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A nova vida de Centeno

Ministro das Finanças assume presidência do Eurogrupo este sábado. O trabalho vai ser feito essencialmente a partir de Lisboa, mas as viagens de avião e as pernoitas em hotéis vão tornar-se rotina. No campo político, a reforma da Zona Euro e a Grécia são as principais dores de cabeça.
14 Janeiro 2018, 14h02

No Terreiro do Paço, o gabinete de Mário Centeno já tomou um primeiro gosto às implicações de assumir a presidência do Eurogrupo. Ainda antes da tomada de posse, prevista para este sábado, dia 13 de janeiro, já recebeu dezenas de solicitações de jornalistas de outros Estados-membros. É apenas o começo. As viagens de avião, as pernoitas em hotéis, as reuniões em videoconferência e a avalanche de emails do estrangeiro vão passar a fazer parte do dia a dia do ministro português, apesar de continuar a trabalhar a partir de Lisboa.

A principal tarefa do líder do Eurogrupo é presidir às reuniões dos ministros das Finanças da Zona Euro, que decorrem habitualmente uma vez por mês, em Bruxelas. No entanto, também atua como representante oficial do Eurogrupo e da Zona Euro noutras circunstâncias. Vai regularmente a audiências no Parlamento Europeu e participa em conferências internacionais como o G20 ou os encontros do FMI.

Uma vez que o cargo de presidente do Eurogrupo é desempenhado por um ministro das Finanças em exercício, em Bruxelas propriamente dita não há muita logística envolvida. Nada está sequer previsto para o dia da tomada de posse. Pode haver apenas algum tipo de encontro recatado entre os dois presidentes durante esta sexta-feira, o último dia de Jeroen Dijsselbloem – mas nem o Eurogrupo nem o Governo português confirmaram se irá concretizar-se.

Ao trabalhar a partir de Lisboa, Centeno será apoiado pelo seu gabinete e pelo seu ministério. A distribuição de tarefas e possíveis reforços da equipa são inteiramente administradas internamente pelo presidente, indicaram ao Jornal Económico fontes da União Europeia (UE). O Eurogrupo tem uma equipa permanente de funcionários públicos da UE, mas esta trabalha para a instituição e não para o presidente. Se Mário Centeno precisar de mais pessoal em Lisboa, essa opção será suportada pelos cofres públicos nacionais.

Uma das tarefas menos visíveis do trabalho de Centeno, mas de uma importância crucial, é a articulação com o Grupo de Trabalho do Eurogrupo (GTE), que muitos consideram uma eminência parda da Zona Euro. Este grupo – até agora dirigido pelo alemão Thomas Wieser, um rígido defensor do equilíbrio orçamental dos Estados-membros – é o órgão preparatório das reuniões, que trabalha os documentos e as propostas técnicas que são depois alvo de decisão superior, nas reuniões dos ministros.

“Pode esperar-se que todo o trabalho técnico seja feito pelo GTE, ao passo que as decisões políticas são deixadas para os ministros. Sendo o Eurogrupo basicamente o “chefe” do GTE, existe uma cooperação muito estreita entre os dois órgãos”, explicou ao Jornal Económico uma fonte comunitária. Daí o poder deste organismo, com quem Centeno terá de lidar de forma intensa, caso queira levar a bom porto os seus objetivos de reformar o Eurogrupo e a Zona Euro.

Se a logística diária de Centeno é exigente, a tarefa política não é menos árdua. Conseguir consensos numa Europa ainda estilhaçada com os efeitos da crise e dos polémicos programas de ajustamento não se adivinha fácil. O ministro já assumiu que ambiciona conciliar os objetivos de consolidação orçamental com um crescimento inclusivo e a criação de emprego, mas enfrentará certamente posições mais reticentes dos países que aderiram com mais facilidade às teses nunca confirmadas de austeridade expansionista. A agenda já definida para o primeiro semestre deste ano dá uma ideia dos embates que se avizinham: os ministros vão debater os resultados dos programas de ajustamento na Grécia, Portugal e Irlanda, as propostas de aprofundamento da união monetária e novas formas de concertar a atuação em termos orçamentais e económicos.

Margarida Marques, ex-secretária de Estado dos Assuntos Europeus, garante ao Jornal Económico que a chegada do português à presidência não é uma conquista menor. “Centeno é uma lufada de ar fresco no Eurogrupo. Não vai mudar o mundo, mas será o rosto de uma política bem diferente das políticas imediatas de resposta à crise seguidas pela UE. E, sobretudo, é o reconhecimento pela União da bondade das políticas deste Governo, sobre as quais, inicialmente, as reservas e as desconfianças eram muitas, nas instituições e fora das instituições europeias. É o símbolo de que as políticas económicas e orçamentais de resposta à crise, da direita europeia, foram derrotadas”.
Esta antiga funcionária da Comissão Europeia, com mais de duas décadas de experiência em Bruxelas, onde chegou a chefe da Representação da Comissão Europeia em Portugal, pensa que Centeno “vai dar mais transparência” ao Eurogrupo. “A opacidade que tem acompanhado o Eurogrupo em nada ajuda ao processo de integração europeia e tem permitido, muitas vezes abusivamente, aos Estados-membros justificarem com ele as suas medidas impopulares”.

E não antecipa dificuldades na acumulação da presidência do Eurogrupo com as funções de ministro em Portugal. “A presidência não é exercida necessariamente a partir de Bruxelas. Pode fazer grande parte do trabalho a partir de Lisboa. Existem hoje mecanismos técnicos e de comunicação que facilitam o diálogo e a negociação, sem deslocação geográfica”. Além disso, acrescenta, Centeno tem uma equipa de apoio a funcionar em Bruxelas, junto do Secretariado Geral do Conselho, e o Ministério das Finanças “já provou” que dispõe de uma equipa com capacidade de apresentar resultados.

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