O investimento tem sido um dos calcanhares de Aquiles da economia nacional nos últimos anos, não acompanhando a evolução de outras categorias importantes para o crescimento como o consumo ou as exportações, tanto do lado privado, como do público. Neste último, os Orçamentos do Estado (OE) apontam para crescimentos anuais que acabam defraudados a posteriori, gerando críticas de várias bancadas políticas, economistas e empresários à medida que investimentos vistos como estruturantes continuam por realizar. Desde 2015, foram mais de seis mil milhões de euros que ficaram por executar e 2023 não se afigura um exercício orçamental simples.
Uma análise aos últimos OE mostra uma tendência clara de sobre orçamentação das categorias associadas ao investimento público, apesar das promessas dos mais recentes governos socialistas. Os dados não mentem: em 2015, dos quase 4,8 mil milhões de euros previstos para esta rubrica, apenas 91% foram executados; em 2016, a ambição era maior, com 4,88 mil milhões previstos, mas apenas 80,4% de execução; para 2017, a expectativa era de 4.987,5 milhões de euros, mas apenas 82,9% foram aplicados.
Nos anos seguintes, taxas ainda mais preocupantes de execução: 78,6% em 2018 e 79,4% em 2019, isto apesar dos grandes aumentos na quantia orçamentada para estes anos (5.484,4 milhões em 2018 e 5.957,4 milhões no ano seguinte); finalmente, 2020 registou uma melhoria assinalável, mas que deixou a taxa de execução ainda bastante abaixo de 100%, com 96,3%, sendo que esta melhoria se esfumaçou no ano seguinte, quando foram executados apenas 82,5% dos 7,7 mil milhões de euros orçamentados.
Este ano, e embora não havendo ainda dados completos disponíveis, o primeiro semestre viu ficarem cativos 1.012,5 milhões de euros, dos quais foram desbloqueados apenas 124 milhões. Este valor refere-se a várias despesas da administração central e, como tal, vão muito para lá do investimento público, mas incluía-se neste valor, por exemplo, contrapartidas nacionais para investimentos cofinanciados. Para 2023, o OE prevê uma despesa cativada de 3.129 milhões de euros, ou seja, 2,8% do total dos gastos orçamentados.
Esta é uma realidade que leva a críticas frequentes da oposição e de vários agentes económicos, dado o impacto negativo que tem na economia, e para o próximo ano o cenário será desafiante, sublinha Pedro Brinca, economista e professor universitário. A incerteza em que está mergulhada a economia global e à qual Portugal não escapa tornam o exercício orçamental mais sujeito a riscos, especialmente dada a possibilidade de um crescimento mais moderado do que os 1,3% projetados pelo Governo.
“Mas nem só dos perigos da quebra de receitas vivem as ameaças à execução orçamental”, acrescenta, lembrando os avisos recentes do Conselho de Finanças Públicas (CFP) sobre a despesa. Há “dúvidas quanto ao plano de revisão de despesa que está previsto, considerando que peca pelo otimismo”, bem como “os riscos que existem relativamente à necessidade de atender às pretensões dos parceiros privados das PPP, nomeadamente compensações e indemnizações de forma repor o equilíbrio financeiro dos respetivos contratos”.
Por outro lado, o cenário económico pode degradar-se de tal forma que “leve à ativação de muitas das garantias de Estado dadas a linhas de crédito criadas por altura da pandemia”, incluindo com a TAP e o Novobanco, com a “hipótese de uma eventual utilização do remanescente dos 485 milhões de euros ao abrigo do acordo de capitalização” neste último.
Despesas de capital preocupam
A entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral alertou para um desequilíbrio entre os seus cálculos e os apresentados pelo Governo quanto à redução da despesa fiscal, vendo um otimismo excessivo nestas previsões. Em detalhe, o CFP deteta “mais de metade da redução prevista” na categoria com despesas de capital proveniente de “medidas não especificadas”, registando um desencontro de 0,4 pontos percentuais (p.p.) do PIB com os números do Executivo.
A hipótese de um crescimento inferior ao esperado pelo Executivo tem sido levantada por várias instituições, ao emitirem projeções abaixo dos 1,3% inscritos no OE para o próximo ano. O Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta para 0,7% em 2023, o mesmo valor que a Comissão Europeia, enquanto a OCDE espera 1% e o CFP antecipa 1,2%.
Também quanto à inflação as previsões internacionais são mais penalizadoras do que as internas, aumentando a possibilidade de uma atividade mais deprimida e uma coleta fiscal abaixo do esperado. Ao passo que o Governo projeta uma variação de preços de 4% em 2023, o FMI estima que esta chegue a 4,7%, enquanto a OCDE é ainda mais pessimista, esperando 6,6%. Já Bruxelas fica a meio caminho entre ambas, com 2,3%.
Ainda assim, e mesmo considerando a incerteza que irá envolver o próximo ano, a almofada financeira conseguida em 2022 com a subida generalizada de preços ajudará a acomodar alguns perigos, projeta Pedro Brinca.
Mais, “as cativações e a sobreorçamentação da despesa (que cresceu 3,5%, o que levou a um ‘puxão de orelhas’ de Bruxelas) podem permitir ao Governo dar um ‘golpe de asa’ e, através da realocação de verbas entre diferentes rubricas, lidar com as ameaças referidas sem ter de recorrer a um orçamento retificativo ou mesmo a um suplementar”.
Consumo supera investimento
O próprio Banco de Portugal (BdP), liderado pelo antigo ministro das Finanças, Mário Centeno, já mostrou a sua apreensão com o crescimento anémico do investimento e pela importância crescente do consumo privado para a economia nacional, em detrimento de outras rubricas como a formação bruta de capital fixo.
Segundo os cálculos do banco central, o investimento crescerá apenas 0,8% em 2022 face ao ano anterior, um valor bastante abaixo dos 8,7% registados em 2021 e dos 5% projetados pela instituição no verão. Um dos motivos para o baixo resultado é, segundo o BdP, a baixa execução dos fundos europeus combinada com a subida de juros, inflação e grande incerteza; como tal, considera o governador, é necessário arrancar com novo ciclo de investimentos e, nesta dimensão, o plano de Bruxelas terá um papel importante.
Mário Centeno aponta para a maior variação do PIB e, sobretudo, do consumo privado face à do investimento, defendendo que este último “é que gera rendimento no futuro” e, como tal, deve servir como motor da economia nacional. Esta posição surge como contraposta ao atual modelo de desenvolvimento português, assente maioritariamente no consumo privado, levando o antigo ministro a falar em “preocupação”.
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