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Lesados Babyblue: quais os próximos passos para tentar reaver o dinheiro?

Como funciona o pedido de insolvência? Vale a pena apresentar queixa na polícia? Veja estas e outras questões esclarecidas com a ajuda de uma especialista legal da Deco.
28 Fevereiro 2023, 11h06

“As notícias não são muito positivas para os consumidores”. É assim que a coordenadora do gabinete de apoio ao consumidor da Deco –  Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor resume a situação para os lesados Babyblue, na perspectiva de possibilidade de recuperação do dinheiro que já gastaram.

“O que acontece com as empresas muitas vezes – como sites e lojas físicas que encerram e entram em processo de insolvência – vendem até ao momento em que se apresentam ou é requerida por terceiro a insolvência. O que significa que o número de lesados é muito superior porque estão a vender e a receber dinheiro numa altura em que já não há viabilidade para que aqueles negócios possam ser cumpridos. Muitas vezes o problema situa-se exatamente aqui”, disse Ana Sofia Ferreira ao Jornal Económico.

“Tanto quanto conseguimos perceber, durante o mês de janeiro e fevereiro, numa situação em que a empresa já estaria com grandes dificuldades – porque não se entra em insolvência ou numa situação de incumprimento de um momento para o outro – continuou a vender. Temos um número de consumidores que poderá ser bastante elevado entre o que compraram na loja física, encomendaram e pagaram, e os que compram online e nunca receberam as suas encomendas, agora estamos numa situação muito complicada para os consumidores”, acrescenta.

“No caso da Babyblue, o que é facto é que, antes do encerramento, não havia um movimento tão consistente de reclamações que nos permitisse tirar logo uma ilação. O que significa que a empresa continuou a operar até ao dia em que fechou portas. Provavelmente, o número de lesados poderá ser superior ao que já é conhecido”.

O que aconteceu neste caso?

A Babyblue apresentou um pedido de insolvência e deixou centenas de pais sem produtos, como carrinhos de bebés, a poucas semanas dos seus nascimentos. A empresa – que vendia principalmente carrinhos de bebés – tinha uma loja online e quatro lojas físicas em Lisboa, Porto, Coimbra e Braga, que estão todas fechadas há uma semana.

Conforme apurou o JE, a empresa não tinha em stock muitos dos produtos que vendia. Quando os clientes queriam fazer uma encomenda, tinham de deixar um sinal de 50% do valor total. O restante seria pago quando os produtos chegassem à loja. Entre as encomendas feitas, sinais pagos e o fecho das lojas, muitos pais ficaram sem os seus produtos. Muitos estão à espera dos seus bebés nascerem nas próximas semanas, enquanto outros têm bebés um pouco mais crescidos e que precisam do carro de passeio ou da cadeira de refeição.

O pedido de insolvência da Babyblue – Comércio de Artigos Para Bebé e Criança, Unipessoal Lda deu entrada a 19 de fevereiro no juízo de comércio de Vila Franca de Xira. A ação tem um valor de 300 mil euros. Como credores, tem o Bankinter, a Caixa Económica Montepio Geral, a Caixa Geral de Depósitos, a Lisgarante – Sociedade de Garantia Mútua, Dorel Portugal e o BCP.

Nas redes sociais, os pais já se organizaram e criaram o grupo Lesados Lojas Baby Blue que conta com mais de 450 membros no Facebook. Segundo a informação disponível nesta página, os contatos telefónicos da empresa estão todos indisponíveis, e as redes sociais e o site estão em baixo, à exceção do TikTok. A Babyblue foi criada em 2011 e conta com um capital social de cinco mil euros, com sede em Santo António dos Cavaleiros.

Como funciona a declaração de insolvência?

“Assim que saia a declaração de insolvência, há de ser publicada a sentença, e há de ser nomeado um administrador de insolvência. Essa sentença irá fazer referência a um prazo para a reclamação de créditos, e tem os contactos do administrador de insolvência que é perante quem se faz a reclamação de créditos. Este é o momento para os consumidores estarem atentos”, segundo Ana Sofia Ferreira.

