Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio
Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo
Artigo 11º.
Restrições de utilidade pública
1. Sem prejuízo da definição do regime de uso do solo pelos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal, para a prossecução de finalidades genéricas de interesse público relativas à política pública de solos, podem ser estabelecidas, por lei, restrições de utilidade pública ao conteúdo do direito de propriedade, prevalecendo sobre as demais disposições de regime de uso do solo.
Sendo a propriedade privada objecto de protecção constitucional, não se compreenderia, no entanto, que o seu pleno uso e fruição não pudessem ser condicionados por razões de interesse público, ou, melhor, de interesse colectivo.
Aliás, talvez o mais antigo instrumento público de intervenção sobre a propriedade privada, com origem no Direito Romano – o direito de alinhamento que ainda hoje se mantém -, seja um bom e consolidado exemplo de limitação ao direito de propriedade por razões de interesse público.
A realidade assumiu, entretanto, novas complexidades às quais importa dar resposta.
Todos os anos são impermeabilizados milhares de hectares com construções novas. Todos os anos milhares de hectares de territórios urbanos consolidados são abandonados. Bem sabemos que as sucessivas leis do arrendamento urbano foram fazendo solidariedade social à custa dos proprietários urbanos e que isso não tem ajudado. Também sabemos que hoje temos senhorios mais empobrecidos que os inquilinos.
Mas há uma realidade que não podemos ignorar.
Portugal não tem recursos económicos nem financeiros para se permitir perpetuar situações de abandono os seus activos, sobretudo dos imobiliários. Dissemo-lo no último artigo sobre propriedade rústica, dizemo-lo, agora, sobre a propriedade urbana. É pouco razoável que seja autorizada a utilização de solos virgens para construção urbana, quando há milhares de metros quadrados de solos ocupados com casas degradadas, devolutas e abandonadas.
Alguém faz contas ao investimento em novas redes de esgotos, água, electricidade, estradas, escolas, centros de saúde para satisfazer as novas urbanizações? E não será mais barato recuperar as casas que já estão servidas de todas aquelas infra-estruturas? Podemos não ser um país muito organizado. Parece, no entanto, que a Autoridade Tributária e Aduaneira é, neste particular, um certo oásis.
A nossa Administração Fiscal, para além de cobrar os desproporcionados impostos que a lei lhe manda cobrar, talvez devesse receber instruções para apurar, pelo menos, o seguinte:
- Se em todos os artigos matriciais os proprietários que neles constam, são os proprietários efectivos;
- Se, nos termos da lei, as compropriedades existentes são, ou não, passíveis de serem objecto de divisão;
- Determinar quantos os imóveis atribuídos a heranças indivisas, fixando-se um prazo de três anos para colocar termo a estas situações;
- Notificar todos os proprietários de todos os prédios para que estes informem se confirmam a propriedade de cada imóvel e que uso dão a cada um;
- Notificar os proprietários para que estes digam se estão disponíveis para alienar imóveis de que sejam titulares, permutá-los com outros, ou adquirir imóveis que confinem com os seus;
- Admitindo que muitos dos proprietários não vão responder, muitos deles porque indetectáveis, importa encontrar um “mecanismo de saída “que pode passar pela alienação forçada dos imóveis.
Portugal não pode continuar a abdicar de um dos seus principais activos – o património imobiliário. A sua relevância nacional vai para além do respeito pela propriedade privada absentista. Temos todos que interiorizar que ao conceito de propriedade está imanente a sua exploração e consequente colocação ao serviço da sociedade.
É altura de pensarmos que a propriedade só nos é confiada para que dela tomemos conta enquanto andamos neste mundo e que ser proprietário não é um benefício, é uma responsabilidade.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.