O que de mais relevante foi alterado com a recente revisão da lei da Segurança Privada?
O processo de revisão legislativa teve, por vontade governamental, uma alargada consulta a múltiplas entidades com responsabilidade neste sector. Este facto, per se, gerou maior consenso quanto ao que carecia de ser alterado. Como elementos mais expressivos da presente revisão podemos destacar a clarificação de conceitos, nomeadamente sobre a intervenção da segurança privada em espaços privados ou públicos mas vedados/limitados fisicamente, em contraposição com o exercício da segurança pública em espaços públicos, evitando sobreposições perniciosas que confundam o público e que não contribuam para reforçar o sentimento de segurança.
Deixa de ser necessária a entrega do cartão profissional quando o segurança privado não se encontra vinculado a nenhuma empresa, facto que veio simplificar todos os procedimentos administrativos e burocráticos levados a cabo pelas empresas e pelos próprios profissionais, responsabilizando ainda de forma mais vincada os próprios profissionais pelo uso adequado do título profissional quando não se encontram vinculados a nenhuma empresa de segurança privada, condição necessária para o exercício da profissão.
Outra das grandes alterações foi a harmonização dos regimes legais da violência no desporto e o da segurança aeroportuária com o da segurança privada, repondo-se, novamente, neste último regime, a possibilidade de realização de revistas intrusivas que tinha ficado afastada após a publicação da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio.
Reformulam-se os requisitos de acesso à atividade, repondo-se a integral constitucionalidade do artigo 22.º e acrescendo-se uma possibilidade de, subsidiariamente, se proceder a uma verificação de idoneidade.
Em relação às condutas de empresas, profissionais e terceiros, endurecem-se as proibições previstas no artigo 5.º e acresce um novo normativo, 5.º A, por intermédio do qual se proíbem as práticas comerciais desleais. Atribui-se o relevo já merecido às entidades que procedem ao estudo, conceção, instalação e manutenção de material e equipamento de segurança, individualizando-se a sua atividade. Prevê-se a possibilidade de responsabilização das entidades contratantes de serviços de segurança por incumprimento das obrigações laborais ou contributivas e por eventuais factos ilícitos praticados pelas empresas contratadas.
Muitas outras alterações, cirúrgicas e menos notórias mas com efeitos significativos, foram introduzidas, permitindo-nos afirmar, com alguma convicção, que iremos ter melhorias substanciais na realidade da segurança privada em Portugal.
As empresas de Segurança Privada têm ganho credibilidade?
Estamos em crer que sim. A realidade da segurança privada em Portugal já fez um significativo caminho, com sobressaltos, com muitos desafios, cometendo erros, corrigindo-os, mas, quer as empresas, quer os profissionais, quer a própria administração têm mantido um percurso de maturidade, evoluindo no sentido de fazer mais e melhor. Não podemos escamotear que há empresas melhores e outras piores, mas a evolução da tecnologia, a facilidade de acesso à informação, os novos agrupamentos profissionais, os diferentes fóruns onde se discutem abertamente comportamentos menos adequados, têm amplamente servido para uma melhor avaliação critica que “obriga” à mudança de comportamentos e projecta uma maior credibilização do sector empresarial.
No entanto, deixo a nota que, infelizmente, ainda subsistem práticas comerciais que marcam muito negativamente este setor económico.
Dentro do sistema de segurança de pessoas e bens no país, como qualifica o trabalho desenvolvido pelas empresas de segurança privada?
Essa é uma excelente questão. Permite esclarecer aquilo que temos vindo a dizer e que é fundamental vivenciar em termos de mudança – cultura de segurança.
Em termos genéricos poderemos considerar que o trabalho desenvolvido pelas empresas de segurança e, convém sempre salientar, pelos seus profissionais, tem sido bom, mas há ainda espaço de melhoria. Para tal bastaria que se equilibrasse melhor, nos pratos da balança, o interesse económico, os objetivos comerciais das empresas, com a cultura de segurança e prestação de serviço de interesse público.
A segurança privada é um negócio, destina-se a promover a segurança de privados, mas a sua ação tem de projetar-se e auxiliar na criação de maior sentimento de segurança coletiva.
A questão da segurança privada da noite está resolvida?
