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A História do cerco da Madeira

Assistimos a uma espécie de cerco da Madeira, em que o Governo da República tudo fará para nos privar às nossas aspirações legítimas, e ao funcionamento articulado entre administrações nacionais e regionais, por forma a que o povo soçobre a uma autonomia controlada, a que parecem dispostos os inquilinos dos paços do concelho do Funchal.
15 Março 2018, 07h15

Esta semana falava com um mecânico de Lisboa, que me tem ajudado a comprar peças que, se compradas na Madeira, custariam 3 a 4 vezes mais o preço que se consegue em marca branca no Continente. Resultado, estou há mais de um mês sem o meu carro, logo na pior vaga de mau tempo e pluviosidade desde a aluvião de 20 de fevereiro. Tudo para, em vez de despender 670€, pagar pouco menos de 200€.

O meu amigo mecânico é certamente um patriota e conhece os limites das fronteiras externas nacionais, mas não deixou de escorregar no habitual lapsus linguae “ aqui em Portugal conseguem-se peças muito mais baratas”. Não só temos constrangimentos permanentes, que se consubstanciam em coisas tão simples como peças para automóveis, como somos constantemente confrontados com os deslizes involuntários, e naturalmente inocentes, dos nossos compatriotas peninsulares (como sabiamente são apelidados os cidadãos continentais pelos nosso vizinhos Canários). Agora, estamos também sujeitos a ataques cirúrgicos de quem governa o país, com dedicada colaboração de agentes regionais, como demonstrarei mais à frente.

Os Madeirenses são os maiores patriotas que conheço. Encerram em si um genuíno sentimento de pertença ao todo nacional, e são os primeiros a desvalorizar um certo esquecimento, quiçá inevitável, a que a Madeira é votada pela parcela mais central do território nacional. A verdade é essa. O Continente nunca, ou quase nunca, se lembra verdadeiramente da Madeira. Todos os anos os telejornais evocam Entre-Os-Rios, mas a aluvião de 20 de fevereiro de 2010 só é assinalada na Madeira. São tragédias com número de mortos similar, com o acréscimo dos 250 feridos e 600 desalojados a pender para o fenómeno natural insular.

Mas o diferente tratamento no espaço público quase que sugere que não se passaram no mesmo país. O ano de 2017 foi igualmente fértil em tragédias no nosso país. Mas até Marcelo, no seu discurso de ano novo, teve dificuldade em se lembrar da queda da árvore no Monte, que vitimou 13 pessoas e feriu mais de 5 dezenas, quando elencava os infortúnios do ano passado. A descontinuidade territorial é um acidente geográfico irresolúvel. Não se inventa nada. Um território que não está ligado por terra a outro pedaço de terra tem diferenças inquebrantáveis e interesses muitas vezes conflituantes. Daí que a defesa da tão sofrida conquista autonómica das Regiões Insulares Portuguesas seja tão perene.

Não se trata de permanente agressão política e discursiva. Ou de choradinhos saloios. Mas o tempo, a experiência e o inconjurável ensinamento de décadas, diria séculos, de vivência comum no projeto nacional nos ensina que para um político da Madeira que a representa, a defesa dos interesses desta vêm sempre em primeiro lugar. E defendendo os interesses da Madeira estamos, no fim da linha, a defender os interesses de Portugal. Ainda que o país nem sempre o compreenda.

Dai ser tão estranho, e porventura inédito nos 42 anos que leva a Autonomia, o projeto político que se apresenta como alternativa às Regionais de 2019. Pelo simples facto de tratar-se de uma ideia, de uma conceção, que começou em Lisboa, no seio do Governo de António Costa e em parte dos seus aliados de coligação, e que já impôs um novo líder ao PS regional, cuja função parece ter-se esgotado no momento em que foi eleito. Cabendo agora abrir as portas ao escolhido por Costa para resgatar a “única parcela do território nacional que não está sob domínio do PS”, repetindo as palavras, de forma mais ou menos rigorosa o que o primeiro-ministro em má hora, e afrontando os limites mínimos da sua responsabilidade institucional enquanto chefe de governo, disse no debate parlamentar do passado dia 14 de fevereiro.

É inviável a manutenção da normalidade autonómica num âmbito de um projeto político que vem de fora para dentro da Região. Não é levantar a bandeira do radicalismo ou separatismo, ou táticas antigas de dividir para reinar. Quem está disposto a subalternizar a sua terra para ascender ao poder não está a defende-la. Os meus amigos do Continente, principalmente os que nunca cá viveram, nunca perceberão isto. Pensarão sempre que se trata de regionalismo bacoco e parolo. Hierarquicamente um pouco abaixo de um certo provincianismo que imputam ao Porto. Mas é mesmo assim.

Assistimos a uma espécie de cerco da Madeira, em que o Governo da República tudo fará para nos privar às nossas aspirações legítimas, e ao funcionamento articulado entre administrações nacionais e regionais, por forma a que o povo soçobre a uma autonomia controlada, a que parecem dispostos os inquilinos dos paços do concelho do Funchal. Até às regionais do próximo ano, podemos contar com a asfixia do Governo antipatriótico de Costa no campo da saúde ( não financiando o Hospital e não pagando as comparticipações do ADSE), Transportes/continuidade territorial (não assumindo as suas responsabilidades nas linhas marítima e aérea, e na revisão do subsídio de mobilidade), financeiras (continuando a cobrar à Madeira juros muito acima daqueles com que a República se está a financiar, colocando-se numa intolerável posição de agiota de uma das suas parcelas), entre outros assuntos. E é grave que na Madeira, há quem se disponha por poucas migalhas a pactuar com isto.

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