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A Madeira na Europa de 2030

A Pandemia do Covid -19 apanhou a União Europeia em plena discussão, e discordância, do Quadro Financeiro Plurianual 21-27(QFP), aliado a complicadíssimas negociações de saída da EU de um dos seus maiores contribuintes líquidos, O Reino Unido, que chegou a ser o maior financiador da política comunitária nos anos 80, quando a PAC ainda levava […]
9 Outubro 2020, 07h15

A Pandemia do Covid -19 apanhou a União Europeia em plena discussão, e discordância, do Quadro Financeiro Plurianual 21-27(QFP), aliado a complicadíssimas negociações de saída da EU de um dos seus maiores contribuintes líquidos, O Reino Unido, que chegou a ser o maior financiador da política comunitária nos anos 80, quando a PAC ainda levava a fatia de leão dos fundos comuns. Para piorar a situação, um dos grandes países da Europa a 28 (agora 27) passou de contribuinte líquido a beneficiário líquido, como culminar de um plano inclinado que se iniciou há décadas e a que as crises de há 10 anos, e a crise COVID, surgem como oportunos bodes expiatórios, a Itália.

A discussão sobre o QFP é sempre complexa, até porque, se em teoria todos concordam que a União Europeia só pode enfrentar os desafios contemporâneos como um bloco proto-federal com um substancial reforço dos seus orçamentos, também não é menos verdade que o conjunto de “países ricos” vem agudizando a sua impaciência face à dificuldade de descolagem das economias da Coesão, nomeadamente do sul do velho continente.  Foi assim em 2003 com a Carta dos Seis, em que o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Holanda, a Suécia e a Áustria defenderam que se fixasse um teto máximo de 1% do RNB para o orçamento da UE, de forma a reduzir as suas contribuições, o que repetiu-se em 2010, com a Carta dos Cinco (Reino Unido, Alemanha, França, Finlândia e Holanda). A verdade é que para alguém receber outro irá ter de pagar. Quando a UE se preparava para chegar a um compromisso sobre o envelope financeiro que vai almofadar a arquitetura de investimentos da Europa a 27 em parte substancial desta década, eis que surge esta enorme crise sanitária, com efeitos diferidos numa crise económica e social. Para ser sincero, penso que não fora esta hecatombe, e ainda estaríamos a discutir tostões, florins ou marcos. Foi precisamente a emergência do momento, e o temor do clube dos ricos de que a faixa sul da Europa colapsasse face à segunda grande crise numa década que apressou a resposta financeira. Juntou-se então um Plano de Recuperação e Resiliência, de combate imediato à crise, ao ordinário QFP. Percebendo a importância do momento, a Comissão Europeia chamou ao conjunto de instrumentos que compõem o Fundo de Recuperação como Next Generation EU. Já sabemos que o Governo de Portugal recusará, por enquanto, aceder à vertente de empréstimos, sendo que terá ao seu dispor cerca de 12,9 mil milhões de euros do instrumento de Recuperação e Resiliência (IRR – de médio prazo, para ser executado até 2026) e mais cerca de 2 mil milhões do REACT (Recovery Assistance for Cohesion and the Territories of Europe), ferramenta de curto prazo a ser incorporada ainda no âmbito dos programas operacionais 14-20. Todo este montante financiará o Plano de recuperação e resiliência nacional, a que se juntam verbas para o Desenvolvimento Rural e para a Transição Justa.

No que respeita à Madeira é preciso ter em conta que a sua maior indústria, exportação e gerador de emprego, é o sector do turismo e conexos. Não é necessário ser-se um prodígio da economia para perceber que a Região atravessa momentos de singular dificuldade, logo após um percurso de 81 meses a crescer economicamente, e onde apresentava a menor taxa de desemprego do país e sucessivos superavits orçamentais.

