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“A máquina do Governo não está entregue ao ministro das Finanças”

“Não vale a pena dar mais importância ao Programa de Estabilidade do que a que ele efetivamente tem”, comenta o ministro Pedro Siza Vieira, desvalorizando a revisão em baixa do crescimento económico.
4 Maio 2019, 08h00

O Programa de Estabilidade apresentado pelo ministro das Finanças serve, essencialmente, para demonstrar a Bruxelas que a política económica e financeira seguida por Portugal assegura o equilíbrio das contas públicas, comenta o ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira. Por isso, o responsável pela política económica não valoriza muito a revisão em baixa das metas do crescimento. Sobre a queixa que os empresários fazem relativamente ao peso excessivo do ministro das Finanças no Governo, Siza Vieira garante que a máquina governamental não está entregue a Mário Centeno e que o ministro da Economia não se sente em segundo plano.

Como interpreta e justifica a revisão em baixa das previsões de crescimento económico inscritas no Programa de Estabilidade, de 1,9% do PIB?

O Programa de Estabilidade (PE) não é um instrumento normativo. É apenas para explicar à União Europeia o que, mantendo as políticas que já estão decididas, irá acontecer, previsivelmente, nos próximos quatro anos. Por exemplo, assumindo que não vai haver nenhuma mudança de política, é relevante ver quanto é que custam os investimentos públicos em cada ano e que impacto é que têm nos Orçamentos de Estado e nas contas públicas dos próximos anos – porque passamos de 4.300 milhões de euros de investimento público por ano, para 6.400 milhões de euros em 2023. Mas sobre as contas públicas em 2018, é verdade que foram melhor do que tínhamos estimado. Isto tem um efeito para a frente, que também nos faz pensar que podemos, mesmo com menos crescimento económico, que normalmente tem um impacto em menores receitas, ainda assim manter o objetivo em matéria de défice público. A outra matéria é saber se faz ou não sentido rever as projeções de crescimento para a economia tendo em conta a informação que vamos tendo agora.

E faz?

O Ministério das Finanças achou que fazia. Eles têm determinados modelos em que trabalham com as previsões de várias instituições. Fazem eles próprios os modelos de previsão de crescimento da economia e, perante algum abrandamento da procura externa, acham que deve projetar-se um menor crescimento da economia. É isso que o PE explica. Não vale a pena dar mais importância ao PE do que a que ele efetivamente tem. É apenas para mostrar à União Europeia que as contas públicas estão numa situação de estabilidade, que não há risco e que a médio prazo podemos pensar numa redução da dívida pública para 100%.

Que foi aquilo que foi projetado…

As previsões constantes deste PE serão influenciadas por alterações nas políticas das contas públicas. Por exemplo, num programa eleitoral futuro ou num programa de Governo futuro, pode dizer-se que queremos reforçar o investimento público. Já no ano passado tínhamos dito que entendíamos que devia haver uma nova redução do IRS e, portanto, estimamos que isso possa fazer baixar a receita pública em 200 milhões de euros. Mas alguém tomar uma decisão diferente e baixar ainda mais o IRS. Tudo isso terá impacto.

Um outro exemplo: se viéssemos a pensar no aumento dos salários dos professores e das demais carreiras especiais nos montantes que decorreriam da satisfação das exigências dos sindicatos, seguramente que as contas não seriam aquelas. Ou deixávamos crescer a dívida pública ou teríamos que cortar outras despesas e aumentar impostos.

Essas são as questões que têm de ser equacionadas. Portanto, aquele PE conclui um ciclo. Chegamos ao próximo governo numa situação financeira estável e sólida, e recuperamos margem de manobra para fazer outras escolhas. Aquilo que dizemos é que as escolhas têm de ser consistentes com os objetivos que se reclamam para o futuro. Queremos continuar a reduzir a dívida pública porque ela ainda é muito elevada? Queremos investir mais na qualidade dos serviços públicos? Sem aumentar os impostos não dá para fazer muitas mais coisas.

O momento que a economia portuguesa atravessa é sui generis. Goza de popularidade internacional, há um afluxo grande de turismo e as exportações continuam a crescer. O Governo português tem conseguido agarrar e otimizar este momento?

Não tenho dúvidas em relação a esse respeito. Uma das coisas importantes para o crescimento da nossa economia é podermos reforçar o investimento privado. Há três anos, tínhamos níveis muito baixos de investimento privado. As empresas estavam muito descapitalizadas e com elevados níveis de endividamento. Criámos benefícios fiscais ao investimento e à capitalização de empresas, que elas estão a aproveitar muito significativamente. Lançámos as linhas de crédito Capitalizar para fazer chegar financiamento às PME a um preço razoável. Naquela altura, as PME portuguesas estavam a financiar-se a uma taxa de juro média de 8% e, com isso, conseguimos dar às empresas ferramentas para melhor aproveitarem o ciclo económico. Há três anos, o nível de autonomia financeira das empresas, isto é, a parte dos seus capitais próprios no conjunto dos seus ativos, aumentou para 38%, o que está na média da União Europeia. O nível de rentabilidade dos ativos das empresas está nos 9%, quando antes era de 3%. O nível de endividamento das empresas, das famílias e do Estado baixou. Esta é outra nota muito importante. E é a primeira vez, nas últimas décadas, em que o ciclo de crescimento da economia portuguesa não é acompanhado de um maior endividamento das empresas e das famílias. O endividamento das empresas baixou de 130% do PIB para menos de 100%. O endividamento das famílias baixou para 70% do PIB.

