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Ações do BCP, Boats Caravela, crédito à La Seda e investimento em Vale do Lobo lideram perdas ruinosas da CGD

Estas operações geraram perdas (entre menos-valias e imparidades) de 1,15 mil milhões de euros. Entre 2000 e 2015 há 46 créditos que somam 2,96 mil milhões e que geraram imparidades de 1,2 mil milhões. Mas não foram apenas os créditos incobráveis. A participação no BCP deu perdas de 595 milhões à CGD. E há investimentos da carteira. Destaca-se aqui os Boats Caravela com perdas de 340 milhões.
Cristina Bernardo
22 Janeiro 2019, 02h03

O balanço é feito a partir da versão preliminar do relatório da EY que chegou ao jornais pelas mãos de Joana Amaral Dias, que entrou na política pelo Bloco de Esquerda.

O Jornal Económico analisou todas as operações descritas no relatório de 175 páginas. A EY separa a análise em operações de crédito; em participações financeiras (aquisição / alienação de ativos), o que inclui tomada de posição de acionista em sociedades em que a CGD tinha elevada exposição crediticia (entre estas está a Wolfpart – Vale do Lobo, a La Seda Barcelona, a Moretextile e a Vista Alegre Atlantis); em imóveis;  em carteira de investimento (o que inclui os SPVs- Hedge Funds); títulos de dívida, entre outros.

Para além das operações de crédito, a EY analisou outros ativos que tiveram maior impacto negativo na CGD. Destaque para a participação na Vista Alegre; a Participação no BCP; a Participação acionista na La Seda Barcelona; o Imóvel Imocaixa – Ajalvir; a sociedade Wolfpart que foi criada pela CGD e foi utilizada como veículo para adquirir uma participação de 25% na Resortpart, associada ao financiamento da aquisição do Grupo Vale do Lobo; e os famosos Veículo Boats Caravela.

BCP gera perdas de quase 600 milhões

A operação que maiores perdas trouxe à CGD foi a participação no capital do BCP.  A tomada de posição inicial inseriu-se no processo de consolidação do sector bancário em Portugal com intervenção do Estado Português, recorda a EY.

A evolução da cotação das ações do BCP no mercado no período em análise foi muito desfavorável (valor por ação passou de 5,28 euros em 4 de abril de 2000 para 0,09 euros em 4 de julho de 2013, o que significa uma desvalorização de 98%).

“As decisões de gestão subsequente da participação com aquisições e alienações adicionais permitiu reduzir as perdas associadas de 98% para 63% do valor total investido ( por diluição do custo unitário). Verificaram-se perdas efetivas nesta posição no montante de 595 milhões de euros.

Recorde-se que a CGD fica com uma participação no BCP depois de em 31 de Março de 2000, a CGD e o Banco Comercial Português, terem anunciada a celebração de um acordo segundo o qual a Mundial-Confiança vendeu ao BCP a sua participação maioritária de 53,05% no BPSM, tendo a operação sido concretizada em 7 de Abril de 2000.

A Mundial-Confiança (MC) recebeu a totalidade do preço de venda da participação que detinha no BPSM em ações do BCP. A transação realizou-se considerando o valor de mercado de 5,28 euros por ação do BCP (cotação de fecho de 4 de abril de 2000). Após operações de colocação no mercado no final do exercício de 2000 a Mundial Confiança (holding do Grupo Champalimaud) detinha 179.898.711 ações correspondentes a 8,56% do capital do BCP, com valor de entrada de 190,571 milhões de escudos, correspondente a 950,56 milhões de euros. Em 2001 a MC, sob orientações do Conselho de Administração da CGD exerceu os direitos de subscrição no âmbito do aumento de capital, elevando o investimento para mais de um milhão de euros, ao custo por ação de 5,19 euros. A totalidade das ações foram vendidas pela MC à CGD em 2001 e 2002 ao preço de custo.

Diz a EY que a aprovação das operações relativas a esta participação foram aprovadas pelo Conselho da CGD em cada momento e realizadas com base nas cotações de mercado, exceto a transferência da posição da Mundial Confiança para a CGD em 2001 e 2002 que foi realizada ao custo de aquisição transferindo as menos valias potenciais para a CGD.

