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À descoberta de um certo ‘je ne sais quoi’ português

A Chauffeur Privé é uma das maiores empresas de mobilidade e transporte urbano em França – uma espécie de Uber gaulesa que constitui também a mais recente aposta de uma empresa originária daquele país em Portugal.
23 Setembro 2018, 18h30

A Chauffeur Privé é uma das maiores empresas de mobilidade e transporte urbano em França – uma espécie de Uber gaulesa que constitui também a mais recente aposta de uma empresa originária daquele país em Portugal. É apenas um dos últimos exemplos de uma cada vez mais longa série de investimentos diretos franceses em Portugal – que demonstram bem até que ponto o país ibérico passou repentinamente a estar na short list das opções de internacionalização dos empresários gauleses.

Segundo dados da Câmara de Comércio e Indústria Luso-francesa (CCILF), “a França é atualmente um dos primeiros investidores estrangeiros em Portugal: de facto, existem cerca de 750 empresas de capital francês instaladas no país, que faturam um volume de negócios de 9,5 mil milhões de euros e empregam cerca de 60 mil pessoas, em sectores tão variados como a química, o equipamento automóvel, o setor elétrico e eletrónico, o agro-alimentar, os moldes, a marroquinaria a cortiça e o têxtil”, sem esquecer os vinhos – para onde, nos últimos anos, têm convergido uma série de interesses, nomeadamente no que diz respeito à região demarcada do Douro.

A Lauak; a aquisição da ANA, empresa responsável pela gestão dos aeroportos em Portugal, pelo grupo Vinci; a entrada da Altice no mercado português, através da aquisição da operação da antiga Portugal_Telecom; a Mecachrome, os 150 milhões de euros a aplicar pela Renault em Cacia, são apenas alguns dos exemplos – porventura, os mais sonantes – que se encontram em território nacional de investimentos franceses.

 

O segundo maior investidor

No ano passado, a França foi o segundo maior investidor em Portugal, com 773,1 milhões de euros de investimento líquido, o que traduz um crescimento de 140% face a 2016, o valor mais elevado registado nos últimos cinco anos, segundo os dados da AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal. Em valor bruto, o investimento direto de França em Portugal “ascendeu a perto de 6,7 mil milhões de euros no final de 2017, representando 5,6% do total captado por Portugal”.

“A França é, tradicionalmente, um dos maiores investidores estrangeiros em Portugal. Trata-se de investimentos que têm vindo a implantar-se desde há décadas e com a característica de incidirem mais na área industrial e produtiva do que nos serviços, embora também nesta área se verifique uma presença em Portugal de grande dimensão, com especial desenvolvimento nos últimos anos”, refere a AICEP.

Estima-se que estejam instaladas em Portugal cerca de 750 empresas com capitais franceses, das quais 600 são filiais de empresas francesas (36 dos 40 grupos franceses do índice bolsista CAC 40 estão presentes em Portugal),

 

Uma casa francesa em Portugal

Como não podia deixar de ser, os investidores gauleses seguem a ‘moda’ – ou, dito de outra forma, as oportunidades de investimento – que o mercado nacional oferece, não sendo por isso de admirar que, em 2017, um quinto dos bens imobiliários em Portugal tenham sido comprados por estrangeiros. A lista dos investidores – que muitos acham que é liderada pelos chineses – tem à frente franceses, que representam 29% do total de imóveis comprados por não residentes, de acordo com os dados do Gabinete de Estudos da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP).

O tipo de compra que os franceses fazem é, em média, um apartamento T2 ou T3 no Porto em Lisboa ou no Algarve. Para o sector, o que os franceses procuram – num país que até há alguns anos era profundamente francófilo, muito mais que anglófilo, herança que não se perdeu totalmente – é, de algum modo, o mesmo que os outros: um muito cómodo ambiente fiscal.

O país oferece aos interessados um estatuto de residente não habitual muito atrativo, o que faz com que cidadãos estrangeiros procurem casa vez mais o país e sejam dos principais compradores estrangeiros em Portugal: inexistência de imposto sobre a fortuna (e sobre a sucessão e herança de bens localizados fora de Portugal), isenção de impostos sobre os rendimentos obtidos fora do país, etc.

 

Investimento com alguma reciprocidade

Mas este investimento tem outra virtude: a aproximação entre os empresários dos dois países. É nesse quadro que a Câmara de Comércio realizou mais um encontro cujo tema principal era o investimento na África francófona: Argélia, Costa do Marfim, Marrocos e Senegal. As portas que se abrem por via da cooperação com os empresários franceses podem ser importantes. Nomeadamente, porque a proximidade com Marrocos e a Argélia – onde já há vários investimentos portugueses – foi sempre um fator de alavancagem (nos setores da energia e dos componentes automóveis, por exemplo). Mas também porque um dos principais destinos da internacionalização portuguesa, Angola, pode estar, para as empresas de determinada dimensão, com tráfego a mais.

A instalação de empresas portuguesas em território francês não tem acompanhado, de qualquer modo, o interesse inverso. Mas há neste momento várias empresas do setor da construção civil com importantes interesses instalados em França – para onde convergiram, principalmente nos tempos da intervenção da ‘Troika’, muitos trabalhadores que não encontravam emprego em Portugal. Segundo o Banco de Portugal, em 2017, os fluxos de investimento direto de Portugal em França, em termos líquidos, foram negativos em 35,2 milhões de euros, depois de terem sido positivos em 117,6 milhões de euros em 2016. Em termos acumulados, o investimento direto de Portugal em França totalizou perto de 1,2 mil milhões de euros no final de 2017.

E se no território gaulês continua a viver ‘um mar’ de portugueses, o certo é que, em Portugal, há cada vez mais franceses. Segundo as estatísticas, a presença de franceses em território nacional, num quadro liderado por brasileiros, ainda não é especialmente relevante – estão bem à frente origens como os PALOP ou algumas comunidades de leste europeu.

O problema é que as estatísticas divergem: a acreditar na União de Franceses no Estrangeiro, uma associação que dá apoio aos recém-chegados, o número de inscritos nos serviços consulares é bem mais parco que os cerca de 40 mil franceses a viver em Portugal contabilizados pela organização.

Seja como for, nada indica que o bom momento das relações a todos os níveis entre Portugal e a França venha a sentir qualquer retrocesso. No limite, pode ser que os portugueses regressem aos poucos à antiga tradição da francofilia.

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