Esta semana a Comissão Europeia publicou a sua proposta para a primeira lei europeia sobre o clima, com o objetivo declarado de atingir a neutralidade climática da União Europeia (UE) até 2050. A longo prazo, isto implicará atingir em 2050 emissões líquidas nulas para a União Europeia no seu conjunto, principalmente através da redução das emissões, do investimento em tecnologias verdes e da proteção do ambiente natural. Esta proposta é essencial para consolidar a narrativa de ambição climática da UE, procurando fortalecer propostas europeias ambiciosas antes da próxima conferencia climática (COP26) em Glasgow no final deste ano.

A apresentação desta proposta marca os primeiros 100 dias de mandato da Comissão Europeia liderada por Ursula von der Leyen, e representa o cumprimento de uma das suas mais emblemáticas promessas eleitorais parte do Pacto Ecológico Europeu, projeto liderado pelo Vice-Presidente Executivo Frans Timmermans. Aliás, muitos consideram que esta foi uma das promessas que possibilitou a difícil aprovação de von den Leyen pelo Parlamento Europeu (apenas 9 votos acima do limite mínimo), pelo que agora havia a necessidade de demonstrar ambição e rapidez em apresentar as primeiras propostas nesta área.

Obviamente, e porque normalmente “depressa e bem, há pouco quem!”, a implementação desta proposta e a sua transformação em medidas intermédias concretas para 2030 está ainda dependente de um estudo de impacto aprofundado, a realizar pela Comissão até ao final do ano. Infelizmente, e isto começa já a ser prática generalizada na Comissão, os resultados deste estudo de impacto terão provavelmente de se conformar à ambição já apresentada publicamente, e se ajustar à mensagem política ambiciosa (principalmente por parte do Parlamento Europeu). No final do dia, é provável que os custos desta transição acelerada recaiam desproporcionalmente sobre os estados-membros menos ricos (sul e leste europeu), e levem a uma maior clivagem entre grupos de estados-membros com diferentes ambições. Aliás, enquanto metas mais ambiciosas são sempre bem-vindas, terão de ser baseadas em medidas concretas e orçamento ambicioso condizente (infelizmente, e dado que propostas para aumentar o orçamento comunitário não estão em cima da mesa de momento, este não parece ser o caso).

Cedendo ao populismo e à demagogia das Organizações Não Governamentais (ONGs) ambientalistas, que exigem sempre mais ambição em matéria de clima (e aumentam as suas próprias metas constantemente), von den Leyen convidou a ativista sueca Greta Thunberg para discursar na reunião do colégio de comissários que aprovou a proposta da lei do clima. O Parlamento Europeu seguiu este exemplo e também recebeu a ativista (apesar de oficialmente estar praticamente em “lockdown” por causa do COVID-19). A excessiva deferência demonstrada pela Comissão e pelo Parlamento à ativista sueca demonstra bem que a prioridade política em Bruxelas está em responder ao que entendem ser um apelo urgente da “sociedade civil”, e demonstrar a importância e liderança da União Europeia nesta matéria, e desconsiderando muitas vezes potenciais impactos económicos negativos.

A proposta da lei europeia para o clima vai agora ser agora discutida pelas instituições europeias seguindo o processo legislativo ordinário, que é longo e complexo. Este processo começa por discussões paralelas no Conselho da União Europeia (representantes dos estados-membros) e no Parlamento Europeu para chegarem às respetivas posições, seguido de negociações entre as duas instituições mediadas pela Comissão Europeia. Se a proposta legislativa for rejeitada em qualquer fase do processo, ou se as instituições não conseguirem chegar a um compromisso, a proposta não é adotada e o processo termina. Para aprovação da proposta em cada instituição será necessária maioria simples no Parlamento, e maioria qualificada no Conselho.

Até agora, o Conselho Europeu (chefes de estado e de governo) havia sempre decidido as metas climáticas por unanimidade, e sem a necessidade de participação formal do Parlamento Europeu. Isto levou a que pretensões de alguns estados-membros como a Polónia (que ainda depende excessivamente do carvão como fonte energética) fossem ouvidas e tidas em conta, e as ambições climáticas europeias consideravelmente mitigadas. Com esta proposta, e pela primeira vez, a Comissão Europeia empurra o processo decisório de metas climáticas das mãos dos chefes de estado para uma discussão mais abrangente, sem necessidade de manter a anterior unanimidade. Assim, abre-se a porta para o Parlamento Europeu, em regra mais ambicioso e por vezes desligado da realidade nacional (deputados europeus não têm de implementar legislação europeia a nível nacional…), poder batalhar para aumentar as metas europeias e acelerar a transição para uma economia menos dependente de combustíveis fosseis.

Não contentes com a substituição de um processo de unanimidade por um processo de maioria qualificada, a Comissão procura ainda ganhar mais poderes para rever as metas de emissões sem negociações prolongadas com os estados-membros. Assim, e para permitir revisões mais rápidas e evitar processos legislativos morosos, a proposta inclui a ideia de autorizar a Comissão a utilizar a figura do “ato delegado” para rever as metas climáticas da união a cada 5 anos. Esta proposta daria à Comissão o poder de tomar estas decisões apenas consultando especialistas nacionais, e uma proposta de revisão de metas entraria em vigor a não ser que uma maioria qualificada do Conselho ou do Parlamento Europeu se opusesse. Espera-se resistência por parte dos estados-membros (e também do Parlamento) em aceitar esta mudança de paradigma, e em aceitar dar à Comissão a autorização para decidir emitir atos delegados nesta matéria, pois na prática isto deixaria nas mãos da Comissão um poder extraordinário.

O processo legislativo da primeira lei europeia sobre o clima começa agora, e espera-se intensa pressão por parte do Parlamento e da Comissão (assim como de ONGs) para rapidamente concluir negociações e poder chegar ao COP26 com uma posição europeia ambiciosa. Veremos como é que os estados-membros irão responder a esta pressão e se irão facilmente abdicar de poderes que até agora lhes estavam reservados. De qualquer modo, e apesar desta proposta ser um importante primeiro elemento do Pacto Ecológico Europeu, mais importante será a sua implementação através em medidas concretas que possibilitem a efetiva descarbonização da economia europeia e o aumento do uso de renováveis em todos os setores económicos. Neste esforço de implementação ao nível nacional (bem mais importante do que eloquentes declarações políticas), é previsível que o impacto de ativistas como Greta Thunberg seja bem menos relevante.

Finalmente, e demonstrando como fatores externos podem ter um impacto muito maior na redução de emissões do que quaisquer apelos da sociedade civil ou medidas impostas a nível nacional ou europeu, os efeitos do COVID-19 começam-se a sentir na China, tendo já sido verificada uma redução nas emissões chinesas de 100 milhões de toneladas (o equivalente às emissões anuais do Chile) devido à redução de atividade industrial e fraco consumo de eletricidade. Enquanto se espera que uma pandemia à escala global não venha a acontecer, se tal se vier a verificar poderemos ter semelhantes efeitos em outras partes do mundo, e – sem querer – ajudar nas metas de redução de emissões. Infelizmente, porque estas reduções não são permanentes, mas meramente conjunturais, um posterior aumento na produção de iPhones, televisões ou carros rapidamente levará a novo aumento de emissões, e pouco ajudará na luta contra as alterações climáticas.