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3.694 dias de Carlos Costa no Banco de Portugal: três momentos decisivos no mandato do governador

Carlos Costa liderou o Banco de Portugal durante 3.694 dias e foi sempre ao domingo, por volta das 23h00, que a instituição aplicou medidas de resolução a dois bancos no espaço de 16 meses: o BES, em 2014, e o Banif, em 2015. Pelo meio, ao longo de dois mandatos, foram vendidas duas instituições financeiras em processos que não estiveram isentos de críticas e que geraram repercussões.
17 Julho 2020, 10h09

Pouco mais de uma década depois, Carlos Costa abandona esta sexta-feira a liderança do Banco de Portugal (BdP). Foram dois mandatos marcados por duas crises económicas, duas resoluções bancárias — sempre ao domingo, por volta das 23h00 —, uma das quais, deu origem a outro banco, posteriormente vendido e em que o Governador foi escrutinado pelo poder político como talvez nenhum outro antes.

Ao longo dos 3.694 dias em que foi liderou o BdP — de 7 de junho de 2010 a 17 de julho de 2020 — Carlos Costa foi ao Parlamento prestar contas mais de 50 vezes, incluindo presenças em 41 audições em diversas comissões permanentes e em nove audições em comissões parlamentares de inquérito.

Da crise das dívidas soberanas que levou à intervenção forçada da troika à presente crise da Covid-19, passando pelas resoluções do Banco Espírito Santo (BES), do Banif e pelo processo de venda do Novo Banco ao fundo norte-americano da Lone Star, e do Banif ao Santander, Carlos Costa assumiu-se como um dos principais protagonistas da última década da banca — e da economia — nacional.

Domingo, 3 de agosto de 2014

Provavelmente, o Governador que será sucedido por Mário Centeno a partir da próxima segunda-feira, pronunciou a frase mais marcante da história recente do sistema financeiro português, e que ainda muitas repercussões teve e continuam a ter.

Foi perto das 23h00 de domingo, 3 de agosto de 2014, que Carlos Costa anunciou uma medida inédita em Portugal: a resolução do BES. “O conselho de administração do Banco de Portugal deliberou hoje aplicar ao Banco Espírito Santo, S.A., uma medida de resolução”, disse o então Governador, ainda no seu primeiro mandato.

No mesmo acto, o BdP criou outro banco “devidamente capitalizado e expurgado de ativos problemáticos”, que permaneceram no BES e que passou a ser um ‘banco mau’.

Carlos Costa referia-se, pois, à criação do Novo Banco, capitalizado em 4.900 milhões de euros e inteiramente detido pelo Fundo de Resolução. Esta “solução” foi adotada para “preservar a estabilidade do sistema financeiro”, “proteger o interesse dos depositantes” e, porque se tratava de uma instituição financeira relevante para o tecido empresarial português, para “assegurar a continuação do financiamento da economia”, explicou o Governador.

E reforçou: “a solução adotada é também a que melhor salvaguarda o interesse dos contribuintes e do erário público e que garante a máxima responsabilização dos acionistas da instituição”.

Após a medida de resolução aplicada ao BES, impossível de agradar a gregos e a troianos, Carlos Costa foi alvo de críticas. A tónica principal residia no afastamento atrasado de Ricardo Salgado da presidência executiva do BES. Pressionado pelo supervisor, o gestor, conhecido como ‘o dono disto tudo’, renunciou à presidência executiva do banco em julho de 2014.

Seis anos volvidos após a resolução, a acusação do Ministério Público a Ricardo Salgado por crimes de associação criminosa e de corrupção, alega que o BdP proibiu, por três vezes, em fevereiro e março de 2014, a comercialização de dívida de entidades do ramo não financeiro do Grupo Espírito Santo junto de clientes de retalho, assim proibindo a venda de papel comercial doméstico aos clientes de retalho do BES.

A resolução do BES foi ainda alvo de impugnação judicial, que pretendia a reversão da medida imposta pelo supervisor. Em março do ano passado, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa considerou que a resolução do banco respeitou a lei e a Constituição, julgando improcedente a ação apresentada por um conjunto de acionistas e investidores do BES.

As críticas às ramificações da resolução do BES não se esgotaram por aqui. Em maio deste ano, numa comissão parlamentar, o então ministro das Finanças, Mário Centeno arrasou o BdP pela “capitalização selvagem” do Novo Banco, de 1.985 milhões, realizada em 2015.

Mário Centeno disse que o processo aumentou os encargos do Tesouro, que teve de pagar 1.500 milhões de euros a mais do que o necessário.

