O anterior legislador, já em final de mandato, a pretexto de ser condição para desbloquear uma das tranches da “bazuca”, liberalizou, alegadamente, a bem do consumidor de serviços jurídicos, a prestação destes serviços em conjunto com outros que eles não têm qualquer relação de complementaridade ou outra.

Para os mais atentos, vamos já sendo confrontados com tabuletas e letreiros néon que anunciam a prestação de consultoria jurídica conjuntamente com serviços de manicura, cabeleireiro, jardinagem, serviços de limpeza, pequenas obras, etc.

Não pense o leitor destas linhas que se trata da imaginação de quem as escreve, pois já é mesmo uma triste realidade. Pelos vistos, para o legislador português, cinquenta anos de democracia não foram suficientes e, na sua imaturidade, retifico, irresponsabilidade, alardeou permitir por “decreto” que o comum cidadão se aconselhe juridicamente para a compra de casa, para um divórcio ou para fazer uma partilha, enquanto trata das unhas ou corta o cabelo, enquanto contrata serviços de jardinagem ou pede um orçamento para renovar a cozinha.

Além da forma indigna como a profissão de quem presta tais serviços de forma séria e profissional – o/as Advogado/as – é tratada, a atitude do legislador consubstancia uma menorização inadmissível da importância do aconselhamento jurídico, ao ponto de poder ser tomado por assunto não sério pelo consulente.

Acresce que, os juristas que prestem tais serviços de forma incompetente e não séria – ao contrário do/as Advogado/as que prestam contas perante a sua Ordem, que são obrigados a seguir um rigoroso conjunto de regras deontológicas e a ter em vigor um seguro de responsabilidade civil profissional –, não prestam contas perante qualquer entidade que os supervisione pelas suas más práticas e pelo mau aconselhamento.

Não se vê como pode ser mantido o atual regime que permite tal irresponsável desregulação, sem atribuir à Ordem dos Advogados o poder de fiscalizar a atividade deste tipo de prestadores de serviços, designadamente, o cumprimento pelos mesmos das boas práticas deontológicas na prestação dos serviços, que têm a necessária preparação técnica para o tipo de serviços que prestam e que respondem disciplinarmente quando agem em conflitos de interesses, violem segredo profissional ou prestem aconselhamento inadequado.

Só conheço uma forma de o fazer: obrigar estes prestadores de serviços jurídicos que não podem exercer o mandato judicial e que não têm a cédula de Advogado/a, a inscreverem-se obrigatoriamente na Ordem dos Advogados e a sujeitarem-se às mesmas regras em vigor para o/as Advogado/as.

O autor assina o artigo também na qualidade de antigo presidente do Conselho Regional da Lisboa da AO (2014-2019)