Gostaria de aproveitar a oportunidade para desmistificar um pouco esta questão da “segurança privada da noite”. A segurança privada está presente na noite, quer na atividade de vigilância de espaços comerciais e industriais, que estão sem atividade noturna, quer nos festivais/espetáculos, quer nas centrais recetoras de alarmes, quer na segurança dos espaços de diversão noturna.
E é precisamente nesta última franja da atividade que os profissionais de segurança, com especial enfoque para os denominados segurança-porteiros, estão mais expostos a fatores de risco e de conflito, nomeadamente pela quantidade de pessoas, pela descontração das mesmas, pelos efeitos dos consumos excessivos de bebidas alcoólicas ou outras substâncias intoxicantes. Por esse motivo é, inevitavelmente, das atividades mais escrutinadas e expostas.
No entanto, são estes profissionais que, a título de mero exemplo e sem prejuízo de outras competências constantes do seu conteúdo funcional legalmente determinado, impedem um indivíduo alterado de entrar no espaço e provocar problemas de maior ou, simplesmente, impedem que armas e outros objetos sejam introduzidos em espaços que se pretendem seguros, contribuindo deste modo para que os espaços que se reputam de diversão o sejam efetivamente.
Nem tudo são “rosas” e, como em todo lado, existem bons e maus profissionais, profissionais conscientes dos seus limites e obrigações e, por outro lado, ditos “profissionais” que, simplesmente e sem mais, o não são.
O Estado também tem feito um esforço para limitar comportamentos inadequados e abusivos, e colmatar deficiências no que à segurança dos espaços noturnos respeita, basta olharmos para as alterações recentemente introduzidas ao Decreto-lei n.º 135/2014, de 8 de setembro, alterado e republicado pela Lei n.º 35/2019, de 24 de maio.
O nível de formação dos colaboradores é suficiente ou faz sentido reforçá-lo?
Faz sempre sentido reforçar a formação, nem que seja na ótica de atualização. A formação deve ser um processo contínuo, especialmente numa área que lida com direitos fundamentais dos cidadãos e com a possibilidade de restrição a esses mesmos direitos.
Os profissionais de segurança privada têm que conhecer as alterações legislativas sucessivamente operadas, em especial nas áreas jurídica e técnica, sob pena de não estarem a prestar um serviço adequado ou, por vezes, até legal. As empresas de formação têm ganho também maturidade. Algumas têm apostado na qualidade dos seus formadores e têm também sabido aprimorar a qualidade da formação.
Mas ainda há bastante para fazer nesta matéria. Estamos em crer que, num futuro próximo, com a sujeição dos profissionais da segurança privada a exames a realizar na plataforma eletrónica da PSP, conseguiremos dar o passo decisivo na exigência profissional que faltava e, ao mesmo tempo, garantir maior uniformidade de conteúdos formativos e graus de conhecimento.
O setor continua a afirmar que tem pouca mão de obra qualificada. Que especializações fazem sentido para diversificar esta indústria?
Não cremos que haja especializações em falta e que limite a diversificação da indústria. Pelo contrário, estamos em crer que há especializações a mais.
Efetivamente, e é do conhecimento público, a atividade profissional de segurança privada é pouco atrativa em termos remuneratórios, e isso faz com que a permanência de elementos qualificados neste setor não seja perene.
Não é despiciendo o esforço que associações empresariais como a Associação das Empresas de Segurança (AES) ou a Associação Nacional das Empresas de Segurança (AESIRF) estão a fazer no sentido de promoverem uma maior segurança financeira que permita reter mão de obra mais qualificada.
Para as empresas do setor o tema mais importante é a contração com preços abaixo do custo. Reivindicam inspeções e afirmam que as inspeções envolvendo a ACT, as Finanças e a PSP são poucas e direcionadas para as empresas grandes. Qual o seu comentário?
O Departamento de Segurança Privada da PSP possui equipas de inspeção e fiscalização que exercem esta competência a nível nacional com elevado empenho e exigência. São equipas experimentadas, conhecedoras e altamente qualificadas. Por esse motivo a sua ação não se limita à verificação e inspeção das irregularidades relativas à legislação de segurança privada.
