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A maior corrida do mundo é pelo controlo da inteligência artificial

A maior corrida do mundo é tecnológica e tem a inteligência artificial como primeiro prémio. EUA e China disputam a liderança, mas a UE poderá ter uma palavra a dizer. Como? Com investimento.
5 Junho 2021, 12h00

Estamos a assistir a uma corrida tecnológica entre os principais blocos geopolíticos e o primeiro prémio é uma vantagem no desenvolvimento de inteligência artificial (IA), aquela que a norte-americana Comissão de Segurança Nacional sobre Inteligência Artificial (NSCAI, na sigla em inglês) considera ser “a mais poderosa ferramenta em gerações”. Os especialistas concordam que a competição se desenrola, atualmente, entre os Estados Unidos da América, que a lideram, e a China, que tem encurtado distâncias de modo consistente. “Os Estados Unidos e os seus amigos e aliados têm sido as potências tecnológicas dominantes nas últimas décadas, mas a China está rapidamente a recuperar em algumas áreas importantes”, afirma Anja Manuel, responsável pelo Fórum de Segurança de Aspen.

Não se trata de um remake da “guerra fria” que opôs os EUA à União Soviética e em que se desenvolveram o mesmo tipo de disputas, como a corrida à conquista do espaço, porque vivemos uma interdependência económica e porque as diferenças ainda são consideráveis. “As interconexões económicas criam dependências. Quanto mais um país depende de outro, mais o seu poder enfraquece e este é o caso da China no comércio com os EUA”, diz Antonia Colibasanu, analista e administradora responsável pelas operações na Geopolitical Futures.
Facto, no entanto, é que os co-presidentes da NSCAI – Eric Schmidt, ex-presidente-executivo da Google, e Robert Work, ex-secretário-adjunto da Defesa nas administrações Obama e Trump – dizem, na carta que acompanha o relatório final do organismo que lhes cabe entregar uma mensagem “desconfortável: a América não está preparada para defender ou competir na era da IA”.

A capacidade de evolução que o Império do Meio tem demonstrado é reconhecida. “A China é uma potência de inovação impressionante”, alerta Anja Manuel, destacando o trabalho feito em áreas como as dos “sistemas de pagamento e fintech”, com empresas como a Alypay ou a Ant Financial, e na próxima geração de comunicações móveis (5G/6G), em que “a Huawei é excelente”, disputando a primazia com a Ericson e a Nokia. “Na inteligência artificial, muitos dos melhores académicos estão nos EUA, no Canadá, Japão e Reino Unido, mas a evolução e a aplicação da IA estão a aumentar muito rapidamente e de forma impressionante na China”, refere.

Em declarações ao JE, a porta-voz da NSCAI Tara Rigler elenca que a resposta a estes desafios se faz através de quatro pilares: liderança e organização, que traduz a capacidade “para organizar e implementar uma estratégia de tecnologia global”; talento e educação, isto é, formar recursos humanos nas áreas consideradas críticas, mas também, “atrair e reter talentos estrangeiros”; garantir a produção local de elementos de hardware considerados fundamentais; e investir em investigação e desenvolvimento (I&D). Para os EUA, a NSCAI recomenda “duplicar os investimentos federais em I&D de IA até atingirem 32 mil milhões de dólares (cerca de 26,2 mil milhões de euros) anuais, em 2026”, refere Rigler.

Anja Manuel, cofundadora de consultora estratégica com a ex-secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice e o ex-secretário da Defesa Robert Gates, aponta o caso dos semicondutores para evidenciar a atual situação. A procura suplanta a oferta no mercado, com consequências em diversos sectores e a China já reagiu. “A indústria estima que entre 2015 e 2025 a China investirá 350 mil milhões de dólares [cerca de 286 mil milhões de euros] para fortalecer o seu ecossistema de semicondutores”, diz. “Cerca de 55% do consumo de semicondutores da China é usado em produtos fabricados na China para empresas estrangeiras, incluindo a Apple, a Cisco e a HP”, acrescenta.

 

E que papel pode ter a Europa?
Não se pense, no entanto, que se trata de uma corrida a dois. “Todos os blocos com voz geopolítica estão a investir significativamente em tecnologia seguramente desde os anos 2000, e alguns mesmo antes”, diz ao JE Paulo Cardo do Amaral, doutorado em Sistemas de Informação e professor na Católica Lisbon. “A aceleração está acontecer por causa dos impactos estratégicos ligados à informação e conhecimento”, acrescenta.

Rússia e Índia são atores, mas a União Europeia (EU) pode desempenhar um papel especial. “Os europeus são a chave para esta corrida, por enquanto”, diz Antonia Colibasanu. Colocando a tónica na capacidade tecnológica da ASML.

“A União Europeia tem o objetivo claro de chegar à liderança na área digital, e está a dar passos concretos nesse sentido”, garante Maria da Graça Carvalho, que integra a Comissão Especial sobre Inteligência Artificial na Era Digital do Parlamento Europeu. E estará disposta a investir significativamente. A eurodeputada portuguesa dá como exemplo os, “pelo menos, 20% dos planos de recuperação e resiliência [que] serão consagrados ao digital”, mas também iniciativas como a HPC, “que pretende dotar a Europa de uma rede de supercomputadores que lhe darão a liderança em termos de processamento de dados. Uma rede que, como é sabido, tem em Portugal um dos países que irão acolher estes supercomputadores”.

“Existe a clara consciência de que, nesta fase, a Europa está atrás dos seus principais competidores, ao nível das infraestruturas físicas e virtuais, da capacidade de processamento de dados e, em relação aos Estados Unidos, da própria preparação dos seus recursos humanos e população em geral”, diz. “Para se ultrapassar esse atraso estão a ser dados passos concretos”, sustenta.

“A União Europeia tem as capacidades de investigação e desenvolvimento tecnológico, industriais à altura e uma economia também à altura dos rivais. Não obstante, as maiores empresas do mundo, todas de base tecnológica, estão sediadas na China e nos EUA”, refere Paulo Cardoso Amaral. “A criação de valor não passa apenas pelo conhecimento, pois é preciso passar à ação, daí a importância da indústria e da economia.

No final, a tecnologia só faz a diferença se passar pelas pessoas”, acrescenta, apontando que a Europa tem uma fragilidade: “As maiores empresas do mundo, de base tecnológica e conhecidas por Big Techs, têm lucros fora do comum e a possibilidade de os investir no avanço tecnológico permanente. Não vai ser fácil à União Europeia conseguir acompanhar esses níveis de investimento, pois não há empresas com a mesma capacidade e não estou a ver os nossos impostos ser canalizados para investimentos dessa dimensão.

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