Escolho Elon Musk como ponto de partida para esta coluna, pois o senhor Starlink é a metáfora perfeita para o maior dos desafios que a humanidade tem para responder. A sobrevivência da democracia. Porque, mais importante que trabalhar para os 17 objetivos da Agenda 2030, é defender a democracia. E Musk representa, ainda que sem eventual dolo, a maior ameaça que sobre ela paira.

A agenda sustentável aborda importantes questões sociais, económicas e ambientais, mas em nenhuma delas a palavra democracia é referida. Ela promove a paz, a justiça e instituições eficazes, tem como base os progressos dos 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, estabelecidos entre 2000 e 2015. mas estes também nunca a referiram.

Esquecimento ou compromisso, a omissão é grave, porque garantir a sobrevivência da democracia em um mundo conectado globalmente (e permanentemente online) é a tarefa primordial de todas a agendas. Incluindo esta. A democracia é a sua matriz fundadora e atriz principal. Mas não está nomeada.

O seu desaparecimento da agenda mais importante cria a perigosa ilusão de que ela não é fundamental e — o que é mais grave — a deixa livre para ser utilizada por outros de forma leviana.

Ao contrário de músicos, jogadores de futebol ou mesmo dos novos “influenciadores”, mais ou menos globais – que falam muito, mas não têm palco para além da vontade de seus fans – o empresário de Marte chama para a sua narrativa os condimentos da política, até agora apenas disponíveis nos sistemas constitucionalmente elencados.

E foi sob a égide dessa constitucionalidade que a democracia – e as suas instituições – se mostraram fortes, resistindo a ataques sofridos, nomeadamente no Brasil e antes nos Estados Unidos. Mas onde a democracia não está amparada pela lei, isso não acontece. Em países como a Rússia, a China e, chegando no ponto, em ecossistemas contemporâneos e hiper conectados como este que a genialidade niilista de Musk compra e constrói.

Em mais de 8000 tweets desde o princípio de 2021 (mais de dez por dia) o magnata manipulou mercados não regulados de criptomoedas, fez subir e descer o preço de ações de empresas, das quais é dono, bancando ser deus e ditador e usando precisamente como argumento totalitário a própria democracia.

Ao contrário de Trump ou Bolsonaro, Elon Musk é hoje um político não eleito e, por isso, muito mais perigoso que aqueles que a democracia pode derrotar. Também é por isso que a agenda 2030 é insuficiente, porque se a democracia não for pautada, ela dificilmente vai sobreviver.