Estas equipas fazem fiscalizações de carácter multidisciplinar, fiscalizando matérias da responsabilidade de outras entidades como a Autoridade para as Condições do Trabalho, a Segurança Social, a Autoridade Tributária. São inúmeros os autos levantados por infrações da responsabilidade de terceiros e que são enviados para as respectivas entidades. Também desenvolvem processos simplificados de verificação de ilícitos criminais, lançando bases que alavancam muito do esforço subsequente da Polícia Judiciária – entidade que possui a competência de investigação dos crimes de segurança privada – na obtenção de prova e condução dos processos.
O Departamento promove, recorrentemente, ações de fiscalização em parceria com outras entidades e, normalmente, desenvolve estas iniciativas baseando a sua decisão num processo de análise de risco e avaliação das denúncias e reclamações apresentadas em sede do Sistema Integrado de Gestão de Segurança Privada (SIGeSP), ou por outros meios, não havendo qualquer diferenciação de tratamento em função do critério da dimensão da empresa visada. O Departamento não exclui nenhuma empresa, nenhum profissional, nenhuma atividade ou evento, ligado à segurança privada, do espectro da sua intervenção.
O Observatório da Segurança Privada fala na necessidade de inspeções inteligentes com as várias entidades públicas. O que é que isso pode significar do lado da DSP-PSP?
O Departamento já está, desde há algum tempo a esta parte, a trabalhar com a Segurança Social e a Autoridade Tributária no sentido de ligarmos os sistemas de informação. Atualmente, com a crescente informatização dos organismos que integram a administração pública, os diferentes sistemas de informação só precisam de regras para se corresponderem e responderem automaticamente às necessidades de fiscalização.
Pese embora pareça simples, estes processos de interconexão carecem de conhecimento de como os diferentes sistemas operam, por forma a desenhar o modo de implementação do intercâmbio informacional, sempre em estrito respeito pelas regras referentes à proteção de dados.
Encontrando-se estas ferramentas implementadas a chamada “fiscalização inteligente” tornar-se-á automática e trará uma maior eficiência à ação inspetiva das diferentes entidades, promovendo, consequentemente, uma maior credibilização do sector.
A segurança eletrónica está suficientemente regulamentada?
A segurança eletrónica nunca estará suficientemente regulamentada porquanto a evolução tecnológica é tão galopante que dificilmente se poderá pensar como prevenir, quanto mais como regular.
É uma matéria que deverá estar sempre no centro das atenções, uma vez que nesta sociedade de informação todo o conhecimento está dependente da sustentabilidade dos sistemas eletrónicos de informação, pelo que a cibersegurança deverá ser uma constante e transversal preocupação de todos os operadores desta área, com particular enfoque para as empresas de segurança privada.
Com a entrada da indústria da segurança privada na era da tecnologia, caso da utilização da Inteligência Artificial, que modificações terão de existir a nível de inspeções por parte da PSP?
Formação, adaptação, desenvolvimento das capacidades e conhecimentos do efetivo policial, em especial das equipas que promovem as ações inspetivas.
Sempre que haja evoluções e alterações, seja ao nível da legislação, seja ao nível tecnológico e científico, a PSP e o DSP têm de acompanhar essas evoluções e preparar o seu efetivo para melhor compreender e conhecer a fundo estas realidades. O exemplo que demos sobre a ligação dos sistemas entre diferentes entidades inspetivas constitui um caso paradigmático de que estamos no bom caminho para nos anteciparmos, provavelmente muito pouco, à era tecnológica.
Também teremos que possuir ferramentas tecnológicas que nos permitam fazer as leituras inteligentes dos sistemas tecnológicos de IA das diferentes empresas.
Este passo também está a ser considerado pelo Departamento, nomeadamente através de ações de benchmark com diferentes empresas e entidades.
E numa futura indústria de menos homens e mais máquinas os perigos passam a ser diferentes. Como irá o futuro regulador antecipar e depois controlar as violações das regras?
Muita máquina e pouca componente humana determinarão menos violações às regras. O homem – atenta a sua inerente condição imperfeita – é o único capaz de contornar as normas e de violar as regras de forma consciente e dolosa. Sinceramente, e se estamos a projetar o futuro, não consigo ver uma indústria sem a intervenção humana. As máquinas podem fazer a maioria das tarefas do ser humano mas nunca substituirão a sua emoção, imprevisibilidade ou o que de mais intrínseco tem a sua génese – o seu humanismo. Não há futuro sem seres humanos.
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