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A culpa do Politicamente Correto

Se relativamente ao politicamente correto, termo já com carga negativa quando nasceu há 20 e poucos anos, agora completamente colonizado pelo patrulhamento das “opiniões não trendy” nas redes sociais, estamos de acordo, como desenvolverei a seguir, quanto à corrupção a posição de Bolsonaro é demasiado fácil.
14 Janeiro 2019, 07h15

O mundo parou para ver a tomada de posse de Jair Bolsonaro como 38º presidente do Brasil. Não há como negar que a eleição do antigo capitão do exército foi dos principais assuntos do ano agora findo. Bolsonaro ganhou, essencialmente, pelo seu discurso de oposição à corrupção e ao politicamente correto. Parecem duas bandeiras interessantes. Óbvias até. Se relativamente ao politicamente correto, termo já com carga negativa quando nasceu há 20 e poucos anos, agora completamente colonizado pelo patrulhamento das “opiniões não trendy” nas redes sociais, estamos de acordo, como desenvolverei a seguir, quanto à corrupção a posição de Bolsonaro é demasiado fácil. Se é verdade que em 3 décadas de vida pública não se conhecem casos que o manchem, e tal foi decisivo na sua vitória, também é percetível que em partidos tão insignificantes como os que tem, até aqui, militado é muito mais fácil ficar à margem do bolo da vigarice. Seria como esperar que do PAN surgisse um grande escândalo de corrupção, como falava, a título de exemplo, ainda ontem com um amigo. Este respondia-me divertido “diz-me rapidamente uma qualidade que identifiques no homem”, e a verdade é que não consegui. Olhando assim à distância não me veria a jantar com a figura. Posso estar enganado, mas aparenta um estilo de conversa que não condiz com as minhas. E eu sou conversador.

Talvez seja avisado começar a habitual análise “Como alguém como Bolsonaro chega ao poder?” com uma pergunta prévia: “Porque sentimos necessidade de questionar os porquês da chegada de alguém como Bolsonaro ao poder?”, seguida de “Porque não nos entretemos com semelhantes análises quando figuras como Maduro, Correa, Morales ou mesmo Lula chegaram ao poder nos respetivos países?”. Ou ainda, a mais óbvia, “Como é que Lula, depois de tudo, tinha tanto apoio eleitoral?”. São resposta mais fáceis do que aparentam. Basicamente, sentimos necessidade de teorizar sobre a ascensão e putativa eleição de políticos catalogados pelas extrema-direita por existir uma norma, nunca escrita, do politicamente correto, do socialmente aceite, de que tudo e qualquer coisa catalogada com a extrema direita simboliza o maior dos males. Mesmo que essa catalogação não seja correta, o que não arrisco afirmar no caso em apreço. É um velho truque da esquerda. Quando apanha um actor político com um discurso mais firme, e se está em perda, dispara com acusações de fascismo, nazismo, e afins, a torto e a direito. Relembrem o lendário debate entre Freitas do Amaral e Soares para as Presidenciais de ’86 e confiram se Soares não acena por duas ou três vezes com o regresso do fascismo , em caso de vitória de Freitas, não enjeitando sequer a insinuar que o seu opositor poderia ser de extrema-direita. Freitas. De extrema-direita. A esta distância parece um bocadinho ridículo, certo?

No Brasil, e face às tiradas de arquivo de seu Jair, que devem mais à boçalidade do que a qualquer pensamento ideológico, logo se etiquetou a figura como perigoso actor de extrema-direita. Ora… como vimos à pouco, nada pode ser tão mau como algo com esta etiqueta. Nem mesmo o partido que durante 14 anos governou o Brasil com um modelo que falhou redondamente. O aquecimento da economia por parte do Estado e o ulta-assistencialismo social produziram, nos primeiros anos, como sempre acontece, crescimentos surpreendentes do PIB, diminuição do desemprego e dos índices de pobreza. Até menos minoração da insegurança. Mas isso vale até ao ponto em que as contas públicas começam a “suar”, os juros a aumentar, a inflação a disparar, as empresas a fechar, e o ciclo de pobreza a regressar ao seu ponto inicial, ou pior. Com uma gigantesca economia paralela, o modelo do PT, há 20 anos, poderia ter surtido algum efeito, como escrevi há anos. Como um esforço público para trazer milhões de pessoas para o sistema que se revelasse reprodutivo. Mas a tentação do eleitoralismo, a subsidiodependência, e a corrupção viralizada, terão acabado com a baixíssima percentagem de sucesso do modelo. Para boa parte da classe média instruída e informada do Brasil, até mesmo o partido mais corrupto e incompetente da sua história era melhor que um desconhecido Bolsonaro. Quem explica isto? Talvez o milhão e seiscentos mil portugueses que votaram em 2011 num partido e num político que tinham acabado de destruir as finanças públicas do país, e que já se percebiam haver alimentado nas urnas uma rede opaca que incluía banqueiros, políticos, magistrados e construtores, possam dar uma ajudar. Porque essa, nem Freud conseguiria explicar. Ou seja, boa parte da classe média informada, que todos os estudos indicam ser a mola da sociedade, da economia, sucumbiu ao politicamente correto. À pressão de certa opinião pública e publicada. Esquecendo-se que desta vez, no Brasil, parecia existir um centro político com bons candidatos. Não apenas Ciro Gomes, como muitos apregoaram, quase que sentenciando um monopólio de virtudes no centro-esquerda e esquerda, mas igualmente Henrique Meirelles ou Geraldo Alckmin. Mas como muitos dos brasileiros são um pouco menos cinzentões que os seus irmãos europeus, resolveram responder ao acantonamento trendy no PT com uma deriva em massa em Bolsonaro. Escolheram mal, na minha opinião. Mas escolheram. Foi uma resposta do estilo “ai estes vão votar na desgraça do PT por serem contra esse tal de Bolsonaro? Então é nele mesmo que vamos votar”. Sim, caio na tentação de também eu justificar a eleição do 38º presidente do Brasil. E a culpa , ou “culpa”, foi do politicamente correto.

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