Até os mais distraídos já perceberam que Vladimir Putin foi o mais “nabo” dos estrategas, desde que Pompeu “obrigou “ Júlio Cesar a atravessar o Rubicão. A União Europeia vivia um momento de impasse. Na verdade de retrocesso. Pela primeira vez um país abandonava o projeto de  Gasperi, Adeneuer e Schumann, existindo um enigma acerca do ponto cardeal para onde se poderia estender o mais singular e bonito projeto europeu. A Turquia afastara-se ao cumprir os critérios de adesão. A Sérvia é um potencial ninho de problemas, com uma população muito longe da consciência Europeia, como se tem percebido pelas manifestações pró-Russia, revelando-se simultaneamente como um Estado em muito falhado, de onde se destaca a corrupção e criminalidade organizada, colocando a Bulgária pré-adesão como uma espécie de mosteiro budista (sem língua), por paródia comparativa.

A NATO, não estava melhor. Na verdade, muito pior. Em crise de vocação, a Guerra Fria era uma memória tão longínqua que já se solidificara em gelo. O dispendioso papel de “polícia do mundo”, na sua versão 2.0, revelara-se progressivamente um falhanço. Ainda mais porque a fatura caía sempre para o lado americano, acabado de sair duma deriva nacional-isolacionista, com Trump, e do mais humilhante cenário de conflito desde a fuga de Saigão, com os aviões em descolagem a deixar cair afegãos desenganados, em pleno aeródromo militar de Cabul (Biden).

Com a invasão “oficial” da Ucrânia, já invadida de facto há uma década, e a confissão de que na sua Czarista visão turva “A Ucrânia não existe”, “o povo russo e ucraniano são um só”, Putin deu um novo significado à UE, obrigando-a a desburocratizar os processos de pré-adesão, ou candidatura a membro, e ressuscitou a NATO, empurrando a Finlândia e a Suécia para uma inimaginável aderência, ao mesmo tempo que lembrava à Turquia que é a segunda potência militar da Aliança Atlântica. Obrigado Vladimir Vladimirovitch!

Somos colocados perante um cenário de uma guerra encravada. Será difícil grandes avanços e grandes recuos, a não ser que os F-16 humilhem os Sukhoi Flankers, os Migs, e restantes carcaças soviéticas, ou que Medvedev‎ se engane e pressione no botão vermelho.

Chegaremos a um momento em que as armas se calarão. Provavelmente com um Armistício, a pretexto de uns quaisquer cereais, minérios, ou o que o pragmatismo das Nações se lembrar. Nunca existirá um Tratado de Paz. Pelo menos na nossa geração. Possivelmente na vindoura. Rússia e Ucrânia permanecerão em paz podre, ou guerra fria, durante anos, à semelhança da(s) Coreia(s). É que, apesar de nos 14 artigos do Tratado de Washington não existir uma proibição explicita que exija que um país esteja em paz, formal, como critério de adesão, parece absolutamente impossível que esta possa ocorrer sem que um Tratado de Paz entre Rússia e Ucrânia esteja firmado. A Adesão da Ucrânia está, portanto, nas mãos da Rússia. Ou melhor, nos dedos, que podem, ou não, firmar a paz. A Rússia nunca o fará. E, sem cinismos, o Ocidente agradecerá, pois será o pretexto para não trazer um barril de pólvora para dentro da aliança armada. A Albânia aderiu em 2009, ainda sobre as cinzas do conflito interno, mas qualquer tipo de comparação seria estapafúrdia.

Já quanto á UE o problema é mais delicado. Os critérios de pré-adesão foram atropelados. A extensa burocracia chutada para um canto. E esse pormenor da integridade territorial, paz, democracia, ascendência do poder civil sobre o poder militar (algo impossível em tempo de guerra) olimpiamente ignorados.

Até às armas se calarem, já sabemos, são tudo boas intenções. Depois disso, como desatar o nó, não frustrando as legítimas e instigadas aspirações do povo mártir ucraniano? Uma entrada direta, sem mais, no clube dos 27 é impossível. Ficamos, então, dependentes da criatividade Europeia. Vou dar uma ajuda. Este conflito ajudou a cimentar relações e afetividades antigas.

Tenho, para mim, que uma entrada da Ucrânia poderá fazer sentido no âmbito duma confederação, alicerçada nas históricas alianças entre Lituânia, Polónia e Ucrânia. Os dois primeiros foram um Estado confederado durante 500 anos. Primeiro em reino, depois na República das Duas Nações, por fim em Commonwealth. O Historial de Uniões entre Polónia e Ucrânia é ainda mais antigo, remontando ao século nono.
Desde a Ruténia, passando pelo Reino da Galícia-Volínia, misturando com a já falada União de Polónia e Lituânia, que incluía territórios ucranianos, e terminando, para não vos maçar muito, no Tratado de Varsóvia (não confundir com o “Pacto”, três décadas depois), já em período Soviético, onde os dois sacos de pancada favoritos do Império Russo assinavam uma aliança política (primeiro) e militar (depois).
Um acordo de confederação, onde dois dos Estados são membros plenos da UE, e um terceiros goza de privilégios alargados da pertença ao Espaço Económico, mercado interno, fundos estruturais, e mais o que a burocracia de Bruxelas rearranjar, parece-me uma solução airosa para um problema complexo.

A Europa sempre teve muitas velocidades.