Ana Fontoura Gouveia saiu do gabinete do primeiro-ministro para assumir a pasta da Energia e do Clima no ministério do Ambiente, substituindo João Galamba na secretaria de Estado da Energia, que esteve quatro anos no cargo.
Doutorada em Economia, é professora na Universidade Nova, foi quadro do Banco de Portugal, Banco Central Europeu e ministério das Finanças.
A primeira mulher a ocupar o cargo tem à sua espera vários dossiês que estão pendentes, alguns há vários anos, herdados do seu antecessor. Ana Fontoura Gouveia tem uma certeza para já: a agenda para 2023 vai ser muito preenchida.
1 – Leilão offshore eólico
O Governo já anunciou que quer atingir 10 gigawatts de potência eólica marítima (offshore) até 2030. Esta é uma meta muito ambiciosa e o Governo precisa de acelerar para atingir os seus objetivos.
O executivo criou em 2022 um grupo de trabalho para as eólicas no mar que terá de apresentar as suas conclusões até 31 de maio, incluindo as áreas preferencias para instalar as centrais offshore.
Mas entre analisar as conclusões e lançar o concurso até ao final de 2023, como anunciado pelo executivo, o Governo poderá ter o espaço de apenas seis meses, o que pode ser díficil de concretizar.
A própria Wind Europe, a associação europeia que junta produtores e a fileira industrial da energia eólica, considera que os 10 gigawatts são fazíveis até ao final da década, mas que é preciso avançar já. Giles Dickson, presidente da associação, pediu ao Governo, em entrevista ao JE, para não aceitar preços negativos no leilão, o que irá dificultar a obtenção de financiamento para os projetos e aconselhou os CFD (contracts for difference) para remunerar os projetos.
2 – Concursos de lítio continuam na gaveta
O Governo tem feito muito pouco pelo lítio que é um dos minerais mais importantes para construir baterias para os carros elétricos, com a mobilidade elétrica a ser defendida pelo Governo de António Costa. O prometido concurso para a prospecção e pesquisa (nem estamos a falar ainda de exploração) continua sem data de lançamento. O mundo avança para os carros elétricos, Portugal tem uma das maiores reservas mundiais de lítio, a Galp tem um projeto milionário para instalar uma refinaria de lítio em Setúbal, e o Governo continua sem ter coragem política para avançar nesta frente, sendo um mineral crucial para a transição climática, uma palavra cara ao Governo.
O antigo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, que evitava polémicas a qualquer custo, foi empurrando este tema com a barriga e deixou-o na gaveta, por atrair muitas críticas por parte das populações locais.
João Galamba também fez pouco para o processo avançar, especialmente depois da polémica com a Lusorecursos em Montalegre. Estamos no início de 2023 e o concurso continua sem dar sinais de vida na rua do Século. Pode ser que a nova secretária de Estado tenha a vontade política para tirar o dossier do lítio da gaveta.
Estas são as áreas que vão a concurso de prospeção:
3 – Leilões solares: as centrais ainda têm de ver a luz do dia
João Galamba e Matos Fernandes repetiram até à exaustão que os leilões de energia solar de 2019 e 2020 foram um sucesso, mas os projetos ainda têm de sair do papel. É verdade que a pandemia atrasou o processo, mas os baixos preços atingidos nos leilões estão a dificultar a obtenção de financiamento para alguns projetos, em particular para promotores com menor capacidade financeira.
Foi para tentar ultrapassar esta questão que o Governo aprovou um decreto-lei em outubro que atualiza as tarifas obtidas no leilão ao valor da inflação. Mais, nos casos em que as centrais têm direito a tarifas, passam a usufruir de um período experimental de dois anos para vender a sua eletricidade a preços de mercado (que regista valores mais elevados do que os obtidos no leilão). Quem ficou de fora por não ter licitado tão agressivamente, criticou as mudanças feitas pelo Governo, como denunciaram vários promotores ao JE no final de novembro.
