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Leite de burra. ‘Startup’ açoreana reforça exportação

Uma startup dos Açores está a explorar um nicho de mercado em crescimento, o consumo humano de leite de burra, preservando ao mesmo tempo a espécie ameaçada de burros da Graciosa. O foco da Asinus Atlanticus, participada da Portugal Ventures, é a exportação, destacando as virtudes de um produto que teve Cleópatra como a consumidora mais famosa.
18 Março 2018, 13h30

Asinus Atlanticus é uma startup dos Açores que está a apostar num novo nicho de mercado no setor agroalimentar que se encontra numa tendência de crescimento: o consumo humano de leite de burra liofilizado, ou seja, em pó. Esta empresa, pela mão de Marcos Couto e por ter o apoio financeiro de um acionista como a sociedade estatal de capital de risco Portugal Ventures, quer reforçar a sua vertente de exportação e, para isso, vai marcar presença na Biofach, a maior feira mundial de produtos alimentares orgânicos, que se realiza em Nuremberga, Alemanha, de 14 a 17 de fevereiro.

A Asinus Atlanticus tem sede em Angra do Heroísmo, tendo para aí levado cerca de 60 burros autóctones, protegidos por lei, da ilha Graciosa. Além de responder a um crescente consumo, que também está a alastrar a Portugal. Um projeto que une a alimentação saudável à biodiversidade e à proteção do património biológico e cultural lusitano. No nosso país, existem apenas duas quintas produtoras deste tipo, mas só a Asinus Atlanticus produz o leite de burra em pó para consumo humano. E as feiras da Biofach são uma excelente montra para reforçar as exportações da Asinus Atlanticus, uma vez que recebem todos os anos mais de 50 mil visitantes. A maioria deles com o propósito de estabelecer novas relações comerciais, dispondo para tal de uma área exibicional de cerca de 38 mil metros quadrados.

Mas o que tem o leite de burra que os outros não têm? Segundo os responsáveis da Asinus Atlanticus, que produz, transforma e comercializa este produto, o leite de burra foi reconhecido pela comunidade científica “como o mais idêntico ao leite materno humano”, sendo considerado “como um superalimento natural com propriedades nutricionais e com benefícios diretos para a saúde”.

O leite de burra está aconselhado para crianças com alergias às proteínas de leites tradicionais (de vaca, cabra, ovelha ou soja, por exemplo); crianças em geral, para fortalecer o seu crescimento; idosos com problemas de osteoporose; convalescentes; e pessoas em geral que pretendam uma alimentação saudável e natural.

De acordo com os especialistas, o leite de burra é rico em vitamina C, sendo que o leite da Asinus contém até duas vezes mais Omega 3 (com uma proporção ideal entre Omega 3 e Omega 6) graças à alimentação dos animais feita exclusivamente com base em pastagem verde dos Açores, além de apresentar quatro vezes menos gordura e três vezes menos sódio (sal), terminando num “sabor doce natural que o torna mais agradável e aceitável”.

“O leite de burra liofilizado com certificação biológica é um alimento natural, que aporta grande valor nutricional”, destacando-se pela “presença de potássio, cálcio, ferro, fósforo, magnésio, crómio, selénio e vitaminas E, C, B1, B2, B6, B9, B12, Omega 3, 6 e 9, assim como aminoácidos essenciais e não essenciais com uma excelente biodisponibilidade para o corpo humano”, garante a Asinus Atlanticus.

Em Portugal, ainda não existem dados estatísticos sobre o consumo humano de leite de burra. A Asinus Atlanticus foi fundada em 2012 e tem vivido da venda de leite orgânico de burra para a indústria cosmética, sendo toda a sua produção para exportação. Agora, a empresa com base nos Açores tem uma previsão de produção de meia tonelada de leite liofilizado, totalmente para mercados externos.

Na Europa, onde existem cerca de 15 a 20 quintas produtoras de leite de burra, o país com maior consumo é a Itália (leite liofilizado). Por todo o Médio Oriente e Índia, o consumo de leite de burra fresco é normal.

Os principais clientes do leite de burra são as indústrias cosméticas de França, apesar de a tendência de consumo se estar a tornar cada vez mais geral. No segmento alimentar, os principais consumidores são os países da área de influência do Império Romano. Por isso, os maiores produtores de leite de burra são os italianos, embora não sejam conhecidos dados concretos sobre as suas produções e vendas.

Quase todos os investimentos nas empresas produtoras deste nicho de mercado florescente são provenientes de sociedades de capitais de risco e de fundos de investimento, como é o caso da Asinus Atlanticus.

A história do consumo de leite de burra remonta à Antiguidade, ao Império Egípcio. Cleópatra e o seu banho de beleza diário proporcionado pela ordenha de 700 burras é a referência histórica mais conhecida.

Já o pai da Medicina, o grego Hipócrates (anos 460 a 370 a.C.), escrevia sobre as virtudes medicinais deste produto. No Império Romano, o leite de burra era comummente considerado como um remédio.

O historiador Plínio, o Velho, (anos 23 a 79 d.C.), na sua obra enciclopédica “Naturalis Historia”, escreveu de forma extensiva sobre os seus benefícios para a saúde.

Mas só depois de chegados ao Renascimento é que surgiu a primeira análise científica ao leite de burra. Foi nessa altura que o famoso naturalista francês Georges-Louis Leclerc (1708-1788) fez menção aos benefícios do leite de burra na sua “Histoire Naturelle”.

São conhecidos relatos de que a irmã de Napoleão Bonaparte, Pauline (1780-1825), usava o leite de burra para os seus cuidados de pele. Ainda em França, no século XIX, o Dr. Parrot, do Hospital des Enfants Assistés, divulgou a prática de levar os bébés órfãos de mãe a serem alimentados diretamente pelas burras (“Bulletin de l’Académie de Médicine, 1882). Até ao século XX, o leite de burra foi vendido para abastecer orfanatos e para curar crianças mais delicadas, enfermos e idosos.

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