Os Açores têm a expetativa de concluir, em termos legislativos, até 2028, todo o processo relativo à implementação da sua rede de Áreas Marinhas Protegidas. Entre 2028 e 2030, o arquipélago conta estar num período de adaptação. Desta forma, o arquipélago adianta, em seis anos, as metas traçadas pelas instâncias europeias, que definem que até 2030 deve existir 30% do mar protegido, como refere o coordenador do programa Blue Azores e assessor da Presidência do Governo Regional dos Açores, Bernardo Brito e Abreu, ao Jornal Económico (JE), que explica também todo o trabalho feito pela Região Autónoma nesta área desde 2019.
“A década de 2020 já teve, quer ao nível da União Europeia, quer ao nível da Organização das Nações Unidas (ONU), metas de proteger 10% do mar. Houve muitos poucos países que cumpriram. Nesta altura, os Açores têm 30% do mar protegido. Até 2030, a ONU, Portugal e a União Europeia, com base em dados científicos, chegaram à conclusão de que, neste momento, já temos de proteger no mínimo 30% para conseguirmos travar esta perda de biodiversidade”, começa por referir Bernardo Brito e Abreu, em jeito de alerta relativamente ao estado em que se encontra a defesa e proteção dos oceanos a nível global.
Contudo, a este nível, os Açores encontram-se adiantados relativamente a outras realidades geográficas, como refere o coordenador do Blue Azores, um programa que visa a conservação e utilização sustentável do mar dos Açores.
Os Açores (com 30% do mar protegido) sublinham que, a partir de outubro de 2023, passaram a possuir a maior rede de Áreas Marinhas Protegidas do Atlântico Norte, que cobre 287 mil quilómetros quadrados, “metade dos quais totalmente protegidos, onde não são permitidas atividades extrativas ou destrutivas”, sendo que a outra metade “terá proteção elevada”.
Fazendo um flashback do trabalho realizado pelos Açores ao nível da sua rede de Áreas Marinhas Protegidas, Bernardo Brito e Abreu destaca como um dos pontos cruciais a assinatura, em 2019, de um memorando de entendimento relativo a esta matéria, que depois foi reforçado em 2021.
“Este programa passou a ser liderado diretamente pela Presidência do Governo. O programa escalou para a Presidência, a sua coordenação, e, no fundo, esta parceria entre o Governo Regional, a Fundação Oceano Azul e o Instituto Waitt criou um programa que acelera este processo das Áreas Marinhas Protegidas”, salienta Bernardo Brito e Abreu.
“Este projeto demorou seis anos. Foi assinado em 2019, e em 2024 é que se conseguiu fazer a aprovação da lei para designar as Áreas Marinhas Protegidas. No novo Parque Marinho açoriano, fez-se uma revisão legislativa do Parque Marinho Antigo, que tinha sido revisto pela última vez em 2016. Foi revisto de forma a contemplar 30% do Mar dos Açores”, explica o coordenador do Blue Azores.
Açores adianta-se à meta europeia
A meta da União Europeia e da ONU, assinala o coordenador do programa Blue Azores, passa por, em 2030, os países terem, em termos legais, 30% do mar protegido. “Os Açores fizeram isso em 2024”, salienta Bernardo Brito e Abreu.
“Depois, nas Áreas Marinhas Protegidas, nós temos algumas fases até que estas áreas estejam realmente concretizadas. Há uma primeira fase que demora muito tempo. Tivemos um aconselhamento científico extenso. Tivemos um processo participativo com mais de 40 reuniões em 18 meses, com representantes de 17 entidades ligadas ao mar. […] Entre 2019 e 2021, foi feito o levantamento científico. A isto juntou-se a criação dos grupos de trabalho, a parte burocrática, a literacia e a sensibilização. O desenho das Áreas Marinhas Protegidas foi um processo colaborativo que demorou tempo. [Este trabalho] começou no final de 2021. Isso foi a fase de discussão. Depois houve a fase de redação jurídica e, depois da aprovação. Entre o final de 2021 e até julho de 2023, foi o processo participativo. E em setembro de 2023, foi a discussão pública”, descreve Bernardo Brito e Abreu sobre o trabalho efetuado pelos Açores no que diz respeito às Áreas Marinhas Protegidas.
