1. Rui Moreira. Autarcas do Norte. Camaradas da ‘geringonça’. António Costa. Marcelo Rebelo de Sousa. Até Rui Rio! A TAP está cercada pelos lobbies e pelo ‘interesse nacional’, uma santa aliança que pretende voltar a determinar a política da empresa e as rotas dos seus aviões. Esta é a imagem do que a TAP poderá voltar a ser rapidamente: uma marioneta nas mãos das oligarquias de Governo, partidos e regiões. Todos vão procurar ter uma palavra a dizer na estratégia. Pelo meio, terão igualmente ótimas sugestões para gestores e novos funcionários da companhia.

O racional será o interesse do Estado, decretado com gravidade à hora dos telejornais, a reboque do mote já dado pelo ministro Pedro Nuno Santos com a bênção do PCP e do BE. A discussão política prosseguirá por aí com emocionantes ‘debates’ em que alguns autoproclamados ‘homens de esquerda’, bem conhecidos mamões do Estado que temos, se erguerão contra os malditos defensores do liberalismo económico e da liberdade das empresas responderem com lógica aos estímulos do mercado. A nossa atual ‘elite’ política é assim: chapéu na mão em Bruxelas, de onde o dinheiro da União deve vir e muito, sobretudo a fundo perdido, claro, mas por cá os apoios do Estado às empresas sempre negociados ‘à holandesa’. Interessante dualidade.

2. No plano teórico, eu também já fui apoiante de uma companhia de bandeira. O país, pequeno, com uma forte diáspora e interesses estratégicos em vários continentes, precisa de um elo de ligação entre os falantes da língua. No triângulo definido por África austral, Américas e Europa, Portugal deve ser um hub importante, a porta de entrada no mercado da UE. Esta visão é largamente maioritária entre nós.  As divergências ‘apenas’ começam na forma de consumar a gestão da empreitada. O Estado já demonstrou no passado o que é capaz de fazer: prejuízos continuados, incapacidade de renovar a frota.

Infelizmente, a privatização parcial também não correu muito bem – prejuízos de 105,6 milhões de euros em 2019, uma melhoria de 12,4 milhões de euros face às perdas de 118 milhões registadas em 2018 – e a Covid-19 (95% dos aviões em terra e 90% dos trabalhadores em casa) trouxe-nos quase ao ponto de partida. E digo quase porque será miopia não reconhecer a modernização da frota e, até, o crescimento da dimensão da TAP. Além do mais, é preciso fazer notar que, na privatização envergonhada que o primeiro governo de António Costa, o da ‘geringonça’, acabou por permitir, o capital da TAP ficou pertença apenas em 45% dos privados da Atlantic Gateway, que assegura a gestão. Os trabalhadores tiveram acesso a 5%. O PS reverteu a intenção do governo anterior, do PSD/CDS, no processo então em curso e guardou metade da empresa (50%) no bolso do Estado.

3. A TAP vai precisar urgentemente de capital, 350 milhões de euros, para continuar a funcionar, mas a questão agora é sobretudo política. Num país de empreendedores, seria normal que o Estado, num momento destes, ajudasse sem querer voltar a tomar contra da empresa, estabelecendo regras e contrapartidas de reembolso. É isso que vai fazer, com diferentes mecanismos, em outros setores. Na TAP vários modelos em cima da mesa. A maioria permite ao Governo participar no processo sem querer meter de novo a companhia na esfera pública. Garantir o empréstimo seria sempre menos do que faz no Novo Banco, por exemplo. Mas ainda há várias outras soluções, até o aumento de capital.

O que deveria estar fora de questão seria o regresso da TAP ao controlo total do Estado, um doloroso eufemismo para a voracidade das famílias instaladas nos partidos. Quando Rui Rio, instado pela tática em detrimento da estratégia, coloca o homem do Norte que traz dentro de si também a dar palpites ao lado dos outros todos, não tenhamos muita esperança em continuar a ver a TAP a ser gerida como uma empresa. A CGD vai ter companhia. O contribuinte pagará apetites e desmandos vários até um dia a vergonha voltar. Para além de evidente e pindérico, tudo isto é muito cansativo.