Não sabemos exactamente quais os contornos futuros do teletrabalho, na sequência da pandemia. Tornar-se-á o novo normal, como agora se diz, ou apenas se desenvolverá massivamente?

Uma empresa francesa de recrutamento, via internet, com base num inquérito aos seus utilizadores pessoais e profissionais, traça-nos um cenário de uma Susana, trabalhadora convertida de modo permanente ao teletrabalho, perseguida pela falta de exercício físico e de interacções sociais. Movimentando-se quase que em exclusivo entre a cama e o local adaptado a escritório caseiro.

Mês após mês, esta ausência de exercício cobra o seu preço e a obesidade surge como corolário. Má postura corporal com cifose cervical e dores lombares crónicas são outras das exteriorizações na Susana. Olhos vermelhos e lágrima seca, fruto da exposição permanente ao écran, consequências indesejáveis. Finalmente, pela falta de luz solar, a perda de cabelo agrava-se.

Se a DirectApply é apocalíptica (ou realista?), outros traçam uma visão alternativa muito mais optimista. Menos pressão sobre os trabalhadores, mais tempo para acompanhar os filhos menores e menos sentimento de culpa, mais oportunidade de exercício físico.

Provavelmente a realidade situar-se-á algures entre as duas visões. Mas, mais importante, é que dada a natureza social dos seres humanos, trabalhadores ou não, uma coexistência entre teletrabalho e presença física, com dias ou semanas dedicadas a um e a outro, parece poder prevenir perigos e potenciar vantagens.

O regime legal do teletrabalho está previsto no Código de Trabalho (artigos 165.º a 171.º), tratando-se de uma forma de trabalho que, antes da pandemia, era perfeitamente excepcional e pouco conhecida das empresas e trabalhadores. A realidade é dinâmica e tudo mudou em poucos meses.

Nesta medida, consideramos que os princípios e normas regulamentadoras do teletrabalho devem ser consolidadas nas convenções colectivas de cada sector de actividade, as quais permitem adaptar e melhorar o regime legal, tendo em devida consideração as especificidades de cada sector, das empresas e dos respectivos trabalhadores.

Perante a nova realidade e generalização do teletrabalho, importa antecipar e até motivar a evolução legislativa que venha a ocorrer e regular em convenção colectiva o direito à desconexão, a definição de locais de trabalho, a conciliação da vida profissional e pessoal, entre outras matérias que se mostrem relevantes, sabendo assim aproveitar, no bom sentido da expressão, a experiência dos últimos meses.

Reforçar o princípio da igualdade de tratamento entre teletrabalho e trabalho presencial, nas convenções colectivas, nomeadamente quanto às condições retributivas, carreira e formação profissional, deverá ser uma prioridade dos sindicatos.

Uma abordagem ponderada, equilibrando o trabalho remoto com o presencial, parece ser mais consentânea com a dignidade humana, ao mesmo tempo que fecha a porta a radicalismos e a experiências nunca tentadas, que tendem sempre a causar o enfraquecimento do vínculo laboral e a desproteção dos trabalhadores. Daqui até à ‘uberização’ das relações de trabalho, vai apenas um pequeno passo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.