Contudo, o panorama político trouxe algumas interrupções neste dossiê.
“Em novembro [de 2023], foi dissolvido o Parlamento Regional e houve eleições nos Açores em fevereiro [de 2024]. Depois veio o Orçamento. A aprovação [do processo relativo às Áreas Marinhas Protegidas] foi em outubro [de 2024] e foi publicada em dezembro de 2024, em Diário da República. Portanto, neste momento, temos as áreas designadas e temos as áreas oceânicas. São as áreas longe da costa, ou seja, das seis milhas até às 200 milhas. […] Há todo um processo de revisão das zonas costeiras, que vai ser feito num período de até três anos. Neste diploma que foi aprovado, em outubro de 2024, há uma parte que define o novo Parque Marinho com 30% do mar dos Açores protegido”, elenca Bernardo Brito e Abreu.
O coordenador do Blue Azores salienta que, tendo em conta a dimensão da Zona Económica Exclusiva dos Açores e as medidas tomadas pelo arquipélago na área do mar, a percentagem nacional de mar protegido passou de 4,5% para 19,1%.
“Aproximamos bastante a meta nacional para que Portugal, como um todo, consiga cumprir as metas das Nações Unidas e da União Europeia”, diz Bernardo Brito e Abreu, referindo a percentagem de mar protegido pelo país.
Apesar de todo o trabalho que tem sido feito pelos Açores ao nível das Áreas Marinhas Protegidas, ainda existem alguns passos, em termos legislativos, que são necessários dar até que todo o processo esteja efetivamente concluído.
“Tem que haver planos de gestão para as Áreas Marinhas Protegidas. A estratégia de gestão tem que ser publicada até ao final de 2025. Depois, até ao final de 2026, têm que estar publicados todos os planos de gestão e planos de ordenamento das Áreas Marinhas Protegidas. Até ao final de 2027, têm que ser revistas as Áreas Marinhas Costeiras, que até agora ainda não foram revistas, e que implicam um processo participativo em cada ilha para que se faça a revisão também destas áreas junto da costa. Depois, no final, devem ser integradas neste diploma. E o diploma em si deve ser todo revisto, ao fim de três anos”, descreve Bernardo Brito e Abreu sobre as várias etapas que os Açores terão que percorrer até ter o processo concluído.
Refira-se que, ainda em fevereiro de 2024, foi dado outro passo importante para o desenvolvimento da rede de Áreas Marinhas Protegidas açorianas. Tal deve-se à assinatura de um memorando de entendimento que concede aos Açores um apoio de 10 milhões de euros nos próximos cinco anos para a implementação da rede de Áreas Marinhas Protegidas da região (RAMPA). Este memorando juntou o Governo dos Açores, a Fundação Oceano Azul e o Instituto Waitt, entidades parceiras do Blue Azores, e ainda uma nova entidade, a Blue Nature Alliance, que vai dar apoio técnico e financeiro a esta iniciativa.
“Estas verbas serão utilizadas em áreas específicas. Não são 10 milhões de euros para a Região gastar no que lhe apetece, portanto, vai ter um mecanismo de gestão próprio”, explica Bernardo Brito e Abreu. A verba deverá incluir áreas como, por exemplo, a proteção marinha, a comunicação e a advocacy.
“Temos também uma definição de gastos para o cumprimento da lei, para a monitorização e para as pescas, de modo a apoiarmos uma transição para pescas sustentáveis”, acrescenta o coordenador do Blue Azores.
No que diz respeito às Áreas Marinhas Protegidas, que vão constituir o Parque Marinho açoriano, Bernardo Brito e Abreu explica que existem áreas que estão dentro da Zona Económica Exclusiva e outras zonas que irão estar na extensão da plataforma continental. Consoante a localização dessas zonas, vão existir níveis diferentes de proteção.
O que estiver dentro da Zona Económica Exclusiva terá dois tipos de áreas: as que serão totalmente protegidas e as altamente protegidas, enquanto que o que estiver fora desta Zona Económica Exclusiva terá um grau de proteção menor.
