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A que estado chegou o Estado?

A primeira característica do nosso sistema fiscal é a sua complexidade. Aí mora o 1.º grande incentivo dado pelo Estado: estar quieto, ganhar pouco, não inovar nem inventar. Quem se mexe, trabalha fora da caixa, inova, poupa e investe, enfrenta uma aberração burocrática e legislativa.
6 Agosto 2019, 07h15

Pagamos impostos por consumirmos o que consumimos, por fazermos o que fazemos, por sermos quem somos, e por termos o que temos. E em troca, o que nos dá o Estado? Vamos por partes.

A primeira característica do nosso sistema fiscal é a sua complexidade. Aí mora o 1.º grande incentivo dado pelo Estado: estar quieto, ganhar pouco, não inovar nem inventar. Quem se mexe, trabalha fora da caixa, inova, poupa e investe, enfrenta uma aberração burocrática e legislativa.

Vamos fazer aqui um exercício simplificado para contornar esta aberração de forma a que o exercício seja facilmente compreensível. Vamos considerar a Maria, com 50 anos, funcionária pública, divorciada e sem filhos. Fez mestrado e, talvez por isso, tem um emprego onde ganha relativamente bem: 3 000€ por mês. O “relativamente” é porque em termos europeus ganha razoavelmente mal, já que está abaixo do salário médio da Dinamarca. Paga por mês 900€ de IRS, 350€ de Segurança Social, e como não tem seguro de saúde, opta por ter ADSE, pagando 100€. Do salário bruto de 3 000€ pingam apenas 1 650€ na conta, o seu salário líquido. Num mês típico gasta 1 200€ em bens e serviços (restauração, mercearias, transportes, cabeleireiros, etc.), dos quais 200€ são IVA. Ainda gasta mais 200€ em água, gás, eletricidade e internet, dos quais 50€ são IVA, taxas e taxinhas. O seu pé de meia rendeu-lhe 180€ de juros, dos quais 50€ foram para o IRS.

Pois bem, mesmo deixando de lado algum IMI, Imposto de Selo, IMT, ISV ou IUC, a Maria entrega 1 650€ mensais ao Estado, ou seja, mais de metade do que ganha. O que lhe dá em troca o Estado?

Quando precisou ser operada ficou 4 meses à espera. Queria fazer um MBA ou um doutoramento, mas na sua área só há em Lisboa, Porto e Coimbra, teria de mudar de residência e deixar o emprego, o que esteve sempre fora de hipótese. O jardim do seu bairro está cheio de lixo e mato, até tem medo de lá ir. Quase todos os anos assiste a incêndios para os quais não houve uma prevenção adequada. Para ir trabalhar tem de apanhar 2 autocarros, e muitas vezes tem de ir em pé. Quando quer ir dar um mergulho no mar evita ir à praia mais próxima, pois lá frequentemente a água está poluída. Está farta de ver notícias sobre investigações que duram anos sem fim e sobre governantes e autarcas que querem saber mais do clientelismo do que do bom uso dos recursos públicos ao serviço das populações. Uma vez perdeu um concurso para um cargo público porque pessoas com menos qualificações, mas com mais militância em certos partidos políticos, passaram à frente.

A Maria tem amigas emigradas, na Europa e na Ásia, que lhe dizem que lá o talento é mais reconhecido, não gostam de bajulices, pagam menos impostos e têm melhores serviços públicos. Porque será? Talvez porque haja uma diferença entre um Estado forte e um Estado grande. Um Estado forte define muito bem as suas funções e executa-as com eficácia e eficiência. Foca-se no essencial das suas funções, estrutura-se de forma tão leve quanto possível. Um estado grande quer controlar tudo, dar tudo a todos, estar presente em todo o lado, fazer tudo. Acaba criando uma rede tentacular de burocracias excessivas e clientelismos, retira liberdade de escolha aos cidadãos, gera demasiadas dependências, perde eficácia nas funções básicas do Estado, torna-se ineficiente no uso do dinheiro ganho com trabalho pelas famílias.

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