Um dos segredos mais bem guardados da América foi revelado. Ao fim de mais de quatro anos de sucessivas – mas infrutíferas – batalhas políticas e jurídicas, o “New York Times” (NYT) conseguiu finalmente aceder às declarações fiscais de Donald Trump. E já fez a primeira capa com os factos mais chocantes.

As finanças de Trump estão em profundo stresse: o empresário de sucesso, que transformava em dólares tudo aquilo em que tocava, afinal acumulou enormes prejuízos anos e anos a fio – reais ou fictícios – e, por isso, não pagou impostos durante 10 dos 15 anos que antecederam a sua chegada à presidência. Em 2016, ano em que jurou sobre a Bíblia cumprir e fazer cumprir a Constituição dos EUA, pagou 750 dólares de impostos.

É claro que ninguém esperava que as declarações fiscais do atual inquilino da Casa Branca fossem irrepreensíveis, mas o que o NYT já revelou – e não seguramente de forma precipitada ou ligeira – é pior que mau.

Em circunstâncias normais, seria algo com potencial para desencadear um dos maiores escândalos da política americana das últimas décadas. E uma derrota certa nas urnas, daqui a 35 dias. Algo que faria da famosa conversa telefónica de Trump com o presidente da Ucrânia – que deu origem ao processo de impeachement – um simples fait divers. E que relegaria as declarações feitas pelo próprio a Bob Woodward, em março, sobre a letalidade do coronavírus (e a sua intenção de o desvalorizar perante os americanos) para uma nota de rodapé desta presidência.

É também muita informação para o Partido Republicano digerir, ainda que o GOP tenha revelado nos últimos tempos que a sua capacidade digestiva está em grande forma. É o que revela, por exemplo, o facto de quase todos os seus senadores estarem dispostos a aprovar o nome da juíza nomeada por Trump para substituir Ruth B. Ginsburg, quando em 2016 recusaram nomear o juiz então proposto por Obama para o lugar de Antonin Scalia com o argumento de que faltavam (apenas) 10 meses para as presidenciais.

Mas as circunstâncias estão muito longe de ser normais. Nem mesmo na CNN, no próprio dia em que a notícia viu a luz do dia, os comentadores conseguiram dizer que o impacto negativo nas eleições será inevitável.

Por um lado, para os eleitores de Trump, o NYT é obviamente “fake news”. Mais facilmente acreditam numa bizarra teoria da conspiração do que no jornalismo de referência. Vivem numa bolha comunicativa construída por produtores de conteúdos alinhados e por campanhas orquestradas nas redes sociais, com o objetivo de alimentar o tribalismo reinante e a política do ressentimento contra as elites, as minorias, os imigrantes e todos os “outros”. Bolha tão cuidadosamente montada que não permite a quem lá vive ver que Trump nunca foi, nem nunca será um deles. Em bom rigor, despreza-os todos os dias como falhados.

Por outro lado, o Presidente vai fazer o spin destes factos de todas as maneiras possíveis. E, como é sabido, em matéria de spin não há limites para a imaginação nem para a desfaçatez.

É por tudo isto que Trump deve ser tomado muito seriamente, embora nunca literalmente.

Num momento em que democratas e republicanos se digladiam sobre quem representa a maior ameaça para a democracia americana – Rússia ou China, Putin ou Xi –, restam poucas dúvidas de que, afinal, essa ameaça está sentada na Sala Oval.