No balanço feito então pelo ministério do Ambiente, do leilão de 2019, “todos os projetos encontram-se licenciados à exceção de um que ainda está em processo de licenciamento”; do de 2020, “cinco dos projetos estão construídos e três já se encontram em exploração”; do de 2021 (leilão solar flutuante), “estão licenciados três projetos”. Os projetos de 2019 e os de 2020 já obtiveram a prorrogação dos prazos de licenciamento e construção em 20 meses, assim como os projetos exteriores ao leilão. A tutela disse então que desconhecia desistência de projetos e apontou que, se não saírem do papel, isto irá representar a “perda de um elevadíssimo volume de eletricidade renovável que implicará o decurso de três ou quatro anos para que possa ser substituída”.
4 – Quem vai pagar o gasoduto de hidrogénio verde com Espanha?
A resposta a esta pergunta vale 350 milhões de euros: uma pipa de massa. O JE questionou João Galamba em dezembro à margem de uma conferência em Lisboa, mas o então secretário de Estado rejeitou responder.
Persistem assim as dúvidas sobre o financiamento do projeto: os contribuintes vão pagar o projeto através de impostos e via Orçamento do Estado? Ou será pago pelos consumidores através das tarifas de gás natural (como habitualmente nestes grandes projetos, com a contribuição a ser determinada pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE)). Neste momento é uma incógnita e este será outro tema sob a mesa da nova secretária de Estado, se o projeto alguma vez vier a avançar.
O projeto deverá estar concluído no espaço de quatro anos, incluindo dois anos para obter as licenças, mas neste momento não se sabe quando arranca a sua construção.
Outra questão sobre o investimento elevado neste projeto focado no hidrogénio verde, é que em Portugal não existe neste momento produção de hidrogénio verde a nível industrial. Outro ponto, o gasoduto na fronteira portuguesa fica a 750 quilómetros de Barcelona, para onde o hidrogénio vai ser enviado para o resto da Europa. Mas como é que vai chegar à capital da Catalunha? Outra grande dúvida.
O Governo já disse que o projeto pode ser financiado por fundos europeus, a avaliação tem de ser feita em Bruxelas. Mas há aqui outra dúvida: qual a percentagem do investimento necessário que vai ser financiado pelos fundos europeus? Outra incógnita nesta altura.
A terceira interligação entre Portugal e Espanha está projetada a partir de Celorico da Beira, Guarda, seguindo depois para Vale de Frades, distrito de Bragança, entra em Espanha e depois liga-se à rede gasista espanhola em Zamora, em quase 250 quilómetros.
Em 2018, a REN – Redes Energéticas Nacionais previa que o projeto estivesse totalmente completo em 2028. E há outro obstáculo: o projeto inicial mereceu o chumbo ambiental pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), sendo agora necessário alterar o traçado original.
Já em relação ao gasoduto de hidrogénio verde entre Barcelona (Espanha) e Marselha (França), o custo pode atingir os 2.500 milhões de euros para uma ligação subterrânea pelo fundo do mar Mediterrâneo com 455 quilómetros. O objetivo é ter a infraestrutura pronta no ano 2030.
Tal como escreveu o JE em agosto, o custo a suportar por Portugal do terceiro gasoduto com Espanha disparou mais de 100% em apenas dois anos. Entre os ‘culpados’ para esta subida dos custos está a adaptação da infraestrutura para transportar hidrogénio verde.
5 – Leilão de hidrogénio verde
Mais um tema que continua a arrastar-se na Rua do Século. Chegou a estar marcado para 2021 e depois para 2022… mas nunca saiu do papel.
Agora, o Governo determinou que a Direção-Geral de Energia (DGEG) vai lançar o concurso este ano, com o anúncio a ser divulgado pela DGEG até 30 de junho de 2023, após ser submetida a aprovação da secretária de Estado da Energia até 30 de maio.
Os contratos vão ter a validade de 10 anos, com os produtores de biometano a licitar contratos de até 150 GWh/ano com o preço base de 62 euros/MWh. Já os produtores de hidrogénio verde vão licitar contratos de até 120 GWh/ano com o preço base de 127 euros/MWh. As regras já estão definidas, resta agora que o leilão saia do papel.
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