[weglot_switcher]

A despesa “é virtual”. RNH traz receita ao país, avisam fiscalistas

Sobre os dados da Conta Geral do Estado, que atribuiu ao RNH o aumento da despesa fiscal em IRS, o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Carlos Lobo alerta: o RNH não custou 1.741 milhões, valeu provavelmente muito mais: 2.000 milhões. Também Anabela Silva da EY defende que sem o regime, muitos dos indivíduos em causa não teriam transferido a sua residência, e desse modo, não passariam a gerar receita fiscal – em IRS, consumo, investimento, criação de emprego qualificado e contribuições para a Segurança Social.
23 Maio 2025, 08h55

Numa altura em que os residentes não habituais asseguram uma poupança fiscal recorde, fiscalistas alertam ao JE, que a pergunta certa não é “quanto se perdeu”, mas quanto se ganhou com o regime RNH [residentes não habituais]. É o caso do antigo governante Carlos Lobo, que avança com uma estimativa: “no ano passado quantifiquei esse impacto positivo em 2.000 milhões de euros e ninguém contestou!”. Carlos Lobo salienta ainda que “a ausência da receita incremental falseia a perceção pública e distorce a racionalidade política”.

Para este fiscalista, ”mais irónico — ou trágico — é que o regime é vítima do seu próprio sucesso. Cresceu? Atraiu mais gente? Produziu impacto? Então extingue-se”, considerando que “é o paradoxo crónico dos benefícios fiscais em Portugal: se funcionam, acabam-se! Se não funcionam, eternizam-se!

Este padrão, frisa, revela uma “inversão completa” da racionalidade económico-fiscal. Explica aqui que “um benefício fiscal que não gera atração real nem transforma comportamentos devia ser extinto. Mas quando gera resultados, como no caso do RNH, torna-se politicamente insustentável pelo seu próprio êxito”. Uma referência ao fim do RNH no OE2024 com o argumento de já tinha sido cumprido do seu propósito principal. Estes incentivos fiscais acabaram por ser reorientados para um regime mais restrito no domínio da investigação científica e inovação.

Na altura, António Costa alegou também que a chegada de estrangeiros ao país que beneficiam deste regime tem influência na subida dos preços das casas e, portanto, no acesso à habitação – muito embora os especialistas considerem que o impacto é “residual”.

“O RNH foi, talvez, o regime mais bem-sucedido de política fiscal seletiva da última década em Portugal. A sua morte é política, não técnica. E o custo real — esse sim — será sentido nos próximos anos, quando percebermos que atrair talento, rendimento e capital não é um automatismo, mas uma competição global feroz”, remata Carlos Lobo.

Também Anabela Silva, partner da EY defende que o RNH é um caso em que o benefício fiscal poderá não se traduzir efetivamente em receita cessante uma vez que, frisa, “na ausência de benefício, não existiria a atividade que origina o benefício. Por outras palavras, caso não existisse o regime dos residentes não habituais, muitos dos indivíduos em causa não teriam transferido a sua residência para território português, e desse modo, não passariam a gerar receita fiscal nem a incorrer em despesas beneficiando a atividade económica em Portugal”.

”Mais do que considerar-se a receita cessante, seria importante medir-se a receita fiscal gerada pelos residentes não habituais (sobre o qual existe escassa informação disponível)”, alerta a fiscalista, numa alusão à ausência de estatísticas e informação da AT e da Segurança Social.
Na mesma linha, Carlos Lobo considera que “se não houvesse RNH, nenhum destes contribuintes estaria cá”, realçando que “a verdadeira métrica de avaliação deveria ser a receita adicional efetivamente obtida, direta e indiretamente — quer em IRS, quer via consumo, investimento, criação de emprego qualificado e contribuições para a Segurança Social”.

Este fiscalista considera, por isso, que a despesa fiscal associada ao RNH “é uma ficção contabilística com efeitos perversos sobre o debate público”, defendendo que “a CGE deveria ser mais do que um espelho estático de valores nominais. Deveria oferecer uma análise dinâmica e estratégica do impacto real dos instrumentos fiscais, distinguindo entre despesa fictícia e receita gerada por políticas fiscais inteligentes”.
“Esta chamada ‘despesa’ é virtual: representa receita que nunca existiria sem o regime”, frisa o antigo SEAF. “Em suma: o RNH não custou 1.741 milhões. O RNH valeu pelo menos isso — e provavelmente muito mais. Repito: 2.000 milhões de euros, no mínimo”, conclui Carlos Lobo.

RELACIONADO
Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.