A pandemia da Covid-19 causou, inevitavelmente, uma aceleração e adoção dos processos digitais. Temos assistido a mudanças em vários setores de atividade, que se veem forçados a repensar e alterar os seus modelos operacionais para poderem responder a esta nova realidade. Fruto das circunstâncias específicas deste novo normal, a maioria das alterações assentaram em processos de transformação digital.

O setor público parte de uma posição mais desafiante, dado o menor investimento na modernização administrativa na última década, à qual terá também de responder. O serviço presencial, nas áreas de serviço ao cidadão e às empresas, tornou-se a última opção, e o digital passou a ser a norma, com o atendimento remoto a assumir o papel principal. Se pensarmos no período de confinamento obrigatório, houve um grande esforço em executar de forma digital os processos que até à data se realizavam de forma presencial. Um exemplo claro disso foi quando o Parlamento, em abril e pela primeira vez na sua história, realizou um plenário não presencial.

A digitalização realizada nos diversos setores veio para ficar, sendo expectável que não haja um regresso por completo à situação anterior. Os hábitos, seja de fornecedores, seja de consumidores, estão a ser moldados para se adaptarem à nova realidade dos processos digitais (não presenciais) e do trabalho remoto. Ainda é prematuro afirmar quais as áreas e atividades em que este modelo ficará perfeitamente integrado. Contudo, é seguro afirmar que estas circunstâncias únicas abriram as portas para um futuro onde a digitalização será um tema central e os modelos tradicionais acabarão por, inevitavelmente, ser transformados.

Esta transformação deriva também da atitude dos próprios consumidores e cidadãos que hoje solicitam que os serviços sejam digitais, com eficiência, eficácia e personalização no contacto e dão como adquirida a segurança.

Os consumidores e cidadãos também procuram deter o poder de escolha sobre os canais de comunicação a que recorrem, quando o fazem e como o fazem. E esperam uma integração e visão única dos serviços, sejam eles em canais digitais ou ambientes presenciais.

Para a administração pública, local e regional, existem desafios específicos a ter em consideração. Por um lado, uma parte substancial de processos digitais estão a conseguir responder aos novos desafios de uma primeira interação com os cidadãos e empresas. No entanto, é ainda necessário modernizar os serviços por forma a desenvolver processos de gestão interna e controlo que permitam assegurar a eficiência desejável e a tramitação de todos os processos de forma digital.

Por outro lado, falta, de forma geral, melhorar os canais de interação e adaptá-los a uma nova realidade centrada no cidadão. Neste aspeto, a personalização é chave para tornar a Administração Pública mais inclusiva, respeitando a maturidade digital de cada um, pois só conhecendo a realidade de cada cidadão podemos endereçar os serviços de forma verdadeiramente adequada. Este ponto torna-se central na estruturação dos serviços públicos e consequente canalização de investimentos.

Outro desafio da transição digital passa por assegurar a segurança e integridade dos processos digitais, nomeadamente os que sofreram uma transição abrupta do presencial para o remoto. Nem todas as plataformas utilizadas foram criadas ou implementadas com processos de gestão e segurança a pensar nesta realidade. Pelo que uma parte relevante das pessoas não revelou, nem revela, preocupações relativamente às questões de segurança digital, faltando formação e sensibilização.

Esta necessidade pode ser facilmente ilustrada com o aumento registado de queixas sobre cibercrime durante o período de confinamento. Em nota informativa publicada a 1 de junho, o Gabinete Cibercrime da Procuradoria-Geral da República de Portugal apontou para um aumento de 139% de queixas, em apenas 5 meses, até 31 de maio, face à totalidade do ano transato. Um adequado levantamento dos processos e deteção das áreas de fragilidade é essencial para assegurar a integridade da informação e a segurança de cidadãos e empresas.

A realidade que estamos a enfrentar é transversal a todos os setores. Estamos perante uma oportunidade única para consolidar o que foi feito de forma abrupta ao nível da transição para o digital em algo sustentável que capitalize as vantagens do momento de mudança, dando continuidade à digitalização dos modelos operacionais, e suportando o necessário acelerar da economia.

A necessidade e urgência sentidas com a pandemia vieram exigir novos níveis de eficiência e serviço por parte da Administração Pública, sobretudo através da integração de processos e tecnologias digitais. Estes permitem as organizações capacitarem as equipas com competências tecnológicas atuais para tirarem o máximo partido das tecnologias disponíveis. Permitem, ainda, reduzir os custos de funcionamento, criando uma visão centrada no cidadão e no seu trajeto, com avaliações e monitorização de qualidade do serviço prestado, suportando a tomada de decisão.

Porque uma Administração Pública mais inclusiva, mais próxima e mais eficiente é essencial para transformarmos o desafio que estamos a atravessar numa oportunidade de que todos – cidadãos, empresas e Estado – possam beneficiar para uma sociedade melhor.