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“A execução forçada [da dívida da Promovalor] era má para toda a gente”, defendeu Nuno Gaioso Ribeiro

“A criação deste Fundo foi adequada para maximizar a recuperação deste crédito, ou, se preferirem, para minimizar as perdas registadas (ou a registar) pelo NB, independentemente de terem sido (ou virem a ser) imputadas ao Fundo de Resolução”, defendeu Nuno Gaioso Ribeiro na CPI.
27 Abril 2021, 13h47

Na sua intervenção inicial, Nuno Gaioso Ribeiro, na audição da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, defendeu o racional da operação de reestruturação de créditos do banco da Promovalor através de um Fundo. “A execução forçada [da dívida da Promovalor] era má para toda a gente”, disse acrescentando que para Luís Filipe Vieira “teria sido igual com a diferença que não teria posto dinheiro novo”.

“No caso em concreto, tratando-se de créditos que foram aplicados em ativos imobiliários e turísticos com retornos financeiros de longo prazo e grande iliquidez, uma solução de execução ou venda rápida dos ativos ou dos créditos (e, provavelmente, parcial) parecia  ser, objetivamente, desfavorável para o credor [Novo Banco]”, referiu o gestor do fundo.

O CEO da C2 Capital Partners explicou ainda que as decisões são tomadas por um comité de investimento do fundo, dominado pelo Novo Banco. Este comité tem um representante da Promovalor e de Luís Filipe Vieira, explicou ainda o fundador do FIAE (Fundo de Investimento Alternativo Especializado).

Nuno Gaioso Ribeiro veio à CPI “esclarecer devidamente a intervenção no processo de constituição e (também) na gestão de um Fundo de Investimento Alternativo Especializado (Fundo ou FIAE) que adquiriu créditos detidos pelo Novo Banco”. Começou por dizer que “em 2009 – já lá vão, portanto, 12 anos – fundei uma sociedade de capital de risco, na altura designada por Capital Criativo e que hoje se chama, justamente, C2 Capital Partners”.

Na C2 Capital Partners trabalham diretamente mais de 20 profissionais qualificados, tem hoje mais de 520 milhões de euros de capital angariado e sob gestão, pertencentes a cerca de 360 investidores corporativos, distribuídos por oito fundos que estão investidos em cerca de 26 empresas, na sua maioria PME portuguesas.

“É uma sociedade gestora privada (totalmente detida pelos 3 sócios executivos) e independente, de referência no setor, com uma quota de mercado importante (das 10 maiores), e que indiretamente – através da sua carteira de participações – representa um Volume de Negócios de 192 milhões de euros e um EBITDA de 23 milhões de euros. E tem, à data de hoje, mais de 150 milhões de euros de capital disponível para fazer novos investimentos em empresas portuguesas.

O Novo Banco é investidor no capital do fundo, com 96%. Há 3% do capital do fundo que é do devedor, Luís Filipe Vieira. “O devedor perdeu todo os ativos do fundo, houve um reforço de garantias, e houve liquidez injetada inclusive pelo devedor (Luís Filipe Vieira), que por causa dessa injeção tem 3% do capital do fundo.

Esta solução deu uma proteção maior à recuperação do crédito do Novo Banco, explicou.

“É na estrita qualidade de sócio fundador e presidente do conselho de administração da C2 Capital Partners que me apresento perante esta Comissão. E a sociedade que represento é uma sociedade regulada, idónea e cumpridora, que entre as suas atribuições, e a par de mais outros sete Fundos, gere, também, um Fundo que adquiriu créditos detidos pelo Novo Banco”, disse o ex-membro dos órgãos sociais da SAD do Benfica.

“Deve também ter-se presente que a aquisição de créditos do Novo Banco pelo Fundo em causa refere-se, tão-só, a uma parcela dos créditos do banco sobre o devedor, sendo que, com base em informação pública, outras parcelas desses créditos foram tratadas diversamente, através de reestruturação ou venda a outros Fundos e entidades”, explicou na sua intervenção inicial.

