Escrevo este artigo a propósito da intolerância e o desrespeito de uma dada minoria por uma maioria de esquerda. Sou dos que acredito que a democracia não significa o governo pela maioria, mas sim o respeito e uma tolerância das minorias que pensam diferente.

É este respeito pelas minorias que caracteriza uma verdadeira democracia. Se pensarmos que alguns dos maiores ditadores da história foram eleitos democraticamente demonstramos isso mesmo.

A propósito desta característica, vários comentadores têm apoiado o ostracismo a que a terceira maior força política deste país, goste-se ou não dela, tem sido votada pela esquerda dominante.

Desde a decisão do PS de não auscultação pública daquela força política, quando ouviu todos os partidos e algumas forças vivas da nossa sociedade, culminando com o triste episódio anunciado da maioria parlamentar se preparar para votar desfavoravelmente todos os vice-presidentes da Mesa da Assembleia da República que o Chega propuser, no exercício de um seu direito constitucionalmente garantido, e assegurar, com base num regimento claramente inconstitucional, um quórum para a Mesa e assim pretender que funcione o mais importante órgão de soberania do País.

A este propósito, convém lembrar que este direito do respectivo grupo parlamentar tem base na lei fundamental do país, a Constituição da República Portuguesa. Não se trata de qualquer tradição parlamentar (e ainda que o fosse), nem de um mero regimento infralegal.

Reza o disposto no artigo 175º da CRP que regulamenta a organização interna da Assembleia que compete a esta “Eleger por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções o seu Presidente e os demais membros da Mesa, sendo os quatro Vice-Presidentes eleitos sob proposta dos quatro maiores grupos parlamentares” (cfr. alínea b) do cit. Artigo).

A tese destes fariseus intolerantes é a de que os deputados têm consciência individual e não toleram as ideias de um destes quatro grupos parlamentares, e assim votarão, num exercício de um direito que também lhes é constitucionalmente garantido, contra cada um e todos os 12 deputados da terceira força parlamentar.

Concedo neste direito de cada um dos deputados de votar em consciência, até porque a CRP lho confere, mas não tenho dúvidas em dizer que há um claro abuso desse direito quando todos os deputados aprioristicamente declaram que votarão contra todos os 12 deputados que, em teoria, o grupo parlamentar em apreço proporá. Isso é claramente inconstitucional!

O grupo parlamentar tem um direito constitucional de propor um vice-presidente e esse direito não pode ser postergado pela maioria, ainda que no exercício de um direito constitucional. Quer pelo exercício ilegítimo de um direito violador dos fins inerentes ao direito (abuso de um direito), quer pela resolução de um conflito de direitos que terá de ser dirimido pela supremacia de um sobre o outro e resolvido, em última instância, pelo Tribunal Constitucional.

O que não se pode é usar um instrumento infra legal, o tal regimento, para dizer que mal não vem ao mundo porque o quórum da mesa da Assembleia Geral está assegurado com mais de metade dos quatro vices eleitos. Por absurdo, ou talvez não, será a quarta força política a ver eleito o nome por si proposto…por se tratar de uma pessoa que pensa igual e não diferente… Esta norma, se for assim interpretada, é claramente não constitucional!

Qual a consequência dessa atitude abusiva de um direito constitucional? Não nos parece possível, atento o princípio da separação de poderes, que o Tribunal Constitucional possa substituir-se à vontade dos deputados, mas pode, e deve, declarar inconstitucional a referida norma regimental e assim impedir o normal funcionamento da Mesa e consequentemente dos trabalhos da Assembleia da República.

Ou se resolve o impasse e funciona a democracia, respeitando a minoria que pensa diferente, ou haverá consequências políticas mais tarde.

Pensem bem, pensem muito bem, se um dia houver uma força política que pensa diferente que assuma o poder inerente a uma maioria e se lembrar deste triste episódio e quiser adoptar a mesma conduta… Foi isto que pensou o PCP quando propôs a referida redacção do citado preceito constitucional. Infelizmente, e convenientemente, esqueceu-se…

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.