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Abrandamento no turismo preocupa grupos hoteleiros

Ao peso dos números e das análises sobre os resultados do setor no último ano, juntam-se as vozes apreensivas de alguns empresários. Ainda assim, parece reinar o otimismo.
23 Agosto 2019, 09h17

A performance assinável do turismo nacional, repleta de recordes e distinções internacionais, nos últimos anos, enfrenta hoje algumas condicionantes que podem trazer, já no próximo ano, uma realidade menos feliz e de forte impacto na economia portuguesa.

Em jeito de balde de água fria, num verão pouco quente que em nada tem ajudado os resultados deste ano, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou os números do setor referentes a 2018, os quais, comparados com os do ano anterior, espelham um claro abrandamento da trajetória ascendente.

Particularmente na atividade do setor do alojamento turístico, evidencia-se, desde logo, o número de hóspedes que totalizou 25,2 milhões, num aumento de 5,1%, bem como as dormidas que atingiram 67,7 milhões, num crescimento de 3,1%. Contudo, em 2017, estes aumentos foram de 12,9% e 10,8%, respetivamente. Se por um lado, o mercado interno assegurou 19,9 milhões de dormidas (29,4% do total) e evidenciou um aumento de 6,5% em 2018, quando no ano anterior havia crescido 7,3%, as dormidas dos mercados externos (70,6% do total) registaram um crescimento significativamente inferior de 1,8%, após um impulso de 12,2% no ano precedente, tendo atingido os 47,8 milhões.

Conscientes de que o ritmo de evolução perdeu parte do seu fulgor, os empresários do setor, protagonistas de avultados investimentos, dão sinais da mudança e já apontam alterações para este ano.

Para José Theotónio, CEO do Pestana Hotel Group, os dois últimos anos “foram os melhores de sempre na hotelaria em Portugal”. Ao Jornal Económico, o responsável dá nota de que alguns destinos vivem um período de estagnação: “Lisboa (muito por culpa do estrangulamento do aeroporto) e o Algarve pelo aumento da concorrência de outros destinos; existem ainda reduções no destino Madeira pela falência de companhias aéreas importantes para o transporte de turistas alemães e ingleses (na região da Madeira as ligações aéreas são determinantes para a evolução do turismo); e crescimentos no Porto e nos Açores, com o crescimento da procura no Porto e região Norte a um ritmo inferior ao crescimento da oferta (novas unidades quer hoteleiras quer de alojamento local) o que reduz as taxas de ocupação médias”, remata.

Apesar de considerar que, em termos gerais, 2019 será um ano menos favorável que os dois últimos anos, não deixa de ressalvar que se tratam de “abrandamentos sobre o melhor período do turismo nacional”. Porém, acrescenta, “trata-se de um sinal de que a parte alta do ciclo se está a esgotar e todos nós que estamos no setor sabemos que esta atividade é cíclica”.

Corroborando esta leitura de abrandamento para 2019, o CEO do grupo NAU Hotels & Resorts, Mário Azevedo Ferreira coloca ainda a possibilidade de o setor enfrentar mesmo um decréscimo. Em seu entender, se, por um lado, o peso dos mercados tradicionais (Reino Unido, Alemanha, Holanda e França) deverá diminuir, por outro, o aumento dos mercados do Brasil, USA, e outros, não deverá ser suficiente. Contudo, considera que as dormidas de portugueses, em especial no Algarve, irão aumentar.

Tendo que gerir fatores determinantes como a concorrência de outros destinos, aumento da oferta (novos hotéis, alojamento local), sensibilidade ao preço, redução da oferta de transporte aéreo, o setor, em sua opinião, vem de vários anos de crescimentos muito sensíveis, quer na ocupação, quer no preço, mas, sobretudo, no preço. “Em 2018, o setor registou um abrandamento mas ainda cresceu um pouco. Em 2019, prevemos que se registe um primeiro ano de efetivas reduções de ocupação e de preço, mas não serão muito significativas. Pode, no entanto, estar a revelar-se uma inversão de ciclo”, sublinha o responsável. A confirmar-se, defende, terá impactos no investimento, originando adiamento de decisões de novos hotéis ou de aquisições, bem como nos resultados das empresas com impacto nos impostos (IVA e IRC). Ainda assim, não perspetiva qualquer impacto no emprego.

O empresário apela a uma união de esforços por parte das empresas, associações empresariais, entidades de promoção regional e do Estado, a fim de estagnar a redução e inverter este ciclo e afirma que “tudo pode piorar muito, na eventualidade de um Brexit descontrolado, recessão na Alemanha e efeitos desta na Europa, ou melhorar muito, se os destinos do Sul do Mediterrâneo voltarem à instabilidade”.

AHP aponta no sentido da consolidação
Recordando o forte crescimento do setor entre 2016 e 2018, a AHP – Associação da Hotelaria de Portugal, considera que 2019 pode ser chamado de ano de consolidação, “onde já não iremos assistir a um crescimento tão acelerado do setor em termos de taxa de ocupação, que é o indicador que de facto está a registar um abrandamento, mas continuamos a crescer em preço”, sublinha Cristina Siza Vieira, CEO da associação.

Com base nos dados do primeiro semestre do ano em Portugal, recolhidos pelo AHP Hotel Monitor, a entidade verificou que na hotelaria a taxa de ocupação decresceu cerca de 1%. Todos os outros indicadores apontam para um crescimento: o ARR (preço médio por quarto ocupado) subiu 3%, o REVPAR (preço médio por quarto disponível) 2%, o GMTH (gasto médio por turista no hotel) subiu 4% e o TREVPAR (receita total a dividir pelos quartos disponíveis) aumentou 2%.

Sobre o abrandamento, que reconhece existir apenas na taxa de ocupação, a responsável justifica pela existência de mais oferta, hoteleira e não só, “e não porque os turistas não venham para Portugal”, ressalva. Relembrando os dados do Turismo de Portugal que mostram que até junho último se registou um crescimento de 8% em hóspedes e 5% em dormidas a nível nacional, defende ainda que a “hotelaria nacional tem tudo para continuar a crescer e competir com os melhores players internacionais: um destino extraordinário; empresários inovadores e bem preparados; um povo orgulhoso da sua história e património e um quadro político consciente de que o turismo é essencial”.

Numa perspetiva igualmente positiva, também o Governo, através da secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, diante dos mais recentes números, vem assegurar que estes resultados mostram que o turismo continua a crescer de forma sustentável, quer em termos de valor, quer a alargar ao longo de todo o território e ao longo do ano. “Em 2018, atingimos a taxa de sazonalidade mais baixa de sempre, 36% (39% em 2015). Estamos também a conseguir diversificar mercados, o que nos tem permitido estes resultados. É este o caminho que temos de continuar”, salienta.

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