Na audição em frente aos deputados, o ministro considerou mesmo a resolução do BES como “a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa” e qualificou de “mal feita e incompetente” a seleção de ativos que foram transferidos para o Novo Banco. “É por isso, que em 2017 surge um mecanismo de capital”, vincou.

Aquando da resolução do BES, ficaram no balanço do banco resolvido um conjunto de ativos tóxicos, passando para o balanço do Novo Banco ativos produtivos, tais como obrigações séniores subordinadas. Mas, na recapitalização de 2015, o BdP voltou a transferir do Novo Banco para o BES um conjunto de obrigações séniores não subordinadas por este emitidas que, em caso de incumprimento, têm prioridade de reembolso. Foi por este motivo que não ficaram no balanço do BES aquando da resolução, diferentemente da dívida subordinada e das ações.

Os investidores institucionais que tinham comprado estas obrigações, como a BlackRock ou a Pimco, entre outros, sentiram-se lesados pela decisão do BdP porque a frágil situação patrimonial do BES pode dificultar o ressarcimento em caso incumprimento. Ao todo foram 20 as instituições financeiras que compraram obrigações de 1,4 mil milhões de euros e reclamam que o BdP deve agir para resolver a retransmissão ilegal das obrigações do Novo Banco para o BES, tendo para o efeito interposto um processo judicial contra o supervisor.

Sexta-feira, 31 de março de 2017

São duas instituições financeiras juridicamente distintas, mas a resolução do BES está ligada à criação do Novo Banco, porque sem o fim do primeiro, não haveria a criação do segundo.

Anunciada na sexta-feira, 31 de março de 2017, a venda de 75% do Novo Banco ao fundo norte-americano da Lone Star, já no segundo mandato de Carlos Costa, ainda hoje causa perplexidade junto do poder político por causa dos dinheiros públicos envolvidos.

À segunda tentativa, depois de um processo de venda frustrado por não conseguir justificar o valor do Novo Banco, o BdP selecionou o Lone Star — tendo o Fundo de Resolução assinado o acordo de venda —, o fundo que injetou mil milhões de euros no Novo Banco sem que tivesse que responder por perdas geradas pela venda de ativos tóxicos que pesavam — e pesam — no balanço do banco.

“As condições acordadas incluem ainda a existência de um mecanismo de capitalização contingente, nos termos do qual o Fundo de Resolução, enquanto acionista, se compromete a realizar injeções de capital no caso de se materializarem certas condições cumulativas, relacionadas com: i) o desempenho de um conjunto delimitado de ativos do Novo Banco e ii) com a evolução dos níveis de capitalização do banco”, esclareceu o supervisor, na altura, em comunicado.

“As eventuais injeções de capital a realizar nos termos deste mecanismo contingente beneficiam de uma almofada de capital resultante da injeção a realizar nos termos da operação e estão sujeitas a um limite máximo absoluto”, até 3,89 mil milhões de euros, prosseguia a nota.

Da esquerda à direita política surgem críticas ao modelo do acordo de venda da instituição financeira. Parte destas injeções de capital são financiadas através de empréstimos públicos, aprovadas no Orçamento do Estado, até um limite anual de 850 milhões de euros, que o Fundo de Resolução, financiado pelas contribuições sobre o setor bancário, terá de devolver até 2046.

Domingo, 20 de dezembro de 2015

Passados cerca de 16 meses da resolução do BES, o BdP volta a aplicar nova medida de resolução a um banco português.

Foi às 23h35 de domingo, 20 de dezembro de 2015, que o conselho de administração do supervisor da banca resolveu o Banif por considerar que este se encontrava “em risco ou em situação de insolvência” e decidiu avançar para a venda, total ou parcial, da sua atividade, vinte e quatro horas depois de dar início ao processo de resolução.

Tudo começou com uma notícia da TVI, publicada no domingo à noite de 13 de dezembro de 2015, que noticiava que o banco ia ser alvo de uma medida de resolução. Segundo a instituição financeira, a notícia levou a uma corrida aos depósitos, com os clientes do banco a levantarem cerca de mil milhões de euros na semana seguinte.

Apareceram dois candidatos à compra do Banif — o Banco Popular Español e o Banco Santander Totta —, sendo que só este último, na altura liderado por António Vieira Monteiro, apresentou uma proposta vinculativa de 150 milhões de euros pela maior parte dos ativos e dos passivos do banco resolvido.

A resolução e a venda do Banif obrigou à transferência de ativos ativos tóxicos para uma sociedade-veículo, denominada Oitante e envolveu 2.255 milhões de euros de dinheiro público, o que determinou um Orçamento retificativo.

Houve ainda que somar 746 milhões de euros em garantias e a perda de cerca de 800 milhões de euros que o Estado tinha emprestado, em 2012, e que não tinham sido devolvidos.

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