O Banco de Portugal apresentou o acompanhamento do cumprimento das medidas macroprudenciais no crédito à habitação que consiste em limites ao rácio LTV (Loan to Value), ao DSTI (Debt Service-To-Income), isto é, a percentagem de empréstimo face ao valor da casa e a taxa de esforço das famílias. O tema, no banco central, está sob tutela da vice-governadora Clara Raposo.
O relatório anual de acompanhamento das medidas macroprudenciais em Portugal, relativo ao seu cumprimento em 2024 foi publicado hoje e “analisa a implementação da Recomendação dirigida às instituições de crédito, relativa aos novos créditos à habitação e ao consumo celebrados com particulares, e a avaliação das medidas de capital, adotando um âmbito de análise mais amplo do que em anos anteriores”, lê-se no documento.
Em comunicado, o Banco de Portugal diz que a recomendação está a ser globalmente cumprida. “Em 2024, as instituições de crédito continuaram a respeitar as orientações relativas ao rácio DSTI, ao rácio loan-to-value (LTV), à maturidade do crédito à habitação e ao consumo, bem como aos pagamentos regulares de capital e juros”, conclui o relatório que adianta ainda que “o crédito à habitação concedido a mutuários com um perfil de risco elevado diminuiu, refletindo uma melhoria sustentada no perfil de risco”.
“Ao longo de todo o período em análise, a maioria dos novos contratos de crédito apresentava rácios LTV e DSTI claramente inferiores aos limites estabelecidos na Recomendação. No segundo semestre de 2024, verificou-se uma ligeira redução deste tipo de contratos mas com uma larga maioria (64%) dos novos contratos simultaneamente com LTV abaixo de 88% e DSTI abaixo de 48%”, constata o relatório.
O risco de um mutuário é considerado elevado quando a taxa de esforço é superior a 50% e quando o empréstimo é superior a 80% do valor da casa.
O perfil de risco dos mutuários, avaliado pelos rácios DSTI e LTV, apresenta uma evolução favorável, desde a entrada em vigor da medida macroprudencial para o crédito, em 2018.
Em 2024 o rácio médio de LTV das novas operações manteve-se em 69% (após a redução registada em 2023), sendo a recomendação do regulador de 90%.
As transferências de crédito apresentaram, em média, um rácio LTV inferior ao das novas operações de crédito concedidas.
A redução que se tem assistido no rácio LTV médio ponderado das novas operações de crédito afeta positivamente o rácio LTV do stock de crédito à habitação.
“A evolução do rácio LTV foi influenciada pelo abrandamento do volume de transferências de crédito entre instituições e pela entrada em vigor, em agosto, das isenções do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e do Imposto de Selo”, explica o BdP.
As transferências de crédito intensificaram-se ao longo de 2023, e, em 2024, ainda continuaram a representar um peso significativo no total de crédito à habitação. A procura por condições contratuais mais vantajosas justificou o aumento das transferências de crédito à habitação entre instituições, a partir do final de 2022.
Incluindo as transferências de crédito verifica-se que 58% dos novos créditos apresentam risco baixo (61% em 2023); 39% apresentam risco intermédio (36% em 2023) e 3% risco elevado (igual a 2023). Ainda assim melhor que em 2019, altura em que era 43%; 51% e 6%, respetivamente.
Excluindo o efeito das transferências de crédito verifica-se que 53% do crédito tem risco baixo (em 2023 tinha 57% e em 2019 era 43%); 43% tem risco intermédio (50% em 2023 e 51% em 2019); 3% tem risco elevado (igual a 2023 e em 2019 era de 6%).
Embora em 2024 face a 2023 tenha havia uma queda do crédito com baixo risco, o supervisor bancário diz que se observa uma melhoria contínua do perfil de risco dos mutuários com crédito à habitação, desde que a medida entrou em vigor.
“O rácio LTV, calculado com base no mínimo entre o preço de aquisição e o valor de avaliação do imóvel, tem-se aproximado, em média, do rácio determinado exclusivamente a partir do preço de aquisição, uma vez que o valor de avaliação dos imóveis é, em média, superior ao seu preço de aquisição”, avança ainda o relatório.
Em 2024, a generalidade dos novos contratos de crédito à habitação continuou a exigir uma entrada de capitais próprios por parte do mutuário de, pelo menos, 10% do valor do imóvel. A percentagem de novas operações com um rácio LTV superior a 90% manteve-se residual, em linha com os últimos cinco anos, revela o relatório.
A percentagem de novos contratos com um rácio LTV igual ou inferior a 80% registou uma ligeira redução face a 2023, situando-se nos 64%, mas acima do valor observado em anos anteriores.
“Esta evolução deverá refletir-se, de forma gradual, no stock de crédito, reforçando a resiliência do sistema financeiro. Em dezembro de 2024, 96% do stock do crédito à habitação apresentava um rácio LTV igual ou inferior a 80%”, acrescenta o documento.
