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3.800 milhões de razões para estar preocupado

Reduzir a actual taxa de 85% para Regiões com constrangimentos permanentes ao nível da competitividade significa obrigar a um esforço orçamental que se revelará incomportável, resultando, no final da linha, uma taxa de execução baixíssima.
13 Março 2020, 07h15

Hoje em dia ninguém tem dúvidas de que foi a entrada na CEE/UE, e correspondente acesso aos fundos comunitários, enquanto Região Autónoma pertencente ao Estado Português, bem como o advento da Autonomia Político-administrativa, a constituírem-se como os motores de uma revolução tranquila que modificou a Madeira, resgatando-a da pobreza e do atraso económico-social, para o estatuto de Região competitiva e moderna.

A Madeira, como o país em geral, tem sido uma empenhada beneficiária dos envelopes disponíveis desde a adesão, e até antes desta, sendo recorrentemente elogiada pelos seus índices de execução e grau de compromisso.  Apesar disso, esta parte de Portugal foi prejudicada em termos de montantes à sua disposição, não obstante os esforços do Governo Regional, e do país, reconheça-se, devido ao anterior método de aferição da riqueza interna (SEC 95) que não desprezava o impacto das transações internacionais das empresas do CINM- Zona Franca, o que favorecia uma quantificação do PIB superior à realidade.  Tal prejuízo foi particularmente sentido no Quadro Comunitário que  finda este ano, impedindo a Região beneficiar algumas centenas de milhões de euros. Sabemos que as Regiões estão divididas em três grupos, sinalizando o seu grau de desenvolvimento face à média comunitária. Regiões mais desenvolvidas, de transição e menos desenvolvidas. Assim, como nos anos relevantes ( 2007-2008-2009) para quantificação do quadro em curso (2014-2020) o PIB per capita da Madeira era de 103% da média europeia (fruto não só método iníquo atrás descrito mas também duma aferição deficiente da população madeirense, que o census de 2011 veio corrigir em alta) este arquipélago foi catalogado como uma Região rica. Na verdade deveria ser tratada como Região de transição,  com um nível de riqueza por habitante de cerca de 79% da média comunitária.

Do mesmo modo, no quadro anterior (2007-2013) éramos formalmente uma Região de transição,  apresentando um PIB per capita que significava 91% da média europeia segundo o SEC 95, quando na verdade este devia situar-se nos 71%, à luz do método actual.  Se tivermos em consideração que os níveis de ajudas por habitante triplicam entre um nível e o outro, e mesmo descontado o facto da Madeira ter beneficiado de compensações dadas às suas especificidades, não será leviano considerar que fomos impedidos de beneficiar de um montante similar àquele que efectivamente recebemos por motivos de que a Região é completamente alheia.

Acusa a oposição regional que o Governo tem culpa porque, durante muito tempo, utilizava esse valores que se revelaram empolados, para esgrimir no debate político-eleitoral a prova do seu sucesso programático. Bem, mas caso o executivo regional abdicasse de se, digamos, “gabar ” dos desempenhos de desenvolvimento que se revelaram enganosos, continuaríamos a receber o mesmo pois a Madeira, e mesmo o país, não tinham qualquer possibilidade de alterar o método de quantificação de riqueza. É como aquele jovem que recebe de oferta uns ténis da Adidas, gaba-se como qualquer teen na escola, mas estes estragam-se com facilidade revelando que afinal não passavam de imitação.  Será que eles se estragaram pela bazófia do petiz? E se este estivesse calado, os ténis passariam a ser de marca?

Ainda assim, alguém nega que o desenvolvimento realmente alcançado foi o bastante para revolucionar a forma como os madeirenses vivem? Que a Madeira de hoje é incomparavelmente mais justa e próspera que a de há 40 anos?

E que as altas taxas de execução dos envelopes comunitários, e a forma hábil como os mesmos foram aplicados, têm uma quota parte altíssima nessa “revolução tranquila”?

É nesse pressuposto que a negociação do orçamento plurianual 2021-2027 tem vindo a ser acompanhada com enorme preocupação na Madeira.

E tal não se resume à proposta de redução de fundos. Tão ou mais grave é a proposta de taxa de cofinanciamento baixar dos actuais 85% dos montantes elegíveis (obrigando a um esforço mínimo de 15 % de verbas nacionais/regionais) para os 70%. Ainda que a mais recente proposta majore essa taxa para 75% no caso das Regiões Ultraperiféricas, trata-se de um avanço insuficiente.

Reduzir a actual taxa de 85% para Regiões com constrangimentos permanentes ao nível da competitividade significa obrigar a um esforço orçamental que se revelará incomportável, resultando, no final da linha, uma taxa de execução baixíssima. Ou seja, a União Europeia até pode aportar um envelope volumoso de ajudas que, obrigando a um compromisso de 25 ou 30 % (um aumento até ao dobro do que até aqui) a Região não as conseguirá aplicar. Ou seja, é como se não o recebêssemos.

Do mesmo modo é fundamental que o início e final do novo quadro orçamental não venha minado à partida, devendo-se assegurar as actuais taxas de pré-financiamento e permitindo que o phasing out se mantenha numa execução até três anos após o término do programa (n+3)  ao invés da redução para um n+2, até porque estas Regiões demoram naturalmente mais tempo a passar do estágio de compromisso para o de execução.

É imperioso sublinhar que não há alternativa à manutenção da Política de Coesão como principal Instrumento de Investimento da União Europeia.

É impensável encontrar outras fontes de financiamento alternativas aos cerca de 3 mil e 800 milhões de euros que a Região beneficiou desde 1989.

Assim, muito do que será o futuro da Madeira joga-se nas negociações que decorrem, até agora sem sucesso.

Aliás, não há memória de a poucos meses do início do novo ciclo orçamental ainda se verificar um impasse como o presente. Cabe ao Governo da República a manutenção da irredutibilidade neste processo, com o devido acompanhamento das  autoridades regionais.

Se pensarmos no que já recebemos, há 3 mil e 800 milhões de razões para estarmos preocupados.

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