A redução do endividamento não se deve, também, a uma diminuição do fluxo de crédito concedido pelos bancos ?

Seguramente. Pelo relatório da estrutura de missão para a capitalização das empresas, apresentado em junho de 2016, nota-se que tínhamos consciência de que o fluxo de crédito do sistema bancário das empresas não ia crescer.

Sabíamos que aquilo que tinha viabilizado o crescimento das empresas na primeira década deste século era o facto de as empresas se endividarem para financiar os seus investimentos, e isso não se ia repetir, nem era saudável. Não é saudável que as empresas só façam investimento com endividamento porque mais tarde têm de pagá-lo com juros. Tínhamos de aumentar os capitais próprios e a autonomia financeira das empresas. Uma medida muito importante foi o alargamento da dedução dos lucros retidos e reinvestidos. Isto é, as empresas que têm lucros, em vez de os distribuírem aos seus sócios, podem reinvesti-los, com deduções fiscais. No final do ano passado, a Comissão Europeia publicou o seu tax survey e chegou à conclusão que Portugal tem, na UE, o segundo regime mais favorável ao investimento empresarial.

Neste momento, Portugal tem o regime mais favorável ao financiamento por capitais próprios. No Orçamento do Estado para 2017, foi aprovado o artigo 41º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, fixando a remuneração convencional dos capitais públicos e sociais em 7% ao ano por cada aumento de capital, seja por entrada de dinheiro, reinvestimento de lucros ou conversão de suprimentos em capital social. Isso significa que o Estado, através de deduções ao IRC, está a apoiar as empresas que aumentem o seu capital social. Ao saber que os bancos vão dar menos crédito à economia, temos de ver que outras fontes vão aparecer. Elas têm aparecido e é por isso que o investimento empresarial, neste primeiro trimestre, até acelerou em relação ao trimestre anterior.

O tecido das PME continua a ser frágil e pouco consolidado ou está a modernizar-se?

Parte do bom momento da economia portuguesa deve-se ao enorme dinamismo das nossas empresas e empresários. Estão muito próximos dos clientes, a desenvolver produtos, a comprar maquinaria, a escolher a localização das empresas e fazem isso diretamente. Há um processo de mudança. As novas gerações são claramente mais qualificadas, mais atentas à necessidade da profissionalização da gestão, do investimento em recursos humanos e da inovação. Todo o segredo do sucesso do programa Capitalizar foi o diálogo com as empresas. Foi a trabalhar com as empresas que percebemos quais eram as medidas que poderiam ter melhor impacto no crescimento da capitalização e da produtividade das empresas. As empresas exportadoras queixavam-se muito do tema do IVA na importação. Quando importavam matérias-primas tinham de pagar IVA, transformavam as matérias-primas e depois faziam a reexportação dos produtos acabados. Só nessa altura é que podiam recuperar o IVA que tinham pago na importação dos produtos, às vezes com ciclos relativamente longos. Conseguimos perceber que era possível com algum investimento por parte da Autoridade Tributária (AT) nos seus sistemas informáticos, construir um sistema em que deixou de se cobrar IVA na importação.

Parece uma coisa simples, mas do ponto de vista da tesouraria das empresas rendia 400 milhões de euros por ano.

Vários empresários alertam para o peso excessivo do ministro das Finanças no aparelho do Governo. Portugal precisava de uma equipa de Economia mais forte e de menos protagonismo das Finanças? Ou é mais fácil para um líder do Governo entregar a máquina governamental ao ministro das Finanças?

Deixem-me contrariar essa afirmação. A máquina do Governo não está entregue ao ministro das Finanças. É a mesma coisa que dizer que a máquina de uma empresa industrial está entregue ao CFO. Acho que temos de perceber que o elevadíssimo nível de endividamento do nosso país, designadamente das Finanças Públicas, obrigou a ser especialmente rigoroso na gestão das contas públicas – mas conciliando isso com o crescimento económico, e a criação de emprego com recuperação do rendimento das famílias. Baixámos o IRS em 1.100 milhões de euros. Conseguimos repor os salários e pensões que tinham sido provisoriamente eliminados no ano anterior e recomeçar o tempo de contagem de serviço de todas as carreiras da administração pública. Tudo isto é um conjunto de solicitações que aumentam a despesa e aumentam a receita, e que têm de ser geridas cuidadosamente para não desequilibrar as finanças públicas. Isso significa que a equipa das Finanças tem de ter uma visão muito atenta e permanente à forma como as finanças públicas estão a avançar. Mas gostava de dizer que não me sinto menos membro do Governo do que qualquer outro. Pelo contrário, acho que o que a equipa do Ministério da Economia tem feito ao longo deste mandato é colocar-se ao serviço das empresas. Os programas que referi são do Ministério da Economia, que tiveram um impacto verdadeiro, mensurável na situação das empresas. Se hoje temos melhoria da autonomia financeira e redução do endividamento, se temos aumento da rentabilidade das empresas, são medidas que o Ministério da Economia propôs e que tiveram tradução no Orçamento do Estado. E não tenho da minha função uma visão secundária.

Artigo publicado na edição nº 1985 de 18 de abril do Jornal Económico

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