A análise do banco central revela também que mais de 70% dos créditos em stock registava um rácio LTV inferior ou igual a 60%, representando uma importante salvaguarda para a capacidade das instituições absorverem eventuais quedas nos preços do imobiliário residencial. A percentagem de créditos com rácio LTV superior a 90% manteve-se residual.
Já a maturidade média ponderada das novas operações de crédito à habitação em 2024 fixou-se em 31 anos, ou seja, 2,4 anos abaixo do valor de julho de 2018 (era 33,4 anos).
“As medidas fiscais dirigidas a mutuários jovens alteraram a distribuição etária no mercado de crédito à habitação”, diz o Banco de Portugal.
Nestes dados não estão ainda refletidos os créditos à habitação para jovens até aos 35 anos que só entrou em vigor no final do ano passado. Apanha sim a isenção de IMT e Imposto do Selo aos jovens até 35 anos na compra da sua primeira casa até aos 316.772 euros.
Em 2024, à semelhança dos anos anteriores, a percentagem de crédito ao consumo com maturidade acima dos limiares definidos na Recomendação manteve-se imaterial, garante o BdP.
O relatório constata que em 92% dos novos contratos de crédito à habitação e consumo, os mutuários apresentaram um rácio DSTI igual ou inferior a 50%.
Em 2024, 92% dos novos contratos de crédito à habitação e ao consumo foram concedidos, considerando os choques de taxa de juro e/ou de rendimento previstos na Recomendação (150 pontos base acrescido ao indexante), sendo que esta percentagem representa um ligeiro aumento face a 2023 (91%).
Mas “as medidas fiscais e o regime de garantia do Estado dirigidas a mutuários com até 35 anos de idade, instituídas em 2024, poderão pressionar a maturidade média da carteira e conduzir a um ligeiro incremento nos rácios LTV e DSTI”.
Banco de Portugal quer acompanhar créditos com garantia que levam a financiamentos a 100%
O regime que prevê a concessão de créditos com garantia do Estado até 15% do valor de transação do imóvel para habitação própria e permanente, para jovens até aos 35 anos, viabilizando o financiamento de até 100% do seu valor poderá levar a que “muitos destes contratos” não observem o limite ao rácio LTV da recomendação do BdP.
“De acordo com as expectativas das instituições de crédito, a implementação desta medida deve resultar num aumento da contratação de crédito a mutuários até 35 anos de idade, pressionando a maturidade média da carteira e levando a um ligeiro incremento nos rácios LTV e DSTI”, lê-se no relatório.
Neste contexto, o Banco de Portugal emitiu uma Carta Circular, “reiterando a necessidade de uma monitorização rigorosa e exigindo justificações fundamentadas para desvios à recomendação que venham a ser observados, no âmbito do procedimento de comply or explain”, revela o relatório do supervisor.
Todos os contratos de crédito que ultrapassem os limites estabelecidos para o rácio LTV ou incumpram outros requisitos previstos na Recomendação continuam sujeitos à necessidade de justificação, incluindo aqueles celebrados ao abrigo do regime de garantia do Estado.
O Banco de Portugal garante ainda que “monitoriza também a possível utilização de crédito pessoal para compensar os limites ao rácio LTV da Recomendação”. Mas em 2024, tal como em anos anteriores, a contratação simultânea ao mesmo mutuário de crédito à habitação e de crédito pessoal, para fins semelhantes, “manteve-se pouco expressiva”.
Nova almofada contracíclica para a banca em 2026
Sobre os bancos, o relatório revela que “as medidas macroprudenciais implementadas têm sido eficazes na mitigação das fontes de risco sistémico e no fortalecimento da resiliência do sistema financeiro em Portugal”.
“O Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS) reconhece que os instrumentos adotados – a Recomendação e as medidas de capital – são adequados e suficientes para mitigar as fontes de risco sistémico relacionados em particular com riscos e vulnerabilidades no mercado imobiliário residencial e absorver a materialização destes riscos em Portugal”, destaca o documento.
O Banco de Portugal lembrou ainda “as medidas de capital atualmente em vigor incluem a reserva de conservação de capital (CCoB), a reserva para outras instituições de importância sistémica (O-SII) e a reserva para risco sistémico setorial (sSyRB)”.
A partir de 1 de janeiro de 2026, será introduzida uma percentagem positiva de reserva contracíclica de fundos próprios (CCyB), sublinhou o supervisor.
“No final de 2024, o montante agregado dos fundos próprios principais de nível 1 (CET1) das instituições que o Banco de Portugal identificou como tendo importância sistémica (O-SIIs) excedia os requisitos totais que lhes eram aplicados, por uma margem correspondente a 6% do total das posições ponderadas pelo risco”, salienta o BdP.
Em 2024, a estrutura da reserva combinada de fundos próprios (CBR) era composta maioritariamente pelas reservas CCoB e O-SII.
Em 2024 o banco considera de importância sistémica (O-SII), os sete maiores grupos bancários nacionais (incluindo Crédito Agrícola e Banco Montepio).
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