Celebrámos há duas semanas o Dia da Europa e dentro em pouco teremos as eleições europeias. Aproveitemos então esta oportunidade singular para falar sobre a Europa. Até por uma questão de formação académica, gostava de falar de todas as vantagens da pertença a um espaço tão sublime e original como a Europa Comunitária, e da forma como a permanente construção desta firma, ainda que nem sempre de forma escorreita, é um rotundo sucesso, permitindo que 508 milhões de indivíduos gozem de um nível de vida, paz, proteção e cultura como nunca existiu na história da humanidade. Nunca!
Não obstante, não sou indiferente ao elemento mais tangível aos cidadãos, nem ignoro o debate que se vai fazendo no espaço público. Ambos privilegiam a mensuração dos fundos, e a qualidade da sua aplicação, como exemplo mais visível da pertença europeia. Sendo uma visão redutora não deixo, contudo, de esboçar um sorriso ao lembrar-me de um episódio que me foi relatado pelo inigualável prof. Virgílio Pereira e que é a ilustração plena daquilo que referi.
Contava o prof. Virgílio que, nos primórdios da nossa adesão, e numa chegada à Madeira proveniente de Bruxelas onde nos representava enquanto deputado, foi abordado por um popular que de forma ansiosa apontava para uma pequena pochete, onde o histórico social-democrata trazia os seus artigos pessoais. Questionava o cidadão com um indisfarçável brilho nos olhos: “ Prof. Virgílio, traz nessa malinha o dinheirinho da Europa p’rá gente?!”.
Posto isto, e embora a perceção pública sobre estes temas tenha, felizmente, melhorado de forma significativa, é inescapável falar sobre os fundos. E falando nestes, recordo as palavra que um psicólogo de referência, recentemente regressado da Venezuela, me dizia no último domingo, aquando da belíssima celebração do dia das mães venezuelanas: “Na política, mais do que os factos valem as perceções”.
E tem existido a tentativa de empurrar a aplicação dos fundos para a prioridade do betão. Logo nesta janela orçamental plurianual onde essa prioridade é negativa. É neste exemplos que percebemos o discurso estéril de quem quer fazer oposição, ou mesmo constituir-se alternativa. Pura e simplesmente não é verdade.
Vivemos um momento em que existe um esforço notável na diversificação da nossa economia, em que é justo destacar o trabalho realizado na “Economia do Mar”. Este jargão, utilizado incessantemente nas últimas décadas pelo país inteiro sem nunca ninguém perceber como executá-lo, assiste a uma concretização do mesmo no profundo trabalho de investigação e conhecimento que tem vindo a ser desenvolvido em matéria de aproveitamento das valências da aquicultura offshore, matéria na qual somos já uma referência europeia. Isto para lá da espuma das localizações, onde ainda é difícil distinguir os legítimos defensores da paisagem dos oportunistas de ocasião.
Ainda no domínio da inovação, os fundos têm servido para que nos tornemos hoje numa referência de reação a fenómenos de emergência, quer devido a causas naturais, quer humanas. Todo o investimento feito na proteção civil e no socorro, mas também na deteção precoce de riscos de incêndio e aluvião, faz com que sejamos vistos lá fora como uma região de vanguarda, recebendo amiúde técnicos do centro da Europa “civilizada” para beber da nossa experiência. E é pura e simplesmente miserável intelectualmente, desculpando-me por não encontrar um eufemismo, reduzir-se o discurso político a frases feitas e a caricaturas.
Mesmo nas intervenções que implicam “betão”, e falando da maior delas, que nos permitirá uma autonomia energética na ordem dos 40%, teremos uma regeneração de 28 hectares de espaço arbóreo, implicando uma plantação de 23 mil plantas. Falo, naturalmente, do complexo que incorpora a Central Elétrica Calheta III e a barragem do Pico da Urze. Só a desonestidade política, ou a ignorância pura e simples, pode pegar em imagens de uma obra na sua fase esventral, e alegar que a mesma não terá brutais vantagens, a maior das quais ambiental.
Mas o impacto social dos fundos mede-se, principalmente nas medidas de fomento ao emprego e de combate à inatividade laboral. Esclareça-se que, na sociedades evoluídas, o emprego constrói-se através da iniciativa privada. Daí que o governo privilegie, naturalmente, os incentivos às empresas, que libertarão o seu potencial, abrindo espaço à criação de postos de trabalho.
É fundamental perceber que estão cerca de 130 milhões de euros, entre FEDER e verbas próprias, envolvidos no apoio a cerca de 3.000 empresas, quase metade para criação de novas unidades, e fatia ligeiramente superior para ajudar ao funcionamento de outras que, num mercado fortemente condicionado como o nosso, têm neste instrumento um importante apoio. Mas igualmente a aplicação do Fundo Social Europeu, ferramenta indispensável para capacitar os nossos trabalhadores e garantir a sua reintegração em ambiente ou mesmo no mercado de trabalho, tem tido taxas altíssimas de sucesso.
Com um grau de compromisso na ordem dos 90%, este fundo já garantiu 539 novos postos de trabalho correspondentes a 311 projetos de criação do próprio emprego. Também os incentivos à contratação permitiram que quase 3.000 pessoas ficassem empregadas. Não foi só o desemprego que diminuiu, quando sazonalmente costuma aumentar. Os valores de população activa são verdadeiramente surpreendentes, num misto de empenho entre a criação de condições para libertação do potencial económico por parte do Governo, e o engenho do madeirense em dar a volta por cima.
Mesmo os programas ocupacionais, tantas vezes incompreendidos, foram uma almofada importante numa altura em que a intervenção externa inibia o acesso ao emprego público. Tiveram e têm uma componente social insubstituível, permitindo até a abertura de necessidades de serviço, indispensáveis em termos de hipotética contratação. Além de algum acrescento em termos de apoio. Não o ideal, mas o possível.
Se estes programas fossem tão maus, como alguns apregoam, por que razão o volume de candidaturas é tão grande? Recorde-se que os beneficiários de segunda linha, as instituições, incluem não apenas o Governo mas também as Câmaras e entidades sem fins lucrativos. De tal modo que a Madeira pediu reforço do FSE no último ano, o que mais uma vez não foi diferido por Lisboa, tendo o Governo de socorrer-se de fundos próprios para cumprir as expetativas de todos aqueles que, numa situação social ou etariamente mais frágil, pretendem abandonar as franjas do absentismo involuntário.
Como se vê, a retórica do betão está gasta, enjoa. Ainda que o investimento desta natureza continue a ser necessário, também porque tem enorme impacto na economia e no emprego.
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