Com a constituição do Fundo, em novembro de 2017, foram adquiridos ao Novo Banco 133,9 milhões de euros de créditos e foram, ainda, reestruturados pelo NB (isto é, mantiveram-se no balanço do banco) financiamentos existentes de  85,8 milhões de euros, perfazendo a operação o montante total de 219,7 milhões de euros. “Esta é a dimensão financeira, rigorosa, verdadeira e factual, da operação de reestruturação em causa. E o Novo Banco ficou, exatamente, com 95,89% do capital total subscrito do fundo que é de 146,1 milhões de euros”.

Aos 133,9 milhões de euros do montante dos créditos adquiridos adicionam-se 12,2 milhões de novo capital (liquidez), perfazendo o capital total subscrito do FIAE de 146,1 milhões (exatamente: 146.126.829 euros), referiu.

Os fundos só compram créditos com ativos subjacentes, razão pela qual os Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis (VMOC) não transitaram para o fundo.

“A decisão do credor, objeto de acordo com o devedor, acabou por ser a implementação de um modelo já testado no mercado em situações idênticas: a constituição de um Fundo que adquiriu os créditos para, através destes, aceder à propriedade dos ativos, para os  explorar, desenvolver e alienar a prazo, desejavelmente em melhores condições de mercado. No caso concreto, esse modelo apresentava méritos objetivos e incontestáveis, absolutos e comparáveis”, defendeu.

A aquisição dos créditos ao Novo Banco é feita ao valor nominal do crédito e juros vencidos, explicou o gestor do fundo.

“Sem a vontade e a decisão do Novo Banco, o Fundo não existiria”, assegurou.

“A sociedade gestora que represento desconhece o histórico de financiamento entre o Novo Banco e o devedor”, disse. Nuno Gaioso Ribeiro explicou mais tarde que foi contactado por causa dos problemas dos créditos da Promovalor, que consistiam num desencontro entre os prazos do pagamento dos créditos e o prazo de libertação de cash flows.

“O poder decisório principal e determinante de uma negociação desta natureza reside, naturalmente, no credor e o poder decisório do devedor é secundário ou limitado. Neste âmbito, a sociedade gestora que represento é instrumental, apoia a definição e gestão do acordo estabelecido entre aqueles, sem poder de decisão substancial”, disse.

Na sua intervenção inicial, Nuno Gaioso Ribeiro salientou que a criação do fundo de private equity “evitou a venda coerciva, “descontrolada” e em conjuntura recessiva dos ativos, alguns dos quais com direitos de outros credores, por vezes até prioritários relativamente ao Novo Banco”.

Por outro lado “reforçou, materialmente, as garantias do Novo Banco face a esses ativos; assegurou liquidez adicional para proteger os ativos perante ações de outros credores, sendo parte dessa liquidez proveniente do próprio devedor; não contemplou qualquer perdão de dívida ou de juros ao devedor; garantiu o controlo quase exclusivo da propriedade dos ativos, desonerados perante terceiros; e atribuiu prioridade ao NB na distribuição de capital e liquidez originada no Fundo”.

Ao contrário de outras operações de tratamento de créditos que implicaram vendas de créditos ou de ativos a terceiros, neste caso a totalidade dos ativos adquiridos com os créditos ficou na esfera (indireta) do NB, que detêm 96% do capital do Fundo, contrariamente ao que sucedia antes, explicou.

A constituição do fundo, disse, envolveu a realização de um “due diligence” prévio aos principais ativos, em primeiro lugar. “Depois, uma negociação extensa para fixação das regras de integração de ativos, de composição do capital, de administração e de hierarquização das receitas geradas, espelhada num regulamento de gestão e num acordo de participação”.

“Envolveu, também, a supervisão de entidades regulatórias do setor bancário e financeiro, no caso da sociedade gestora a CMVM. E, naturalmente, foi assessorada por consultores externos, por sociedades de advogados e por auditores independentes”, adiantou.