Em 2008 a decisão do Conselho de Administração da CGD para investimento adicional foi contrária ao parecer da Direção.

Em 2008, o Conselho de Administração da Caixa aprova formalmente o Conselho de Administração do BCP, onde constam o seu anterior Presidente do Conselho de Administração e ex-administradores. “Não existe evidência de qualquer tipo de discussão sobre eventuais conflitos de interesse”, aponta a EY.

Boats Caravela geram perdas de 340 milhões

A segunda operação mais ruinosa para a CGD foram as aplicações Boats Caravela. Trata-se de um SPV (Hedge Fund) que gerou perdas de 340 milhões de euros.

A 23 de dezembro de 1999 as obrigações com cupão a taxa fixa detidas pelos bancos do Grupo em Espanha e sucursal de Paris, as quais estavam a originar perdas, foram vendidas ao VEF BOATS Caravela. Este emitiu obrigações de cupão a taxa variável que foram tomadas pelo Grupo CGD, na altura liderado por João Salgueiro.

O valor das carteiras alienadas ascendeu a cerca de 90 milhões de contos (cerca de 447,1 milhões de euros) e o prazo da operação foi de 11 anos. A venda das obrigações ao VEF permitiu a anulação de provisões de 5,1 milhões de contos (25,6 milhões de euros). A EY concluiu que “houve uma tomada de operação com um risco elevado, sem evidência de análise de suporte nem conhecimento para riscos inerentes à operação”.

O objetivo da operação era melhorar resultados contabilísticos, transformando obrigações com cupão a taxa fixa em taxa variável, eliminado assim a menos valia potencial associada às obrigações de taxa fixa.

A EY diz ainda que “não existe evidência dos elevados riscos da operação terem sido analisados corretamente, nem nos foi disponibilizada a documentação de suporte à análise original e subsequente monitorização”.

A ficha técnica da operação “evidencia vários riscos associados, para os quais não dispomos de evidência que tenham sido analisados, nomeadamente: a possibilidade conferida ao Crédit Suisse Financial Products (CSFB) de controlar a pool de ativos em prejuízo da CGD; as obrigações que seriam adquiridas pela CGD não dispunham de rating, ao contrário das que foram vendidas ao veículo; o facto de as notes não poderem ser transacionadas em mercado secundário; o risco das notes ser superior ao risco das obrigações alienadas, sem um incremento de rentabilidade”, lê-se no documento.

Diz a EY que “adicionalmente, a possibilidade de fazer ajustamentos na Pool de ativos de referência em qualquer momento e dando a hipótese de não estarem definidos mínimos de risco para cada ativo de forma individualizada, poderia levar a que o “Swap Counterparty” rapidamente substituisse a carteira descrita na Ficha Técnica por outra de pior qualidade (risco muito mais elevado)”.

Conta a EY que em 2000, quando se tentou alienar os Boat Caravela foi solicitado à Direção de Assuntos Jurídicos (DAJ) e à Direção de Gestão de Risco (DGR) que revissem o contrato com o CSFB.

“Relativamente à venda da estrutura (vendida ao emitente), apesar de a operação estar melhor suportada em documentos de análise de risco e jurídica, não nos foram disponibilizados elementos suficientes para concluir que esta seria a melhor opção. Também nesta altura existe uma recomendação por parte do auditor de não serem efetuadas operações similares no futuro dado o elevado risco associado”, recorda o auditor.

Wolfpart associada ao financiamento de Vale do Lobo

Outra operação ruinosa para a CGD e que gerou perdas de 219 milhões foi a Wolfpart, que foi constituída em 2006 para o desenvolvimento de projetos imobiliários, tendo sido utilizada como veículo para a aquisição da participação na Resortpart.

A Wolfpart foi utilizada como veículo para adquirir uma participação de 25% na Resortpart, associada ao financiamento da aquisição do Grupo Vale do Lobo. Os restantes investimento incluem participações de 25% nas sociedades-veículo Torre Ocidente e Torre Oriente e no Fundo BeiraFundo, adquiridas em 2007, a Caixa Imobiliário constituída em 2009, e uma participação de 99% na Cibergradual adquirida em 2012 no decorrer de um processo de dação.

