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‘Síndrome holandês’: Como a Noruega escapou à ‘maldição’ do excesso de riqueza

Maioria dos países produtores de petróleo não são um bom exemplo de economias e de sociedades saudáveis. A Noruega é o contrário dessa maioria. Mas, apesar de toda a riqueza, está já a preparar outro futuro.
22 Fevereiro 2018, 17h58

A abundância de petróleo e gás natural pode tornar-se numa maldição nacional se a riqueza daí gerada não for usada corretamente. Os exemplos planetários são variados: entre países onde essa riqueza deu lugar a uma espécie de preguiça endémica e outros onde a corrupção passou a imperar, passando por aqueles onde as rendas são tremendamente mal distribuídas, há de tudo.

De tal maneira é assim, que o jargão económico chegou mesmo a produzir um termo para o caraterizar: o síndrome holandês – criado nos anos 60 do século passado depois de a indústria daquele país ter sofrido um duro golpe após a descoberta de grandes reservas de gás natural perto do Mar do Norte.

Na Holanda dessa altura, os recursos da economia foram-se focando cada vez mais num único setor, ao mesmo tempo que a forte procura pelos florins holandeses (para comprar o gás) apreciou fortemente a moeda, prejudicando o resto dos setores do país, que enfrentou enormes dificuldades em exportar.

Um pouco mais a norte, a Noruega, um país com apenas cerca de cinco milhões de habitantes, era outro candidato ao sucumbir ao síndrome – mas não foi nada disso que sucedeu. Desde logo porque os seus sucessivos responsáveis políticos (ao longo de cinco décadas) souberam a tempo, e desde o início, criar barreiras a que isso sucedesse.

Após quase 50 anos de produção, os economistas do banco central norueguês produziram um documento, citado pela revista “El Economista”, em que provam, que o síndrome holandês não penetrou as sólidas fronteiras sociais e económicas do país.

Segundo o documento, da responsabilidade dos economistas Hilde Bjornland, Leif Anders Thorsrud e Ragnar Torvik, a descoberta do petróleo aumentou a produtividade de toda a economia nórdica como um todo.

O “valor agregado por trabalhador na economia aumentou com o boom do petróleo, uma vez que existe uma aprendizagem prática nas indústrias de serviços ligadas ao petróleo que se estende a outras indústrias”, refere o estudo.

De acordo com o documento, o mesmo pode observar-se, aliás, com o boom de produção do chamado petróleo de xisto por parte dos Estados Unidos, que rapidamente transformou o país num largo produtor e exportador de petróleo e gás.

Na Noruega, a riqueza obtida pelo petróleo serviu para transformar este setor num dos mais competitivos do mundo. Ao mesmo tempo, o resto da economia baseou-se nessa riqueza para investir e melhorar a produtividade. A Noruega exporta muito petróleo, mas também exporta máquinas relacionadas com esse setor e outros tipos de tecnologia de alto valor acrescentado que conseguiram segurar a força histórica da moeda norueguesa.

Embora a Noruega tivesse precisado de grandes doses de investimento com o recurso a empréstimos estrangeiros para iniciar a grande indústria do petróleo no final da década de 1960, transformou grandes áreas de sua indústria e tornou-se num fornecedor global de tecnologia para a indústria do petróleo e o gás, substituindo setores menos produtivos.

Por outro lado, o país criou – para proteger e diversificar o futuro comum de todos os seus cerca de cinco milhões de habitantes – um fundo de investimento soberano para onde é canalizada uma grande parte do dinheiro proveniente da venda do petróleo, que já totaliza cerca de 900 mil milhões de euros, quase cinco vezes o PIB português.

O fundo serve, entre outras coisas, para garantir os benefícios sociais das gerações futuras e de almofada para tempos difíceis. O governo recorreu ao fundo pela primeira vez em 2016, quando o país foi afetado pela queda no preço do petróleo, mas apenas usou os lucros e nunca o capital. É que o fundo gera lucros substanciais – sendo certo que os seus administradores apenas os aplicam em empresas, quando é caso disso, acima de qualquer suspeita, seja de crimes ambientais, fugas aos fiscos, branqueamentos de capitais e por aí adiante. Um exemplo, portanto, que outros países, como Angola, não conseguiram replicar.

A primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, do Partido Conservador, fez da redução da dependência da Noruega em relação ao petróleo um dos seus principais objetivos políticos – o que fez com que o país aposte agora nas energias renováveis. Paralelamente, o banco central está a produzir um estudo sobre que impacto terá na economia o fim da produção de petróleo.

Um exemplo de boas práticas, portanto, a que bem se poderia chamar síndrome norueguês, e que desgraçadamente afeta muito poucas economias.

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