A partir do momento em que uma empresa é declarada insolvente, “e se a Babyblue vier a ser declarada, o consumidor tem de estar atento porque com a sentença de insolvência vai ser determinado um prazo para reclamação de créditos, e os consumidores têm esse prazo para apresentarem a reclamação do seu crédito, nomeadamente os bens que adquiriram, o valor que pagaram e que não receberam. Depois, têm de esperar que seja reconhecida a lista de credores e verificar se o nome esta na lista de credores reconhecido”.

A especialista aponta que o “problema nestas situações é o tempo que decorre. Portanto, todos os pais que dizem que a criança precisa dos produtos de forma urgente – precisam de ter o ovo, o carrinho ou a alcofa – não e uma situação que se resolva de um momento para o outro; ninguém lhes vai pagar este dinheiro”.

Quais são os credores que recebem primeiro?

Um dos maiores problemas apontados pela Deco é o “facto de os consumidores não serem credores privilegiados. E os valores são pagos primeiro aos credores privilegiados”

“Se existirem trabalhadores com ordenados em atraso, ou valores em atraso, se existirem dívidas ao Estado, se existirem bancos com garantias, os consumidores ficam no fim da linha. A probabilidade de virem a receber uma parte ou um montante total do valor que ficaram lesados, é realmente baixa. Neste momento, as notícias não são as melhores para os consumidores”, explica a responsável.

“Diz-nos a experiência que estes consumidores são prejudicados. Num processo de insolvência, os consumidores virem a ser pagos, até uma parte quanto mais a totalidade, é sempre muito difícil. Por via de regra, nestes processos de insolvência, infelizmente, os valores não são pagos aos consumidores. Há uma serie de credores privilegiados que recebem antes, muitas vezes para esses nem é suficiente”, adianta.

O património será suficiente? Existe?

Outra questão é o património: será suficiente para pagar a todos os credores?  “Ainda que o crédito seja reconhecido como devido, na verdade depois o património pode ser inferior aos créditos que são reconhecidos, isto partindo do princípio que possa existir património, pois há insolvências em que não existe património”.

Comprei um produto na loja, mas tem defeito. Como acionar a garantia?

“Uma dica para os consumidores: para aqueles que tiveram a sorte de receber o bem, a marca, desde que tenha representante em Portugal ou em espaço europeu, também é responsável pelos defeitos que surjam no prazo de garantia. Se tiverem bens de determinadas marcas e se tiverem algum problema – já não podem reclamar perante o vendedor, porque se encontra insolvente, ou foi requerida a insolvência -, mas podem apresentar reclamação junto da marca”, explica a responsável da Deco.

No caso de defeitos, ou se o produto estiver danificado ou não funcionar, “nestes casos, a marca também é responsável. Contactar a marca, os importadores, ou representantes da marca. A questão de garantia não fica totalmente perdido. Agora, encomendas não recebidas não há nada para fazer. Nestas situações já não pode fazer nada extrajudicialmente”.

Deve haver queixas à polícia? Servem para alguma coisa?

Ana Sofia Ferreira começa por dizer que a “apresentação de queixa-crime pressupõe sempre a existência de um crime” e sublinha que “o facto de uma pessoa ter celebrado um contrato, esse contrato ter sido incumprido e ter sido prejudicada financeiramente, por si só, não é um crime. A apresentação de queixa-crime nesta situação não faria sentido”, considera, mas a situação muda de figura num caso de eventual burla.

Uma situação de eventual burla, e com direito a queixa-crime, insere-se nos casos em que esta é “praticada com plena consciência, que visa um enriquecimento próprio, à custa de um terceiro que induz em erro. Neste caso, seria a Babyblue ter perfeito conhecimento que já não tem absolutamente nenhum stock, não tem acordo nenhum com fornecedor, tem as linhas de fornecimento já tapadas, já não tem sequer atividade, mas continua a vender, com o objetivo de encaixar aquele dinheiro, já sabendo atempadamente que não vai cumprir qualquer contrato”, sublinha.

