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600 anos de “redescobrimento” de incapacidade

A metodologia e as atividades da Comissão, salvo raríssimas exceções, têm primado pelo experimentalismo primário efémero, erros grotescos, amadorismo e carência de idoneidade. No final de 2018, a fatura já ultrapassava um milhão de euros.
24 Janeiro 2019, 07h15

O dramaturgo e romancista irlandês George Bernard Shaw escreveu que “a democracia muitas vezes significa o poder nas mãos de uma maioria incompetente”. Das várias áreas de atuação da governabilidade regional, acrescentarei um leve e curto raciocínio sobre a problemática da cultura, e sobre aquilo que considero ser o exercício de “600 anos de redescobrimento de incompetência”.

Recorde-se que o Governo Regional da Madeira, conforme Resolução n.º 243/2017, criou uma estrutura temporária designada por “Estrutura de Missão para as Comemorações dos 600 anos do descobrimento da Madeira e Porto Santo”. E começou logo mal, porque a ter em conta a História, seria Estrutura de Missão para as Comemorações dos 600 anos do descobrimento do Porto Santo e da Madeira, e não o contrário.

A Resolução refere, implicitamente, a necessidade de garantir o alcance “nacional e internacional, capaz de catapultar o nome da Região Autónoma da Madeira como fonte de cultura, história e saber”.

A referência à “fonte de cultura, história e saber” implica, necessariamente, rigor, cientificidade e credibilidade. Todavia, a Comissão Executiva da Estrutura de Missão para as Comemorações dos 600 anos (adiante referida de Comissão) não reúne, por exemplo, personalidades com formação científica em História. O resultado tem sido um desastroso amadorismo e considerável incompetência na gestão de uma efeméride que se celebra de cem em cem anos.

Para a presidência da Comissão Executiva, o governo regional escolheu o licenciado em Direito Guilherme Silva que, a julgar pelo perfil descrito na citada Resolução, personifica uma “individualidade de reconhecido mérito nacional e internacional, no âmbito histórico ou cultural”. De Guilherme Silva conhecemos a influência partidária e de lobby político. Da sua carreira histórico-cultural, não há memória.

A metodologia e as atividades da Comissão, salvo raríssimas exceções, têm primado pelo experimentalismo primário efémero, erros grotescos, amadorismo e carência de idoneidade. No final de 2018, a fatura já ultrapassava um milhão de euros.

A Comissão diz que preparou e chegou a apresentar publicamente um programa comemorativo, sem antes porém colher a opinião do Conselho Consultivo (órgão constituído por 21 membros, dez deles designados pelo presidente do Governo Regional, e os restantes designados pelo presidente de cada município e por esta Assembleia). Ignora-se o coletivo e a discussão plural, em detrimento de meia dúzia de seres pensantes.

Recentemente, a Comissão associou-se à celebração da chegada dos portugueses ao Porto Santo (1 de Novembro). Uma data que unanimemente carece de fundamentação histórica credível, em face das informações verosímeis fornecidas, por exemplo, pelo cronista madeirense Jerónimo Dias Leite. Legitima, assim, a Comissão que se afigurava competente no respeito pelo saber e rigor histórico, uma tradição inventada pelos rotários funchalenses, em 1964.

Resta-nos louvar a programação da RTP e da RDP Madeira que, ao abrigo do esforço da interdisciplinaridade, mostra mais habilitação e capacidades.

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