Em 2021, entraram 2,3 milhões de imigrantes na União Europeia (UE) provenientes de países terceiros, segundo o Eurobarómetro. Um aumento de quase 18% em comparação com 2020.

Todavia, dados da mesma fonte, mas menos conhecidos, também nos dizem que 1,4 milhões de pessoas que anteriormente residiam num Estado-Membro da UE migraram para outro Estado-Membro. Um aumento de quase 17% em comparação com 2020. Apenas 23,8 milhões de pessoas (5,3%) dos 446,7 milhões que viviam na UE em 1 de janeiro de 2022 eram cidadãos de países terceiros.

Mais de 20% da população portuguesa está emigrada, ou seja, cerca de 2 milhões de pessoas e, em 2022, 800.000 pessoas estrangeiras viviam no nosso país.

Os dados sobre segurança dizem-nos que em termos gerais a violência não aumentou e Portugal é um dos países mais seguros do Mundo. O próprio espaço da União Europeia, quando comparado com outras regiões do planeta, também o é.

Então o que se passa connosco? Porquê este apontar do dedo aos migrantes sobre tudo e mais alguma coisa? Por que tanto desconforto com pessoas como nós, seres humanos, com os mesmos direitos, mas apenas com uma cultura diferente?

A esmagadora maioria da violência no nosso território é perpetrada por portugueses. Uma parte demasiado significativa tem origem em pessoas da família ou que nos são próximas. Bem podemos sentir vergonha pela violência doméstica, por exemplo.

Em geral, beneficiamos da saída e da entrada de pessoas no nosso país. Tanto uns como outros procuram melhores condições, sejam elas de que tipo for. Às vezes básicas de sobrevivência, outras de realização e valorização profissional e pessoal. Sim, é bom que possamos ter acesso facilitado a oportunidades de trabalho no exterior do país, sendo que isso não tem nada de antagónico com trabalharmos para construirmos cada vez melhores oportunidades aqui mesmo, em Portugal.

Gostaríamos de ter as pessoas de quem gostamos por perto, mas sabemos que florescem e desenvolvem-se no contacto com experiências multiculturais e com oportunidades que necessariamente não existem por todo o lado. E isso não nos impede de trabalharmos para construirmos mais possibilidades para que regressem e fiquem por perto. Uns assim farão e outros não. Muito se tem falado, também, do quanto beneficiamos em termos de mercado laboral, fiscalmente, do contributo para a sustentabilidade da segurança social e para o rejuvenescimento da nossa população tão envelhecida.

“As migrações são um fenómeno humano, historicamente, e vão continuar. E têm um contributo positivo tanto para as sociedades de acolhimento como para as sociedades de origem. O que é preciso é que a migração seja regular, ordeira e segura, como se diz no Pacto Mundial, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Nós pensamos que a maior violação dos direitos humanos é o tráfico de seres humanos, a imigração irregular, mas para combater melhor o tráfico e a imigração irregular é preciso que haja canais de imigração regular. E os países de destino têm necessidades de mão-de-obra. Muitos deles são países envelhecidos.  E por isso é preciso combinar as capacidades e as potencialidades dos migrantes com as necessidades dos países de acolhimento.” Declarou há cerca de um ano António Vitorino, então diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações.

Foquemo-nos por isso em trabalhar todos para que as crenças, os enviesamentos, a desinformação, os nossos medos e angústias, a raiva perante certas injustiças ou a frustração das nossas expectativas e o sofrimento que possamos sentir não transformem factos como os que descrevi em mitos e em populismo oportunista. Devemos sentir vergonha e arrependimento quando acusamos sem qualquer fundamento pessoas como nós, com os mesmos direitos humanos, numa demonstração de ausência de empatia e compaixão. E se fosse connosco? E quando é connosco?

A nível individual, apoiemos o bem-estar psicológico destas pessoas e o seu desenvolvimento e capacitação de modo que estejam em melhores condições para a integração, com a consciência que são pessoas, que muitas vezes chegam depois de jornadas de grande sofrimento. É necessário que sejam apoiadas na sua integração, com aprendizagem da nossa língua, ajuda à compreensão da nossa cultura e entrada no mercado de trabalho.

A nível social, combatamos os estereótipos e preconceitos que influenciam a percepção pública e as políticas públicas de migração e informemos de forma efectiva a população, ajudando à compreensão de realidades culturais distintas e a como ajudar a integração. Para isto, certos agentes públicos são críticos, da saúde à segurança e à educação e por isso devem ser formados para a diversidade cultural.

A nível estrutural, é necessário remover rapidamente os obstáculos administrativos à integração, facilitando o acesso aos cumprimentos das formalidades que permitam celeridade nos processos de legalização e renovação de autorizações, bem como em aceder a ofertas e contratos de trabalho, ainda antes de viajarem para Portugal.

Gostaria que reflectíssemos sobre isto e que nos questionássemos: como será que por omissão, ignorância ou acção podemos estar, consciente ou inconscientemente, a contribuir para maltratar pessoas como nós e, por vezes, bem mais vulneráveis?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.