“O cidadão tem o direito a apresentar uma queixa-crime, mesmo que a mesma possa vir a ser arquivada. Se estamos ou não perante um crime de burla, só a investigação e a entidade competente é que o poderá dizer”.

Pedido de indemnização civil entra para o processo de insolvência

Na apresentação de queixa-crime, “ainda há outra questão, ainda que viesse a ser deduzida acusação pela prática de determinado crime, depois os consumidores constituíam-se assistentes para exigir um pedido de indemnização civil. Ora, este pedido de indemnização, existindo um processo de insolvência, teria de entrar para o crédito no processo de insolvência. Obviamente que percebemos a ideia de existir alguém que é julgado pela prática de determinado crime, mas se for a ideia de ser ressarcido, também não é pela queixa-crime que irá ser ressarcido, sem passar pelo processo de insolvência”.

A especialista aponta que os “processos de insolvência também tem a figura da gestão danosa, mas só com o tempo é que se vai perceber que tipo de insolvência foi esta, gestão danosa ou não, se houve a prática de algum crime ou não, mas para o consumidor ser ressarcido do montante que ficou prejudicado, é apresentar a reclamação de créditos”.

Apresentar uma queixa na justiça significa a devolução do dinheiro?

“Se algum consumidor nos perguntar se consegue mais facilmente reaver o seu dinheiro apresentando uma queixa-crime, não será por aí. Até porque os processos de indemnização só serão apreciados se existir uma acusação e condenação pela prática de um crime. É um processo moroso”, começa por explicar.

“Mas se os consumidores pretendem apresentar uma queixa no sentido de se terem sentido enganados, e entenderam que existiu uma prática dolosa que pode eventualmente configurar um crime, têm esse direito de apresentação da queixa-crime”, destaca.

Solução extrajudicial pode ser solução?

A especialista da Deco aponta que, neste momento, esta já não é uma possibilidade. “O problema é que a partir do momento em que dá entrada em tribunal um processo de insolvência, e se a entidade vier a ser declarada insolvente ou que venha a ser declarado um plano especial de recuperação, na verdade, a partir desse momento os consumidores tem de reclamar créditos no processo de insolvência, o que significa que extra judicialmente  o contacto com a Babyblue já não vai adiantar, porque estando com um processo de insolvência, já não tem forma de cumprir, nem o pode fazer”.

“Nem mesmo um tribunal arbitral, que pode ser usado para os consumidores fazerem valer os seus direitos, neste momento já não existe essa hipótese. Já deu entrada em tribunal judicial o processo de insolvência, já não se vai discutir nem em sede de mediação nem de arbitragem. Neste momento, os mecanismos de defesa de consumidor passam todos pelo processo de insolvência”.

Vale a pena fazer queixas à Direção-Geral do Consumidor?

A responsável da Deco aponta que a Direção-Geral do Consumidor (DGC) “não tem já qualquer tipo de intervenção neste ponto, tal como a ASAE que é a entidade fiscalizadora”, apontando que fazer reclamação já não vai surtir efeito

“Se for numa situação em que a empresa ainda esta a vender… são feitos os alertas. Agora quando existe um processo de insolvência, a Deco, a Direção-Geral do Consumidor ou a entidade fiscalizadora, já pouco mais podem fazer do que registar a situação”, resume.

A Deco pode ajudar?

Ana Sofia Ferreira destaca que a associação pode ajudar “o consumidor na apresentação da reclamação de créditos, temos minutas, embora o tenha de fazer a título individual. Mas ajudamos os consumidores que tenham mais dificuldades. Quem constituir advogado, está salvaguardado pelo seu mandatário”.

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