“Todo este processo de implementação é suposto estar concluído legalmente até 2028, ficando dois anos para a sua adaptação. O que se pretende é que, até 2030, enquanto alguns países ainda estão a pensar em fazer o que os Açores já fizeram em 2024, nós já teremos todos os passos concluídos e teremos áreas marinhas que não estão só no papel, mas que estarão efetivamente geridas, com planos de gestão, com planos financeiros, com planos de administração e com indicadores de sucesso. Entre 2028 e 2030, se tudo correr bem, já estarão em funcionamento pleno”, revela o coordenador do Blue Azores.
Presença em eventos tem atraído investimento para o mar
Bernardo Brito e Abreu diz ainda que o investimento para a implementação das Áreas Marinhas Protegidas pode ter um reforço de verbas caso entrem mais doadores neste projeto. Nesse sentido, o coordenador do Blue Azores salienta a importância dos Açores estarem representados em eventos do setor.
“Nós tentamos participar ao máximo em eventos mundiais. É exatamente nestes eventos que aparecem as manifestações de interesse. A nossa participação na última Conferência dos Oceanos em Atenas (Grécia), em 2024, desencadeou o financiamento de um dos parceiros. Este tipo de filantropia surge com a nossa presença e com as nossas reuniões nesses eventos internacionais relacionados com o oceano ou com a proteção da biodiversidade. É provável que ainda tenhamos mais apoios de filantropia. […] Muito seguramente, iremos participar em eventos relacionados com a próxima conferência das Nações Unidas para os Oceanos, que terá lugar em Nice, França, em junho”, salienta o coordenador do Blue Azores.
Coordenador do Blue Azores destaca herança histórica nos oceanos
Bernardo Brito e Abreu destaca ainda a herança histórica que os Açores têm na defesa do seu oceano.
“Os Açores, desde os anos 80, que se começaram a federar as Áreas Marinhas. A Universidade dos Açores tem um grande historial, quer de fomentar os processos de Áreas Marinhas, quer na investigação. Temos dado cartas, a nível internacional, nesta temática das Áreas Marinhas Protegidas”, descreve Bernardo Brito e Abreu.
Contudo, o coordenador do Blue Azores alerta para os problemas que têm existido a nível internacional no que diz respeito à proteção dos oceanos.
“Nos últimos 20 anos, temos tido a noção de que estamos com problemas graves no oceano. […] Temos grandes ameaças em relação ao oceano, que nem sempre estão à vista de toda a gente, exatamente por estarem no mar. Temos as alterações climáticas, o aquecimento da água, a redução da capacidade de fixação do dióxido de carbono, além de todos os eventos climáticos extremos. Existem outras ameaças, como a poluição e a poluição por microplásticos, que hoje em dia passa a ser um problema transversal porque acabamos por ingerir quando comemos peixe. E também a perda gigante e vertiginosa ao nível de biodiversidade”, descreve o coordenador do Blue Azores.
Bernardo Brito e Abreu acrescenta que, desde o século XIX, perdeu-se 70% da biodiversidade no planeta e no oceano.
“As Áreas Marinhas Protegidas atuam exatamente nesta área de travar a perda de biodiversidade, sobretudo em ecossistemas vulneráveis marinhos. Muitas vezes, pensamos que as Áreas Marinhas Protegidas são para preservar os stocks de pesca. Não são necessariamente. Elas contribuem para isso, sempre que restringimos uma área, a população de peixe aumenta. Mas não é para isso que elas são criadas na sua raiz. É para proteger, sobretudo, ecossistemas vulneráveis. E nós, nos Açores, temos muitos [ecossistemas vulneráveis] que têm um valor único, mesmo a nível internacional”, salienta o coordenador do Blue Azores.
Entre esses ecossistemas, Bernardo Brito e Abreu destaca as fontes hidrotermais que têm organismos “muito pouco estudados que vivem em situações extremas de temperatura e químicas”.
Bernardo Brito e Abreu salienta que, através desses ecossistemas, foram feitos avanços científicos que, entre outras coisas, serviram para o desenvolvimento que a Pfizer teve para dar resposta à pandemia da Covid-19.
“A vacina foi desenvolvida com base numa síntese de uma dessas bactérias. Por exemplo, a descodificação do genoma humano também foi feita com base numa análise de um organismo desses em profundidade. Portanto, temos aqui um potencial económico ao nível da biotecnologia que podemos estar a estragar apenas por estarmos a fazer um tipo de pesca ou extração que não tem isso em conta”, alerta o coordenador do Blue Azores.
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