Greg Williams é editor chefe da Wired UK e aposta na tecnologia como um modo de vida, não apenas como uma inovação. Em entrevista ao Jornal Económico, no âmbito do evento ‘Building the Future’ da Microsoft Portugal, Greg Williams abordou a forma como a tecnologia pode afetar os conteúdos a que temos acesso.
Ser editor chefe de uma revista tecnológica nos tempos atuais não deve ser fácil.
É divertido. Penso que no início, a Wired esteve à margem, porque quem já gostava de tecnologia achava importante, mas nos 10 anos em que estou na revista, o mundo ficou mais wired (ligado). Se olharmos para a política, cultura ou desporto, todas as áreas têm impacto e são impactadas pela tecnologia.
As notícias relativas à Huawei explorar a rede 5G em Londres, especialmente a empresa fazer parte da nossa infraestrutura, é um assunto político mas também está relacionado com tecnologia. Atualmente a tecnologia está presente em tudo o que fazemos.
Uma ótima parte é que a Wired pode contar as histórias, porque pode ser uma história política, económica ou ambiental, mas a tecnologia está a ser utilizada como elo de ligação para conseguirmos explorar essas áreas.
Perante a crise dos média, o que se pode entender dos modelos futuros de construção de conteúdos e dos conteúdos em si?
Pertencer aos média é difícil mas conseguimos diversificar a nossa marca e temos a edição imprensa, estamos online, várias edições digitais, eventos, negócios de consultadoria, temos um serviço de recrutamos e temos planos para expandir para mais mercados que ainda não posso revelar.
É excitante, porque apesar de ser um mercado complicado, estamos a crescer e estamos a contratar pessoas devido aos avanços tecnológicos. As pessoas estão nos aparelhos eletrónicos, e por isso é preciso ter um bom serviço para esses aparelhos. Os podcasts estão a ser bem recebidos, também é necessário ter conteúdos em vídeo, produzir conteúdos em direto a partir de eventos e entrevistar pessoas que interessam ao leitor. Na verdade, é sobre encontrar formas de nos relacionarmos com os leitores. A edição impressa e o online são cruciais mas também existem outras oportunidades.
Percebo que atualmente os média estejam a passar uma fase mais complicada, mas se estivermos a produzir bons conteúdos que as pessoas queiram ler/ver/ouvir nas plataformas onde as pessoas estão torna-se mais fácil.
Não tenho a perceção de como estão os média em Portugal, mas no Reino Unido e EUA as publicações como ‘The New Yorker’, ‘Financial Times’ e ‘The Economist’, estão a fazer um bom trabalho em relação a um jornalismo de qualidade e estão a crescer. Penso que com a quantidade de mau jornalismo que anda por aí, como o conteúdo que serve apenas para os cliques, e que se conseguirmos fazer um trabalho com qualidade os nossos leitores vão querer ler.
Qual o papel do storytelling como forma de chegar ao grande público?
Esta é uma questão interessante porque há uns anos, algumas empresas de publicidade começaram a vender-se como ‘storytellers’, e penso que os jornalistas têm um papel muito importante porque são objetivos e têm um certo tipo de poder que deve ser tido em conta.
Os jornalistas estão a contar histórias que, algumas vezes, as pessoas poderosas não querem que se contem. Por isso, existe uma responsabilidade acrescida perante o leitor e temos de nos lembrar que, num ecossistema noticioso que é bastante complexo, é para o leitor e pensar em como é que eles vão responder ao trabalho que estamos a desenvolver.
Ao nível dos conteúdos, como se pode aferir o que as pessoas vão gostar no futuro?
Acho que estamos a ver uma grande mudança, especialmente nos últimos dois ou três anos, em que as pessoas estão realmente preocupadas com certos temas como a privacidade, o poder das grandes empresas tecnológicas e o ambiente.
Penso que, de certo modo, ainda estamos otimistas porque a tecnologia tem um impacto bastante positivo. Por exemplo, nos sistemas de saúde e a radiologia, estamos a ver melhorias significativas na forma como olhamos para os raios-x devido a tecnologias como a Inteligência Artificial que conseguem fazer a análise.
