultas, que estão a aumentar, têm conseguido responder a estas situações?
O que se sabe neste momento – e cada vez há mais estudos sobre a eficiência das intervenções à distância – é que para algumas das áreas, nomeadamente uma das que mais estão a fazer com que haja pedidos de apoio (ansiedade, por exemplo), é que estas intervenções podem ser uma resposta efetiva às necessidades dos clientes. Ainda é cedo para termos todo o tipo de dados que precisamos. O que tem de haver é o cuidado de se avaliar, situação a situação, o que é melhor para o interesse do cliente. É preciso garantir a continuidade das intervenções e que mais gente tenha acesso aos serviços prestados pelos psicólogos. Isso até aconteceu com os serviços públicos e com um em específico, o Serviço de Aconselhamento Psicológico da Linha SNS 24, que tem tido muito sucesso em termos de adesão, com quase 50 mil atendimentos realizados. Na altura foram contratados 60 e tal profissionais.
Face ao aumento de casos de ansiedade e stresse que referiu, o volume de trabalho dos psicólogos também aumentou? Ou estamos a falar de patologias de que têm conhecimento, mas não foram diagnosticadas?
Ambas são verdade e não são contraditórias. Ou seja, há mais procura – mais consultas, mais clientes – e tem sido generalizada, tanto no sector público como no privado e social. E se olharmos para isto de forma mais abrangente encontramos outros sinais de procura: as escolas públicas portuguesas tiveram um reforço maior de psicológicos, pois só na resposta à crise entraram cerca de 400, e outras áreas passaram a dar uma prioridade diferente a estas contratações. É o caso dos mecanismos de financiamento criados pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social para a contratação de técnicos especializados, como psicólogos, na resposta aos idosos. Houve muito interesse por parte das instituições. Ainda há uma outra área em que sentimos que isso está a acontecer: as empresas. Há um interesse cada vez maior das próprias empresas nos serviços prestados pelos psicólogos em várias dimensões. A pandemia trouxe um interesse das empresas em contratarem serviços que sirvam de apoio aos seus empregados, mesmo no sentido de pagarem pacotes de consulta.
Criam o benefício extrassalarial de oferta de consultas de apoio psicológico?
Exatamente. Ao nível das empresas, também tem havido um crescimento do interesse pelo trabalho dos psicólogos até do ponto de vista preventivo, por exemplo na avaliação e na prevenção dos riscos psicossociais. Já se via esse crescimento antes da crise e continua, com atividades que não são clínicas, mas que têm que ver com a estrutura da própria organização (dinâmica, liderança, gestão de horários, motivação das pessoas…). Tudo isso tem impacto na saúde e bem-estar psicológico das pessoas que lá trabalham. Os psicólogos são chamados a avaliar essas práticas, a ver que pontos fortes e fracos existem e, depois, criar planos para corrigir situações que estejam menos bem para garantir que há menos perdas de produtividade, de dinheiro e, ao mesmo tempo, ganhos no bem-estar dos trabalhadores e, consequentemente, vincular mais os talentos. Perde-se muito menos com os recrutamentos sucessivos. Tem de haver uma preocupação e não é só no discurso, de dizermos que as pessoas são o principal ativo das empresas e depois na prática pouco se fazer nesse sentido. Isso é que é verdadeiramente diferenciador e fazer com que as empresas portuguesas sobrevivam. Nem estou a dizer de serem simplesmente mais competitivas. É a sobrevivência, porque cada vez mais – até por razões da própria demografia – será mais importante não perder talentos, conseguir captá-los. É até essencial para o posicionamento do mercado por parte das empresas. Julgo que haverá até a tendência para, dentro de alguns anos, os próprios consumidores começarem também a fazer as suas preferências de acordo com práticas empresariais que promovam o bem-estar das pessoas, como acontece agora com questões ambientais.
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