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25 Abril: Greve na Marinha Grande parou indústria vidreira e revolução livrou operários da prisão

A paralisação obrigou o patronato a negociar, sendo que a reivindicação, o aumento de 100 escudos diários, não foi alcançada, mas antes 60 escudos, quantia “igual para todos os trabalhadores, especializados ou menos especializados”.
11 Março 2024, 09h58

No dia 13 de março de 1974 todos os caminhos da Marinha Grande foram dar ao Sport Império Marinhense, onde um plenário desencadeou uma greve que parou a indústria vidreira e uma revolução livrou os trabalhadores da prisão.

“Quando estávamos à espera de ser presos, nós, aqueles que se movimentaram, homens e mulheres, felizmente houve um movimento militar nas Caldas [da Rainha] e a PIDE foi mobilizada, e, entretanto, dá-se o 25 de Abril. Eles não tiveram tempo de atuar”, disse à agência Lusa Júlio Oliveira da Silva, de 91 anos, antigo operário vidreiro.

Júlio Silva recuou àquela data para recordar que a sala da coletividade “não podia levar mais gente” e ele, como outros operários, então “pessimamente pagos”, ficaram “à porta a espreitar” o desenrolar do plenário convocado pelo Sindicato Vidreiro, onde “cada um dava a sua opinião”, incluindo ele próprio.

“Nunca disse para irmos fazer greve, mas disse ‘isto só se resolve se a gente deixar de trabalhar’. Não era greve, não trabalhávamos”, frisou, notando que nesse “grande plenário não ficou definido nada que dissesse ‘amanhã fazemos greve’, mas as coisas estavam encaminhadas”.

No dia seguinte, bateram-lhe à janela de casa e pediram-lhe para ir para a fábrica, pois “o turno estava todo parado e as fábricas estão paradas”.

“Fizemos equipas para ir às outras empresas, as mulheres não quiseram ficar paradas, acompanharam-nos”, relatou Júlio Silva, destacando o “papel fundamental” das mulheres nesta paralisação.

Quando saía da Vicris para se dirigir a outras empresas, “já a PIDE [polícia política que naquele tempo se chamava Direção-Geral de Segurança] estava da parte de fora do portão”. Mas o grupo seguiu caminho.

“Durante as primeiras 24 horas, ninguém da indústria vidreira pegou ao trabalho, no segundo dia a mesma coisa”, declarou, convicto de que a greve “ia custar a vida e a prisão de alguns trabalhadores e trabalhadoras”.

A paralisação obrigou o patronato a negociar, sendo que a reivindicação, o aumento de 100 escudos diários, não foi alcançada, mas antes 60 escudos, quantia “igual para todos os trabalhadores, especializados ou menos especializados”.

Com a garantia do aumento, os milhares de operários vidreiros regressaram ao trabalho.

O aumento salarial “naquele tempo era uma coisa fora de série”, acrescentou Júlio Silva, considerando ter sido uma “vitória estrondosa”.

A antiga dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira Etelvina Rosa estava há menos de um mês na secção de exportação da Manuel Pereira Roldão quando a greve entrou na empresa.

“Chegou a informação, antes das 08:00, quando iniciavam os chamados trabalhadores do dia, de que os trabalhadores estavam organizados para não trabalhar até se conseguir demover os patrões da posição que tinham de não haver qualquer aumento e com essa informação de que se estava a pedir 100 escudos”, disse.

Nesse fevereiro de 1974, Etelvina Rosa tinha entrado com mais cerca de 20 raparigas para a secção e a greve apanhou-as de surpresa.

“Lembro-me de estarmos todas sentadas na secção, em vez de estarmos a trabalhar, e quando saímos, à hora de almoço, ficámos cheias de medo”, referiu, recordando que a Praça Stephens estava com polícia a cavalo. A PIDE estava acampada no matadouro municipal.

Assumindo que a situação assustava, comparando-a aos “filmes antigos do faroeste”, a antiga sindicalista declarou que o grupo de mulheres permaneceu firme, mas sempre com o receio “Ai se a PIDE entra aqui”.

“Havia períodos em que até estávamos de mãos dadas”, referiu Etelvina Rosa, de 68 anos, notando que, embora nos dias de hoje esta situação pareça “muito simples”, vivida “era mesmo tenebroso”.

Admitindo que esta paralisação é “pouco falada”, Etelvina Rosa explicou que, passado pouco mais de um mês, ocorreu a Revolução de 25 de Abril de 1974, que foi “uma explosão a todos os níveis na vida dos portugueses”.

“O que se falou foi do 25 de Abril e das conquistas que tínhamos de fazer” pós-revolução, justificou.

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