Esta operação trouxe um aumento da exposição da CGD ao risco considerado elevado ou grave. Pois na Resortpart o sucesso da operação estava totalmente dependente do projeto imobiliário, onde a CGD foi também o principal financiador, e a posição acionista converte a CGD como credor subordinado.

Nas sociedades Torre Ocidente e Torre Oriente e na BeiraFundo, uma vez que face ao core business da CGD, a aquisição de participações diretas tão significativas (25%), sem garantias adicionais e estando totalmente dependente dos resultados potenciais dos empreendimentos, corresponde a uma tomada de risco, refere a EY.

Adicionalmente, o reembolso de suprimentos na Resortpart deveria iniciar-se em 2007, o que não se verificou, tendo sido considerado em 2010 um cenário de dação.

No entanto, apenas em 2011 foram reconhecidas imparidades, mas apenas sobre a participação, só em 2012 são reconhecidas imparidades sobre os suprimentos.

O capital da Wolfpart ascende a 1,3 milhões de euros, tendo recebido suprimentos no valor líquido de 389 milhões. A imparidade acumulada em 2015 era de 219 milhões.

As perdas La Seda

A operação de crédito que mais imparidades gerou à CGD é, como já é conhecido, a operação Artlant/La Seda. A finalidade do crédito foi financiar a construção de uma central de produção de PTA em Sines.

A operação começa em 2007, quando o grupo CGD acordou com a La Seda Barcelona (LSB) a contratação de um financiamento de fomento à construção da nova central de produção de PTA que a La Seda pretendia desenvolver em Sines. O investimento estimado entre 2007 e 2010 ascendia a 380 milhões e o projeto foi classificado como PIN pelo Governo Português, que acordou em contribuir com 99 milhões, na forma de subsídios diretos (39 milhões) e benefícios fiscais, apoio este aprovado pela UE.

Mas em 2014 a Artlant enfrentava uma situação económica difícil, que a levou a dar inicio a um processo especial de revitalização (PER). As dificuldades residiam, essencialmente, na insuficiência de meios financeiros para relançar em condições adequadas a produção da sua unidade industrial e na incapacidade da empresa em conseguir suportar os custos inerentes ao fornecimento de utilidades aos preços até à data contratados.

O valor do crédito concedido pela CGD ao projeto (segundo valores de dezembro de 2015) é de 350,8 milhões de euros e a imparidade constituída era de 211,2 milhões de euros (60,2%).

Há 46 operações de crédito que geram imparidades de 1,2 mil milhões 

A EY identifica 46 operações de crédito concedido pela CGD ao longo do período em análise 2000-2015, num valor total de 2.962,3 milhões, e que geraram imparidades de 1.198 milhões de euros.

Destaca-se para além do crédito à Artland/La Seda, também os créditos ao grupo Berardo que geraram 152,2 milhões de imparidades. O crédito à Investifino que foi alvo de write-off e assim gerou perdas de 138,3 milhões; e o crédito à Autoestradas do Douro Litoral (concessionária da Brisa) que gerou perdas à CGD de 122,64 milhões. Entretanto o banco já vendeu o crédito a hedge funds, com enorme desconto.

Vista Alegre Atlantis também deu perdas

Mas as participações financeiras, em que a CGD é acionista, nem por isso geraram menos perdas. Tal é o caso da participação na Vista Alegre Atlantis.

A CGD adquiriu a participação na VAA em 2006 num processo de regularização de um crédito vencido. Esta decisão surge na sequência das dificuldades financeiras da VAA, tendo a CGD em conjunto com o BCP e o BPI estabelecido um acordo com vista à reestruturação do passivo bancário do Grupo VAA e ao aumento de capital.

Ora apesar da reestruturação financeira, e dos problemas financeiros apresentados por esta entidade, a CGD acompanhou os sucessivos aumentos de capital.

Em 2009 a participação da CGD (que foi sendo diluída na operação harmónio para 4,48%) é vendida à Visabeira. A operação de venda à Visabeira gerou perdas totais aproximadas de 16 milhões (mais valia na venda de participação financeira, prestações acessórias / suplementares de capital e imparidades).

