O ano que agora se inicia é excecional para Portugal, por diversas razões, a par dos vários atos eleitorais, com início no próximo mês, na Região Autónoma dos Açores, no dia 4 de fevereiro, seguindo-se as eleições legislativas para a Assembleia da República, no dia 10 de março e as eleições para o Parlamento Europeu no dia 9 de junho.

Num ano repleto de eleições é, ainda, de referenciar que os dois primeiros atos eleitorais não estavam previstos e resultam das respetivas dissoluções parlamentares.

2024 é, pois, preenchido por decisões políticas que radicam na escolha da sociedade portuguesa. Mas não é só Portugal que vai a votos. Este ano caracteriza-se por uma sequência de atos eleitorais em países cuja escolha política poderá ter impacto nos equilíbrios da Ordem Internacional.

A eleição mais marcante será para a presidência dos Estados Unidos, mas outras potências regionais ou países relevantes para este equilíbrio estarão face a eleições. São os casos da Índia, México, Rússia e Ucrânia, apenas para destacar alguns. Desses escrutínios com impacto internacional, ocorreu o primeiro, o de Taiwan, que não sendo uma grande potência, é um país de características muito próprias, que tem servido para o enfrentamento político entre os EUA e a China.

É, ainda, um ano marcado pela manutenção de conflitos armados que poderão degenerar numa maior confrontação regional, sendo esse perigo mais elevado no caso da Guerra de Gaza, como vimos recentemente com os ataques houthis à navegação no Mar Vermelho, impedido o uso do Canal do Suez, que em muito diminui os custos de tráfego marítimo.

Mas nem tudo são más notícias. É, também, o ano em que se celebram o centenário da ligação aérea Portugal/Macau, os 50 anos da Revolução do 25 de Abril e os 25 anos da retrocessão de Macau para a administração chinesa. Nestas datas redondas, também se conta a história de Portugal e da sua relação com o mundo, e é nessa vertente que aqui as referencio.

100 anos: ligação aérea Portugal/Macau

Em 1924, três aventureiros, dois aviadores, Brito de Pais e Sarmento Beires, e um mecânico, Manuel Gouveia, partiram de Vila Nova de Milfontes em direção ao desconhecido. A última paragem seria Macau. Esta viagem decorre num momento particular da história portuguesa.

O país está face a uma República debilitada, a lidar com dificuldades de afirmação da sua autoridade colonial, assistindo a um novo formato de imperialismo europeu, baseado na fixação e ocupação de terras, a par do uso da tecnologia para tornar esses domínios mais eficientes.

O resultado da experiência do século XIX confirmava a relevância da tecnologia como afirmação de poder na Ordem Internacional, e a Primeira Guerra Mundial apenas reforçara essa conclusão. É, também, durante a participação de Portugal na Grande Guerra que os dois militares, protagonistas desta viagem, se tornam pilotos aviadores e que ganham a experiência dos ares.

Fruto de uma mobilização nacional para custear a viagem, e da vontade e coragem destes três homens, um país em crise consegue lançar esta aventura pelos ares e competir com as viagens de circum-navegação e outras viagens regionais que estão a ser implementadas. Reconhecida como uma viagem que, técnica e cientificamente, teve resultados extraordinários, a verdade é que se perdeu na memória dos tempos.

Porque festejamos tanto a travessia aérea do Atlântico e tão pouco esta viagem que percorreu diversos mares e continentes e desafiou o conhecimento aeronáutico de então? A única resposta encontrada é o facto de Sarmento Beires se ter oposto, primeiro, à Ditadura Militar e, depois, ao Estado Novo.

Como opositor a ditaduras foi exilado político, preso político e chegou mesmo a passar por Macau nesse processo de exílio. Vê enterrar o seu companheiro de viagem e amigo pessoal, Brito Pais, sair da missa de corpo presente da Sé de Lisboa, a partir das grades da prisão do Aljube, sem ter direito a essa última despedida.

A morte de Brito Pais e a reabilitação tardia de Sarmento Beires condenou esta viagem a uma quase não existência, apesar da relevância que teve no seu tempo e que está profusamente documentada na imprensa contemporânea.

Nem a democracia conseguiu recuperar a memória dessa viagem e sua celebração e, sobretudo, o interpretar o seu significado no Portugal de há cem anos. Curiosamente, Sarmento Beires faleceu em 1974, poucos meses do 25 de Abril. Ainda viu a luz da democracia e, por certo, se associaria aos festejos dos 50 anos da revolução que devolveria aos portugueses o direito a recuperar a liberdade e a memória.

50 anos: 25 de Abril

Esta data redonda traça um marco na história contemporânea de Portugal. Será um ano repleto de eventos comemorativos, mas também o ano em que iremos várias vezes a votos, resultado dessa Revolução que trouxe de novo a liberdade ao nosso país.

Contudo, o 25 de Abril não é apenas um acontecimento marcante da história de Portugal. Trata-se de um evento político que teve consequências internacionais da maior relevância. Para além da negociação imediata das independências dos países debaixo de jugo colonial português, teve a capacidade de causar impacto noutras ditaduras europeias, como é o caso da vizinha Espanha, mas também da Grécia.

Foi, igualmente, inovadora. Ao invés da experiência de outros países, em que os militares realizavam golpes políticos para criar regimes ditatoriais, que era também a história de Portugal, houve um golpe militar que devolveu o poder aos civis e à democracia.

É relevante ter esta perspetiva internacional da Revolução do 25 de Abril, o seu enquadramento internacional, as consequências que traz e, ainda, a forma como lidou com os territórios que não se tornando independentes regressaram a outros espaços nacionais. Para além do reatar das relações com a Índia, começam as negociações com a República Popular da China para a retrocessão de Macau, que se dá em 1999 e que agora também completa um ano redondo.

25 anos: retrocessão de Macau

Eis a última data redonda que escolhi: o regresso de Macau à soberania chinesa, num processo negociado que fecha apenas com o final do século XX e que só tem início após a Revolução portuguesa. Macau permaneceria, durante 50 anos, com um estatuto especial relativamente ao resto da China, permanecendo a língua portuguesa como língua oficial.

Passados 25 anos, e após uma pandemia, a presença portuguesa diminuiu, mas parece aos poucos regressar. A criação do Fórum de Macau deu alguma relevância ao território no contexto da lusofonia, mas a maioria dos países são unânimes na ideia de que se poderia fazer mais.

A celebração dos 25 anos de retrocessão constituiu uma oportunidade única para se fazer um ponto de situação e discutir os desafios que agora se apresentam a Macau, como a sua integração no projeto da Grande Baía ou a nunca terminada discussão sobre a diversificação da economia do território.

Igualmente, é uma excelente oportunidade para os países lusófonos e a China fazerem um balanço sobre o papel de Macau na manutenção dos laços históricos entre a China e os países lusófonos, para os quais este território foi sempre a porta. Reforçar o protagonismo de Macau e garantir através do território o acesso à Grande Baía por parte dos países lusófonos será uma maneira de manter e intensificar a presença da língua e cultura de origem portuguesa neste território.

Macau foi o último território que Portugal administrou, naquilo que foi um império colonial. Todas estas reflexões em torno da lusofonia e do papel de Macau fazem sentido.

Ainda mais oportuna é a reflexão sobre o papel de Portugal na contemporaneidade e como se pretende relacionar com os imensos desafios que se avizinham. É verdade que Portugal não se lança em aventuras espaciais como fez com as aventuras aeronáuticas, mas tem ainda decerto um papel diferenciado na esfera internacional.