Segundo a lei alemã, é ilegal o banco central financiar o Estado através de compras de dívida soberana em mercado primário, mas o Tribunal passou a responsabilidade de decidir sobre isso para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
É pouco provável que esta contestação por parte dos alemães tenha algum impacto prático para as políticas do BCE. Só a avaliação do processo por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia vai demorar meses, o que significa que uma decisão só virá no final do programa ou mesmo depois. Não obstante, é interessante perceber porque estão os alemães a pôr em causa um programa de estímulos que permitiu à zona euro manter-se intacta enquanto atravessava uma recessão económica e uma crise financeira que ameaçavam provocar um desmembramento.
Além do facto de as taxas de juro ultra baixas penalizarem especialmente os aforradores alemães, existe um outro motivo para os alemães terem maior sensibilidade negativa a programas de estímulo monetário que implicam “imprimir dinheiro” e uma Constituição que seja particularmente dura em relação a isso. Esse motivo remonta a uma decisão que os alemães tomaram há cerca de 100 anos, acerca da estratégia de financiamento das despesas da Primeira Guerra Mundial.
Ao contrário do que decidiu fazer o governo francês da altura, que financiou as despesas de guerra através do aumento de impostos (foi a primeira vez que foi introduzido um imposto sobre rendimento no país), o Imperador e o Parlamento alemão decidiram unanimemente financiar as despesas de guerra através do endividamento do Estado. Uma estratégia que assentava na premissa de que a Alemanha iria ganhar a guerra e iria conseguir repagar as suas dívidas através da anexação de regiões industriais em torno do país e da cobrança de indeminizações de guerra a outros países.
A Alemanha acabou, efetivamente, por perder a guerra e, apesar de ter sido o país que viu os seus recursos económicos menos danificados – o que lhe daria condições para recuperar mais facilmente –, a estratégia de financiamento da guerra deixou o Estado alemão extremamente endividado. Por cima deste endividamento, o Tratado de Versalhes exigiu à Alemanha pesadas indemnizações de guerra, o que piorou ainda mais a situação financeira do Estado alemão.
Focada em manter-se alinhada com o Tratado de Versalhes e com as suas responsabilidades financeiras, a recentemente estabelecida República alemã decidiu “imprimir” dinheiro para pagar o que devia. Esta política de expansão monetária para pagar as dívidas levou a uma rápida e exponencial desvalorização do marco alemão, que levou a níveis inflacionistas de tal ordem elevados que aparentemente o banco central alemão não conseguia construir fábricas de notas suficientemente rápido para fazer face à procura por notas. Segundo os dados estatísticos, os preços no país subiram 15 vezes entre junho de 1922 e dezembro desse ano. Esta hiperinflação resultou numa grave crise económica e social da qual o país só recuperou no final dos anos 20.
Estava a Alemanha a dar os primeiros passos na recuperação económica, quando em setembro de 1929 os mercados acionistas norte-americanos começaram a afundar, dando os primeiros indícios de uma crise financeira e económica que se iria alastrar globalmente e viria a ser conhecida como Grande Depressão.
Duas graves crises económicas em menos de uma década foram demais para o povo alemão. No início dos anos 30, os partidos mais extremistas ganharam popularidade. No dia 30 de janeiro de 1933 Adolf Hitler foi eleito chanceler da Alemanha.