Imocaixa para melhorar resultados do banco em Espanha

Outra operação que se destaca é a da Imocaixa – Ajalvir. O objetivo desta operação foi o de melhorar os resultados da Operação CGD em Espanha.

O Banco Caixa Geral (recentemente vendido) concedeu um empréstimo à entidade Nozar em 2006, no valor de 54,6 milhões com o objetivo de desenvolver um projeto imobiliário num conjunto de parcelas de terrenos em Ajalvir. Contudo, em 2008 a Nozar entrou num processo equiparável ao PER e, como forma de resolver o incumprimento do serviço da dívida, o Conselho da CGD aprovou a compra desses ativos através da entidade Imocaixa, de forma a otimizar este processo do ponto de vista fiscal. Na data de aquisição encontrava-se em curso uma revisão do Plano Territorial de Ajalvir, para alterar a classificação do terreno de rustico para urbanizavel. No entanto, nunca se verificou qualquer alteração na classificação desde a data de decisão de concessão do crédito até 2016.

Foi então concedido um crédito onde a garantia obtida foi um ativo que estava sobrevalorizado o qual tinha implícito um projeto com elevado risco de concretização.

“A respetiva aprovação não teve em conta condicionantes do parecer técnico”. recorda a EY.

Subsequentemente a CGD decidiu adquirir o ativo por um valor acima do seu valor de mercado. Esta compra deu origem ao reconhecimento de uma perda por imparidade da quase totalidade do valor (40 milhões de euros em referência a 31 de dezembro de 2015).

Para além do crédito à Artlant/La Seda a CGD também registou perdas com a posição acionista que tomou no projeto. Em 2006 o Grupo CGD adquiriu uma participação de 5% no capital da La Seda Barcelona (LSB), com o objetivo de influenciar a decisão sobre a localização da fábrica de PTA. Na mesma altura decorriam negociações entre a LSB e o Governo Português com vista à construção da fábrica de PTA em Sines. Em 2007 o Grupo CGD aumenta a sua participação para 7,2%.

No entanto em janeiro de 2014 a LSB requereu à Justiça Catalã a abertura de procedimento de liquidação da própria empresa, pelo que a CGD reconheceu uma imparidade sobre o total da operação. Em dezembro de 2015 o investimento na LSB de 53 milhões encontra-se totalmente provisionado.

Ao nível dos investimentos da Carteira Própria, destaque para um investimento num Hedge Funds com o Citibank com 90% de proteção de capital (Allegro Inv Corp Novembro de 2012). A CGD iniciou o resgate dos fundos e a aplicação em liquidez. Em 2009 o valor de mercado dos fundos era inferior à garantia de capital. Esta transação gerou uma menos valia de aproximadamente seis milhões de euros.

A EY recorda neste relatório preliminar que “existem na nossa amostra cinco ativos financeiros (Hypo Essen, Caisse Depots et Consignations, KBC BK NY, Nelson Quinta e Filhos e INH/92), que não foram analisados, uma vez que a CGD não conseguiu, face à sua antiguidade, identificar a sua natureza nem informações que suportem o investimento nos mesmos. Temos assim, uma limitação de âmbito na nossa análise relativamente a estes títulos”.

No sentido oposto, entre os ativos que mais renderam à CGD o destaque vai para a EDP Participações. A tomada de posição neste investimento resultou de ações do Estado (permutas ou entradas em espécie em aumentos de capital na CGD). A evolução da cotação das ações da EDP no mercado no período em análise foi favorável (valor por ação passou de 2,23 euros aquando do recebimento no âmbito do aumento do capital da CGD em 2004 para 2,29 euros em 31 de dezembro de 2012 antes da alienação total – valorização de 2,7%).

Com esta participação, a CGD registou, entre 2004 e 2013, ganhos reais de 248 milhões e recebeu dividendos de 197 milhões. No final de 2015, ainda se encontravam 482 milhões de euros por receber por parte da Parpública, sendo que o Estado não tinha procurado resolver esta questão.

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