Esta denominação terá nascido quando Francisco Simões (FS), já diretor da Escola da Ribeira Brava (ERB) nos anos 70, quando o mesmo foi importunado e interrogado pela PIDE por causa do livro “Fernão Capelo Gaivota” – a conhecida fábula em torno de uma gaivota que aprendia sobre a vida, e sobre o voo. Formou-se, por aqueles tempos, um “clã” de gaivotas, que não eram mais que os alunos e professores da ERB, pelo empenho e ação de FS orientado pelos princípios da aprendizagem e da liberdade numa escola que começou sem que tivesse sequer um edifício.
Quando ali chegou, e dada a situação, organizou um comício no antigo cinema da localidade, com a ajuda do padre da altura, que reuniu os locais para se apresentar o novo diretor da escola. O cinema encheu-se de gente, inclusive os novos professores – os que tinham sido possíveis escolher, na sua maioria jovens ainda estudantes. Não havendo edifício, FS apresentou duas alternativas: 1) os alunos iam para casa (estávamos em outubro) e seriam chamados quando já estivesse pronto o edifício – na altura só havia uma velha casa que acabou por se tornar na cozinha. No entanto, perder-se-iam muitos meses até que que se erguesse o almejado edifício com o risco de os alunos perderem o ano, sendo, assim, os mais prejudicados; 2) mesmo sem a escola física poderia dar-se as aulas nos campos onde a mesma ia ser construída, ou no mercado, ou na lota, ou no centro de saúde, ou na biblioteca, ou na casa do Visconde da Ribeira Brava. Bastaria arranjar uns bancos e um quadro preto e a escola seria toda a Vila, já no dia seguinte! Colocadas as duas propostas a votação, a segunda foi aprovada por unanimidade – ou seja, a “escola das gaivotas” surgia num exercício do mais democrático que se experienciou à época – nasceu da soberania e da vontade popular, em 1972.
Mas como é que se teve, entre 1972/74 “uma escola sem escola, na Madeira?”
Desta escola “sem paredes”, foram muitas as “gaivotas” que seguiram FS, conscientes de terem a liberdade de serem elas mesmas- esta é a lei da “grande gavota”, dizia FS: “SER LIVRE” e voar à velocidade do pensamento. Aqueles eram tempos de obscurantismo, muito analfabetismo e dificuldades no acesso à Saúde, na região madeirense. O índice de analfabetismo era tal, que só poderia ser equiparável a um país de 3º mundo. Havia miséria, havia fome ao ponto de haver alunos que desmaiavam com hipoglicemia. E por isto também nasceram projetos escolares inovadores para a altura e que ainda hoje, à luz do modelo de educação atual, foram visionários e progressistas. Desde logo, houve a consciência de se dever apoiar os alunos mais carenciados, com livros, com fardamento de ginástica, com acesso a médicos e com uma alimentação cuidada, assim como a sensibilização para cuidados de higiene e para se evitarem eventuais abusos que pudessem correr em casa – os pais, nesta escola, eram convocados para participar em reuniões para votarem em propostas de decisões para a escola ou mesmo para simples convívio com a comunidade escolar, ou seja desde logo enaltecendo a importância dos pais na escola numa ótica de aprendizagens partilhadas entre todos, professores, alunos, pais, e demais comunidade. Abarcaram todos numa cultura de partilha de saberes, e mesmo não havendo dinheiro para livros ou material didático, construíram entre todas coelheiras, galinheiros, carteiras e quadros negros., responsabilizando todos pela nova escola que se erguia, mesmo ainda “sem paredes”.
Porque era fundamental cuidar da alimentação dos estudantes, também criaram trutas num sistema de vasos comunicantes para que as trutas tivessem água oxigenada num tanque que se viu transformado em aquário. Produziram abacateiras (até fora de época através de enxertos), plantaram erva para pastoreio de animais, plantaram culturas de tomate, de cenouras de morangos e outras frutas – fundamental para suprir as carências vitamínicas dos alunos. Mas abandonar de repente, mesmo que parcialmente, os carboidratos e “ingerir de rompante e abundantemente de vitaminas colocou alguns problemas a alguns alunos que desenvolveram hipervitaminoses e alergias pelo que teve de intervir o médico da Vila, o Dr Azeredo Pais: faltam proteínas às crianças! E lá se “desviaram” mais ovos e a carne da produção da escola para a alimentação dos alunos. Também foi proposto um apiário na escola. Ou seja, construiu-se um grande projeto escolar e comunitário vanguardista. Um projeto que não se restringia às iniciativas agrícolas e pecuárias enunciadas, mas que também se estendia à cultura: falava-se de grandes poetas e de pintores e outros artistas de arte moderna, e eram distribuídos livros da biblioteca privada de FS.
E com este espírito e determinação, as “gaivotas” foram além do 2º ano de escolaridade; e com a criação de um lar (antiga pensão da Ribeira Brava), já depois do 25 de abril, muitos que vinham e zonas mais distantes, como a Calheta, já conseguiam completar o 9º ano. Outras “gaivotas” voaram ainda mais alto – filhos de camponeses com olhos postos no mar – e rumaram ao Funchal para prosseguir mais estudos. Passados 50 anos, muitas licenciadas, são ainda testemunhas de um projeto pedagógico que foi além dos manuais e dos espartilhos de uma educação tradicional passada a “papel químico” – onde, ao ar livre, se ensinava a matemática, as ciências, a História, a educação visual, os trabalhos manuais e os estudos sociais ( estes três últimos que nasceram nesta escola!), e a literatura, fazendo com que estes alunos participassem ativamente na sua própria aprendizagem e na construção da sua história de vida.
Uma “escola sem muros” que FS soube criar e ainda hoje habita na alma de muitos os que a testemunharam. Uma escola subversiva, sem dúvida, que ensinou sobretudo a APRENDER! E a PENSAR.
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