Acho que estamos bastante otimistas com as possibilidades das tecnologias mas também atentos nos termos em que existem empresas tecnológicas que são monopólios totais e eles precisam de ser regulados, bem como precisam de ser regulada a ética da Inteligência Artificial.
Atualmente estamos num momento em que a Inteligência Artificial passou de um tema de periferia para estar sempre central. Está no centro de todas as questões.
Qual a sua opinião relativamente às publicações fecharem os seus conteúdos?
Acho que foi bem sucedido para algumas organizações, como a Condé Nast na América. A nossa revista nos EUA permite que sejam lidos cinco artigos por mês sem ter de se pagar e está a funcionar bem, com muitas subscrições.
A maioria das publicações estão a fazer com que o sistema resulte. O ‘Financial Times’, ‘The Economist’ e ‘Condé Nast’ são os primeiros exemplos que tenho que têm dado bons resultados.
Mas tenho duas preocupações: fatiga dos consumidores, em que têm tantas subscrições que não desfrutam de todas, e tenho receio que ao colocar os bons artigos fechados isso signifique que as notícias de qualidade só cheguem àqueles que têm dinheiro, criando notícias de dois andares, em que uns têm acesso a qualidade e outro a informações falsas no Facebook.
No entanto, acho que as publicações têm de encontrar o sue modelo de subscrição. Também temos de pensar em dar algo extra aos leitores, porque eles investem em nós. Será possível os leitores reunirem-se com jornalistas, ir a eventos ou ter acesso a algo extra?
Alguns vão continuar a optar por manter o acesso livre, como o ‘The Guardian’ que apenas pede para as pessoas contribuírem. O que eu ainda não vi, e que gostaria, são os micro-pagamentos que servem para aqueles meios em que eu não quero realizar uma subscrição mensal mas aceder a um ou dois artigos.
Qual o papel da tecnologia na divulgação de conteúdos?
Já a conseguimos ver ser utilizada no fact-checking, o que é uma boa ferramenta para os editores e os leitores perceberem as escolhas feitas com a informação necessária. Penso que o pior que se pode fazer é seguir os números porque quando isso acontece perdem-se as qualidades humanas.
Atualmente temos muitos dados disponíveis sobre o que resulta no nosso caso, e é importante saber isto mas não nos deixarmos levar pelo que os dados dizem. Ou seja, se os dados nos dizem que algo não vai resultar, não o deveríamos fazer mas se a história é importante não o deveríamos fazer à mesma? Se acharmos que é mesmo importante difundir a história, nós avançamos com ela, independentemente do que os dados recolhidos pela tecnologia nos dizem.
Claro que é uma ferramenta útil, mas não deve ser algo de que precisamos de depender enquanto jornalistas.
O que aprendeu ao entrevistar executivos da FTSE 100 e Fortune 500?
O que mais interiorizei nestas entrevistas é que ninguém tem as respostas todas, nem mesmo as pessoas muito inteligentes. Temos de nos manter curiosos, em contacto com a cultura e com a sua equipa. Na minha opinião, é muito fácil os grandes executivos ficarem afastados do resto porque tomam decisões estratégicas, mas os melhores têm empatia.
Um dos executivos que me captou mais a atenção e a entrevista que mais gostei foi com o Satya Nandella, CEO da Microsoft, porque é genuinamente empático e muito centrado nas questões humanas. Penso que essa tenha sido uma qualidade perdida por alguns em Silicon Valley.
Mas uma das coisas que mais me impressionou neles é que eles são leitores e consumidores de notícias, mostram que estão interessados no que se passa no mundo. O anúncio da Microsoft sobre tornarem-se neutros em carbono até 2030 e a remoção de todo o carbono que já produziram até 2050 mostra um exemplo de liderança, e quase que adivinho que o Satya esteve envolvido na decisão, e é a maior decisão que vimos de uma grande empresa em termos de envolvimento.
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