“É pena que nesta data não sejam conhecidos os resultados da auditoria especial aos créditos solicitada pelo Fundo de Resolução ao NB (auditoria BDO), pois estou em crer que, no que a este Fundo diz respeito, e à semelhança do que resultou dos trabalhos anteriores (auditoria Deloitte), as conclusões evidenciarão uma atuação procedimental correta e objetiva na defesa dos interesses do NB”, disse Nuno Gaioso Ribeiro.

Quanto a ter sido esta sociedade gestora, em concreto, a selecionada para gerir o Fundo, o gestor do fundo explicou que o Novo Banco tinha conhecimento da sociedade gestora por já ser investidor noutros dois fundos sob gestão da sociedade.

“A sociedade gestora ter uma relação comercial histórica com o Novo Banco. Só para dar uma ideia, à data de hoje a sociedade e os Fundos sob sua gestão têm liquidez aplicada junto do NB em montante superior a 122 milhões de euros”, explicou.

A escolha pode também ter sido o facto de “as competências da sociedade gestora serem conhecidas, e em especial o seu trabalho no setor do turismo, hotelaria e hospitalidade, onde a sociedade investiu 35% da sua carteira e detém participações em 11 empresas, gerando um Volume de Negócios de 66 milhões e uma EBITDA de 8 milhões de euros”, disse também.

Por fim aponta o facto de a sociedade gestora ter identificado a concreta oportunidade de reestruturação financeira  (dos créditos da Promovalor), e na negociação “ter concordado em participar no esforço de liquidez e no risco de desenvolvimento do Fundo, investindo capital e tomando risco adicional ao aceitar ser remunerada predominantemente, pelos resultados que o Fundo obtivesse na recuperação do capital do NB, ou seja, numa base variável”.

Para além de “a sociedade gestora ter uma quota de mercado relevante e ser, de entre as 10 maiores, uma das que tinha presença importante nos setores em causa sem ter as equipas de gestão absorvidas por Fundos desta natureza”, explicou.

Ativos que o fundo gere

Sobre os ativos integrados no Fundo, à data da constituição (novembro de 2017), estes podem dividir-se em três conjuntos principais: Um primeiro conjunto, constituído por terrenos, localizados em Portugal e um em Espanha, que representam 53% dos ativos totais. Aqui, no Finca d’Arcos em Espanha, Nuno Gaioso Ribeiro confessou que incorporava hoje uma desvalorização de 90%, de 15 milhões (segundo avaliação em 2018) para 2,5 milhões em 2020, por causa do projecto turístico que incluía um campo de golfe que já não vai avançar e deixou o terreno sem utilidade.

“Neste conjunto, destaco 3 terrenos: um (Parque do Oriente) com 382.538 m2 de área bruta e 102.920 m2 de área de construção acima do solo (822 fogos), localizado na frente ribeirinha do concelho de Loures; outro (Quinta do Cochão) com 113.585 m2 de área bruta e 74.781 m2 de área de construção acima do solo (483 fogos), localizado em zona urbana consolidada de Alverca, concelho de Vila Franca de Xira; e, ainda, outro (Pinheirinho) com 98.100 m2 de área bruta e 58.898 m2 de construção acima do solo (473 fogos), localizado perto do mar, em Santa Luzia, no concelho de Tavira”. Só estes três terrenos “valem bem mais de metade do valor total deste conjunto. Ou seja: trata-se de ativos com valor patrimonial e potencial, que precisam de tempo e dinheiro, isto é, de detenção de longo prazo e investimentos pesados (em conjunto: 1.778 fogos), para depois libertarem meios financeiros significativos”, referiu.

Depois há um segundo conjunto, constituído pelos ativos localizados em Moçambique, que representam 21% dos ativos totais; “destaca-se um edifício de escritórios, o melhor edifício de escritórios, em Maputo (Edifício Platinum), com 11.228 m2 de área bruta locável construída, com 17 pisos e 148 lugares de estacionamento, já no mercado para arrendamento. Ou seja: trata-se de um ativo com valor inquestionável, num mercado emergente e altamente volátil (hoje ainda mais) que também precisa de tempo (mas não de capital) para gerar mais rendas e, depois, ser colocado no mercado com base nesse rendimento, uma vez atingida uma taxa de ocupação satisfatória”.

