O capitalismo e a redefinição do seu propósito

O mundo está a mudar e o ecossistema empresarial também. Se outrora os manuais de gestão ensinavam um modelo economicista assente num capitalismo exacerbado, em que as empresas apenas visavam o lucro como um fim em si mesmo, e que por sua vez satisfaziam única e exclusivamente os seus shareholders, hoje em dia já não é bem assim. Todo este ecossistema e cadeia de valor está a mudar.

Assisti recentemente a um excelente Webinar promovido pelo GRACE – Empresas Responsáveis, no qual a sua presidente explicou muito bem esta mudança de mindset ao mais alto nível no palco mundial. Já está a acontecer. No mundo da alta finança, dos grandes fundos de investimento, como é exemplo a Black Rock, que gere triliões de dólares, a sua cultura já vai totalmente ao encontro do framework ESG (Environmental, Social, Governance), que se traduz numa maior Sustentabilidade para a Empresa dos dias de hoje.

Passo a explicar. Se até aqui o mais importante era valorizar o lucro e respetiva distribuição de dividendos apenas pelos accionistas (shareholders), agora o foco visa todos os stakeholders da própria empresa. Ou seja, não só pela diversidade e inclusão de colaboradores, como de toda a cadeia de valor associada, fornecedores, parceiros, e até mesmo o nosso planeta já ganha aqui um estatuto muito importante enquanto stakeholder. É preciso mudar as mentalidades, e isso já está a acontecer no seio de grandes empresas espalhadas pelo mundo.

Nas grandes operações financeiras de fusão e aquisição, de compra ou venda de empresas, o ESG já assume um papel decisivo enquanto ativo mais valioso aquando da tomada de decisão por parte destes líderes. Existem estudos de grandes consultoras como a McKinsey e a BCG que sustentam esta mudança de mindset e que comprovam que quanto maior for a % do ESG numa empresa, mais valiosa esta se torna. Está a acontecer. E ainda bem. Ainda bem para o planeta, ainda bem para nós sociedade, ainda bem para toda a aceitação da diferença, nomeadamente das pessoas com deficiência.

Existe também uma cultura top-down por parte destes grandes fundos de investimento, de grandes empresas, que implementam regras e uma cultura assente nestes indicadores em todo o seu universo. Já não basta a informação financeira, aliás já é necessário e quase imperativo avaliar os indicadores com respetiva % de ESG para tomar uma decisão consciente aquando de uma transação entre empresas. Exemplo disso é a Vodafone que quando tem de escolher entre dois fornecedores que estão empatados em termos de valores, vai escolher sempre aquele com maior percentagem de ESG nos seus indicadores de gestão.

Falou-se também neste Webinar na questão do regulatório e do Compliance, o que pode vir a representar a curto prazo uma obrigatoriedade para as empresas respeitarem esta cultura e terem de vir a reportar estes indicadores como pilares da sua sustentabilidade e sobrevivência. Já não basta reportar qual a % de ESG no seu volume de negócios, mas também no Capex e Opex. Já não há volta a dar. Quem quer investir a longo prazo, e pretender que a sua empresa sobreviva por longos anos, esteja ciente de que terá de se reger por estes padrões de sustentabilidade social, ambiental e de governança.

Haverá aqui uma mudança de paradigma para bem da sociedade e do mundo, esperamos. Prova disto é a recente noticia do bilionário Yvon Chouinard que anunciou a distribuição dos lucros da marca Patagónia para salvar o planeta na luta contra as alterações climáticas. Por fim, reforçar apenas que esta não é de todo uma mensagem ambientalista radical e desenfreada, é sim um ajustar e um equilíbrio entre a economia de mercado mais consciente e a nossa realidade enquanto seres humanos e habitantes do mesmo planeta.