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A complexa história dos 1000 jeans

As empresas, por mais brilhantes que sejam os seus sócios ou gerentes, não conseguem ter sucesso se não conseguirem escoar a sua produção! É nesse sentido que não existe melhor política de apoio às empresas do que fortalecer o poder de compra dos consumidores.
30 Julho 2019, 07h15

A minha vida enquanto empresário fica mais fácil quando eu reforço para mim mesmo o papel importante que a sociedade me dá! No fim de contas sou o gerador de empregos, o promotor do combate à pobreza, o gerador de riqueza e tantas outras brilhantes e nobres façanhas que a sociedade me atribui, mas a verdade é que só em parte é que isso é verdade! A classe média de qualquer país, principalmente os mais desenvolvidos, são os verdadeiros geradores de riqueza e geradores de emprego!

Os meus amigos e leitores empresários que não me levem a mal! O nosso trabalho é importante. A nossa criatividade para fazer das adversidades, oportunidades é um trabalho muitas vezes invisível que ajuda milhares de famílias. Ninguém consegue colocar em causa o trabalho, as noites sem dormir, o esforço e a dedicação de milhares de empresários que todos os dias dão o seu melhor para levar as suas ideias, os seus projectos, as suas empresas e assim este país para a frente! O que afirmo aqui, sem qualquer dúvida, é que todo esse esforço, não tem resultados práticos se não existir uma classe média forte e com capacidade de poder de compra. A classe média é a principal responsável por uma substancial parte do consumo e ninguém consegue substituir esse papel.

As empresas, por mais brilhantes que sejam os seus sócios ou gerentes, não conseguem ter sucesso se não conseguirem escoar a sua produção! É nesse sentido que não existe melhor política de apoio às empresas do que fortalecer o poder de compra dos consumidores. Como afirmou Henry Ford em 1922 “é claro que não é o empregador que paga os salários. Ele só lida com o dinheiro. É o produto que paga os salários e é a gestão que organiza a produção para que o produto possa pagar os salários”. É nessa perspectiva que as empresas modernas têm que olhar, cada vez mais, para os factores de produção Capital e Trabalho como dois parceiros indissociáveis que participam ambos para o sucesso das organizações a que pertencem.

É neste sentido que o empobrecimento generalizado da classe média que tem acontecido em muitos dos países desenvolvidos, como no nosso país, está a contribuir fortemente para a destruição dos nossos sectores produtivos. A nossa classe média, de forma genérica, não está a viver, está a sobreviver! Isto leva-nos para um problema crucial da nossa estrutura económica, pois o papel do consumo assumido pela classe média não consegue ser substituído por mais ninguém. Chegamos à história complexa dos 1000 jeans. Se numa economia se produzem 1000 jeans e existem 500 consumidores é aceitável imaginar que toda a produção será escoada, porque é aceitável acreditar que cada consumidor precisará de duas jeans. Agora se 80% desses consumidores estão sem capacidade para comprar esses jeans, então dificilmente os outros 100 consumidores irão comprar todos os 1000 jeans produzidos, porque mesmo tendo o dinheiro para isso não vão precisar desses 10 jeans. Podem até comprar 3 ou 4 em vezes dos 2 que falamos no início e podem até comprar 3 ou 4 com melhor qualidade e com preço mais alto, mas existirá uma parte substancial da produção que não conseguirá ser escoada! Por isso, numa economia saudável, empresas rentáveis e estáveis fazem-se com consumidores com poder de compra! O sucesso de uns, depende do sucesso dos outros! É nessa visão que um desafio estruturante da nossa economia é fortalecer a classe média e reduzir desigualdades sociais para que seja ainda possível acreditar que a minha geração terá ainda hipótese de viver numa verdadeira sociedade próspera e que as próximas gerações terão condições para, por exemplo, começar as suas vidas independentes mais cedo do que nós começamos!

Nota: Este autor escreve segundo a antiga ortografia da Língua Portuguesa

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