O acesso a fundos de emergência que amparem, colmatem e reinventem a principal atividade económica é fundamental. Imaginem um Hotel, ou uma loja, que fecha portas durante um mês ou dois para importantes obras de modernização. Durante esse tempo não faz “caixa”, mas investe de forma a posicionar-se de forma mais competitiva, ganhando os desafios do futuro. É desta forma que este período deve ser pensado e aproveitado. Como uma pausa para reajuste e modernização.

A Madeira terá disponíveis do envelope do Plano de Recuperação e Resiliência cerca de 734 milhões referentes a IRR a que se somam os mais imediatos 125 milhões do REACT. A executar, recordo, até 2026.  A estas verbas somar-se-ão mais 948 milhões do QFP, com prazo de execução até 2027 (+2).

Sabemos e compreendemos que a União Europeia queira aproveitar este momento de compromisso excecional e, porventura irrepetível para assegurar definitivamente a transição verde e digital. Assim, não se estranha que exista a exigência que 37% dos apoios do PRR contribuam para o objetivo climático e 20% para a transição digital. O objetivo é tão ambicioso que o próprio instrumento de maior emergência, aquele que existe para fazer face às necessidades mais prementes, decorrentes da pandemia, o REACT-EU, obrigue a que 25% da soma dos apoios de todos os Estados-Membros (EM) concedidos ao abrigo desta Iniciativa contribua para os objetivos climáticos. Não é difícil porém perceber que o vulgar cidadão tenha alguma dificuldade em compreender, visionando à sua volta um acentuado degradar das condições sociais e humanas, que tão expressiva parcela de um instrumento avançado de combate a essas dificuldades esteja consagrada aos objetivos climáticos. De indiscutível méritos e pertinência, mas que deve ser enquadrado nos veículos próprios.

Parece-me igualmente óbvio que, para uma Região com os constrangimentos permanentes da Madeira, a questão das acessibilidades reveste-se de uma congruência premente. Não só porque, decorrente da sua condição Insular está dependente das suas estruturas (aero)portuárias, mas também porque, dada a sua orografia, está em fase final de um grande empreendimento de décadas, ao nível rodoviário, com vista a possibilitar uma dinâmica interna com a celeridade, mas também com a segurança, que a economia e os madeirenses necessitam.

Falamos por exemplo da extensão do molhe da pontinha do Porto do Funchal, por forma a possibilitar que os novos navios de cruzeiro, com calado cada vez maior, possam atracar, e que viabilizaria o cais 8 de acesso direto ao centro do Funchal, com os obrigatórios investimentos acessórios nas vias de acesso e nas gares, mas também com uma aposta que já tarda nas infraestruturas aeroportuárias, que resolvam os problemas de condicionamento dos ventos, que gera a inoperacionalidade recorrente do Aeroporto Cristiano Ronaldo, ou a aposta na comodidade dos passageiros como já existe na maioria das aerogares europeias.

Também as vias terrestres, fundamentais para garantir a mobilidade interna e evitar os riscos de queda de pedras e de incêndio são apostas que o Governo regional não pode deixar cair.

Assim, e porque muitos destes investimentos são prioridade negativa da Comissão Europeia, não podendo estar inscritos nos PO, ou porque dadas o seu elevado custo levariam fatia de leão destes (só os investimentos no Porto do Funchal e no Aeroporto da Madeira andarão na ordem dos 100 milhões de euros cada), é muito importante que tenhamos a possibilidade de afetar verbas dos mecanismos de recuperação a estas prioridades regionais.

Sem com isto hipotecar a aposta na habitação, através da Estratégia de Habitação da Madeira, ou da saúde, com a renovação dos centros de Saúde e Construção do novo Hospital Central. Que o Estado português não se constitua como o primeiro entrave à aprovação do nosso modelo de desenvolvimento, em sede de caucionamento do nosso plano regional, como alguns sinais já indicam. A Madeira é uma região Ultraperiférica, com especificidades próprias inultrapassáveis, e com poderes próprios. Que haja respeito por isso.

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