A palavra “reguengo” é antiga. Na formação de Portugal correspondia às terras que o rei guardava para si depois de distribuir as honras pelos nobres, os coutos pelo clero e dar foral ao povo para formar concelhos e póvoas.
Ao longo da Monarquia e na fase que se seguiu à implantação da República, Portugal conheceu muitos Códigos Administrativos que alteraram a sua organização administrativa. Uma situação expectável devido à decadência das classes privilegiadas e à ascensão da burguesia, mas que não contribuiu para uma real valorização do Poder Local, algo que só viria a acontecer na sequência do 25 de Abril de 1974. De facto, mais do que pôr fim à política centralizada, que apenas aceitava a desconcentração que tinha nos Governos-Civis o exemplo maior, a Constituição de 1976 reconheceu ao Poder Local uma importância fulcral no novo ordenamento.
Só que o regresso à democracia não demorou a ser seguido por uma partidocracia, uma vez que os partidos se assumiram como os pilares quase únicos do novo edifício, tanto a nível central como local. Por isso, só a partir de 1997 permitiram listas independentes aos três órgãos autárquicos.
Como decorre da vida habitual, o Poder Local é usado como arma de arremesso ou elemento colaborante de acordo com a consonância ou dissonância política entre São Bento e o Município. O Poder Central faz questão de mostrar que nada melhor do que os cidadãos colocarem os ovos no mesmo cesto, sendo de referir que o Poder Local também gosta de protagonismo e, como tal, o partido ou movimento vencedor procura dirigir não apenas a autarquia, apostando na colocação de quadros próprios à frente das principais organizações sociais e culturais enquanto tenta negociar com o Poder Central os candidatos aos cargos distritais.
É esta realidade que o surto de Covid-19 testemunhou em Reguengos de Monsaraz. Um reguengo do Partido Socialista. Assim, o presidente da Câmara, José Calixto, é, simultaneamente, o presidente da Fundação detentora do lar onde eclodiu o surto. Como os lares são tutelados pela Segurança Social, o PS conta com José Ramalho, antigo líder do partido em Estremoz, à frente do Centro Distrital da Segurança Social de Évora. Além disso, como o problema envolve a valência de saúde, nada melhor do que ter à frente da Administração Regional de Saúde do Alentejo, um antigo deputado do partido na Câmara do Alandroal, José Robalo, embora a sua nomeação inicial tivesse sido feita por outro partido.
Face ao exposto, percebe-se a razão de a ministra Ana Mendes Godinho não ter tido tempo para ler o relatório da Ordem dos Médicos e considerar não ser da sua competência encontrar responsáveis. Afinal, quaisquer que sejam as conclusões do inquérito do Ministério Público, a culpa não vai morrer solteira e arrastará consigo membros do PS. Por muito que António Costa manifeste publicamente confiança na ministra e defenda que quem trata dos assuntos sociais está acima da crítica. Ainda que o primeiro-ministro considere que não se pode confundir a árvore com a floresta. Aliás, um mau exemplo tendo em conta o passivo socialista relativamente aos incêndios.
Por agora, o surto neste reguengo socialista traduz-se em mais de meia centena de infetados e quase duas dezenas de mortos. Um passivo vergonhoso como já se murmura no partido do Largo do Rato. Em off, obviamente.