Para além da guerra, com toda a sua incerteza, uma das maiores incógnitas de 2023 reside no que os bancos centrais poderão fazer, interessando-nos especialmente o caso do Banco Central Europeu (BCE).
O banco central da zona euro tem apenas uma meta económica, a inflação, ao contrário da Reserva Federal dos EUA, que tem duas, a inflação e o emprego. Ainda assim, espera-se que o BCE tenha atenção também ao estado da economia ao decidir sobre a política monetária.
Recordemos que o ano de 2022 se iniciou com o conhecimento da inflação de Dezembro do ano anterior, que se fixou em 5,0% na zona euro (2,7% para a inflação subjacente), enquanto nos EUA o problema parecia mais grave (7,0% e 5,5%, respectivamente). Ainda assim, a Reserva Federal só em Março é que subiu a sua taxa de referência (Fed funds), para entre 0,25% e 0,5%, ainda que a inflação norte-americana tivesse atingido os 5,0% logo em Maio de 2021, podendo-se dizer que a inflação da zona euro estava cerca de dois trimestres atrasada em relação aos EUA. Depois de um arranque modesto, os Fed funds aceleraram, tendo-se fixado em Dezembro entre 4,25% e 4,5%.
O BCE mostrou uma grande relutância em acompanhar os seus congéneres, só tendo iniciado as subidas em Julho, apesar de, posteriormente, ter acompanhado o banco central dos EUA em subidas muito rápidas, para chegar a Dezembro com a taxa dos depósitos nos 2%. Ao longo de todo o ano de 2022, o padrão da revisão das expectativas da generalidade das instituições foi: PIB revisto em baixa e inflação revista em alta.
Os valores da inflação de Novembro dizem-nos que já foi atingido o pico há cinco meses nos EUA, enquanto na zona euro continuam a registar-se novos recordes, considerando o BCE que o pico será atingido apenas em Janeiro ou Fevereiro de 2023. Em suma, podemos dizer que a inflação da zona euro mantém um “atraso” de cerca de seis meses face à dos EUA.
Para 2023, espera-se que estes dois bancos centrais (e muitos outros) continuem a subir as suas taxas de referência, mesmo nos casos em que os preços já estão a desacelerar e mesmo correndo o risco de provocar ou acentuar uma eventual recessão. Na zona euro, há a indicação de que elas possam subir até ao Verão, talvez atingindo mesmo os 4%, um valor até há pouco visto como impensável.
Será um período muito pouco invejável, porque é provável que a economia esteja em recessão, o desemprego a subir, a inflação a diminuir, sugerindo que o remédio está a fazer efeito, e o BCE a querer aumentar a dose. Entretanto, a subida das taxas de juro estará a agravar as condições de financiamento dos Estados, das empresas e a reduzir fortemente o poder de compra das famílias endividadas, pelo que os protestos deverão surgir de múltiplas origens.
Só nos resta esperar que a guerra ou outro fenómeno não faça subir a inflação, tornando ainda mais difícil a situação de todos nós e do BCE, que se verá obrigado a domesticar as expectativas de inflação.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.