Um terceiro conjunto, “é constituído pelos ativos localizados no Brasil, que representam 26% dos ativos totais; destaca-se um hotel de 5 estrelas em Recife, com 8 pisos, 298 quartos e que até à pandemia era operado pela marca Sheraton/Starwood (Sheraton Reserva do Paiva), com 28.778 m2 de área bruta construída e com resultados de exploração deficitários desde a sua inauguração, entretanto encerrado por causa da pandemia (2020). Ou seja: trata-se de um ativo com valor patrimonial num país emergente, numa zona económica ainda mais emergente (Porto de Suape), uma unidade hoteleira que necessita de reorientação estratégica e de alterações de gestão (em curso) e, portanto, de tempo (e pouco capital) para poder começar a produzir resultados de exploração”.

Resumindo, o fundo tem 11 ativos em Portugal (Parque do Oriente, Quinta do Cochão, Quinta dos Fidalgos, Pinheirinho, Páteos da Luz, Sesemarias, Brancanes, lotes Azur Villa, lojas Cabanas, Monte Caído, Monte Gordo Residences), um ativo em Espanha (Finca d’Arcos), dois ativos em Moçambique (Platinum e Mártires da Machava) e, presentemente, um ativo principal no Brasil (hotel Reserva do Paiva).

Em Portugal, em 2020, a desvalorização, face ao valor de referência de aquisição em 2017, é de 33% de 92 milhões de euros para 62 milhões. O aumento dos custos de construção, segundo o gestor, explica parte da desvalorização dos imóveis em contraciclo com a subida do mercado imobiliário.

Nuno Gaioso Ribeiro detalhou que “aos créditos em causa correspondiam ativos reais, ativos que existem e que têm potencial”. Diz ainda “que face às características dos ativos, para maximizar a extração de valor económico era e é preciso tempo e capital”, para além que “uma solução rápida (de venda forçada dos ativos ou dos créditos) no contexto pós-crise (2015/2017) seria uma solução adversa aos interesses do credor (Novo Banco)”.

Por fim disse que “o modelo económico e jurídico do Fundo é o mais ajustado às caraterísticas destes ativos, tendo em vista a maximização da recuperação do capital do NB”.

“Sendo certo que os ativos estão hoje preparados, livres e protegidos de terceiros, sendo certo que a sociedade gestora tem vindo a apresentar aos participantes do Fundo propostas de compra para alguns ativos, propostas de parceria e de gestão para outro ativo, pedidos de financiamento para desenvolvimento de outros ativos e, até, intenções de compra de todo o Fundo, na verdade há importantes decisões de curto prazo a tomar, que podem estar condicionadas por restrições decorrentes da relação do participante maioritário com o Fundo de Resolução”, explicou.

Face às alternativas, ou seja, face à posição do banco perante o devedor (Promovalor) à data da reestruturação, ou seja, o valor dos ativos subjacentes, a liquidez e procura do mercado e o grau de cobertura das garantias prestadas e face às alternativas de atuação de que o Novo Banco dispunha, como sejam a execução judicial do crédito, a venda a terceiros do crédito ou dos ativos, o Fundo foi uma boa solução para o Novo Banco, defendeu. Pois deu ao Novo Banco a propriedade plena dos ativos e um reforço de liquidez. Ou seja, um reforço de garantias e liquidez; e permitiu uma estabilização dos ativos e uma eliminação contingências principais – financeiras, tributárias, contenciosas, laborais, etc. –, com poupanças já quantificáveis. “O NB ao decidir pela constituição do Fundo, tem hoje uma posição patrimonial, económica e jurídica mais sólida do que dispunha antes”, frisou.

“A criação deste Fundo foi adequada para maximizar a recuperação deste crédito, ou, se preferirem, para minimizar as perdas registadas (ou a registar) pelo NB, independentemente de terem sido (ou virem a ser) imputadas ao
Fundo de Resolução”, acrescentou o gestor.

Notícia atualizada às 21h18

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