No primeiro dia do novo ano, Marcelo fez o mesmo que nos 365 do anterior: apareceu na televisão a dizer inanidades e vacuidades, cada uma pior que a anterior. De frases como “Portugal é onde se encontre um português” à ideia de que 2017 teria sido maravilhoso se tivesse acabado em Junho, passando pela “exigência” da “coragem de reinventarmos o futuro”, o Presidente falou como se estivesse a “partilhar” aquele tipo de memes com frases “inspiradoras” oriundas de sites brasileiros e que são muito populares no Facebook. Só faltaram mesmo a publicidade a dezenas de livros nunca por si lidos e a oferta de um leitãozinho a um qualquer interlocutor de ocasião para que a coisa parecesse um regresso às suas velhas conversas em família na TVI.

Houve, no entanto, um aspecto interessante na mensagem do Presidente: a sua referência à necessidade de que “nos momentos críticos, as missões essenciais do Estado não falham nem se isentam de responsabilidades”, para que “as tragédias que vivemos não subsistam como recordação de irrecuperável fracasso”. Infelizmente, o interesse da declaração está no facto de Marcelo não compreender que o Estado português não pode senão falhar nas suas “missões essenciais”, e que a razão para essa inevitabilidade está na sua própria natureza.

Não é difícil perceber porquê. Em primeiro lugar, Portugal é um país relativamente pobre, o que faz com que os recursos que o Estado lhe pode extrair sejam, por norma, demasiado escassos para todas as necessidades que precisa de cobrir. Em segundo lugar, essa mesma pobreza faz com que as oportunidades escasseiem e a população veja nos lugares e relativa segurança que o Estado oferece a melhor forma de conseguir uma vida minimamente satisfatória, o que, juntamente com a necessidade que os partidos têm de conquistar votos, faz com que a principal função do Estado acabe por ser a satisfação das clientelas que dele dependem – e das quais os partidos dependem também – em detrimento daquelas que realmente lhe deveriam caber.

É por isso que o Estado aumenta os salários na Administração Pública enquanto as suas escolas não têm dinheiro para aquecimento, ou os hospitais não têm dinheiro para comprar material de que necessitam para salvar vidas. É por isso que “companheiros” ou “camaradas” de partido são nomeados para cargos de responsabilidade, sem qualquer preocupação com a sua competência para o lugar. É por isso as matas não são limpas, ou que os sistemas de comunicação em situações de emergência não funcionam apesar das verbas avultadas que o Estado paga por eles. É por isso que as Forças Armadas parecem não ter meios sequer para guardar as suas armas em segurança. Como é por isso que um “Estado-Providência” que pretende dar tudo a todos acaba por dar demais a quem não precisa e de menos a quem realmente precisa.

E é por isso que, ao contrário do que Marcelo disse desejar, o Estado vai continuar a falhar, especialmente nos “momentos críticos”: porque está desenhado para a “isenção de responsabilidades” que Marcelo lamenta, e para ter como prioridade tudo menos aquelas que deviam ser as suas “missões essenciais”. Pior: precisamente por tanta gente depender desse seu desenho, só muito dificilmente alguma coisa poderá alguma vez mudar.

Os “afectos” – o nome que sem vergonha a Evita de Belém dá à propaganda à sua pessoa e ao culto da sua personalidade, e que a comunicação social sem arrependimento come e papagueia – talvez sejam suficientes para esconder da vista dos portugueses os problemas que os afectam, mas para os resolver e eliminar não o serão certamente. E é por isso que, mesmo com a enorme popularidade de que goza, este Presidente não passa ele próprio de um “irrecuperável fracasso”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.