Os galegos têm uma expressão ótima para quando acontecem certos fenómenos ou coincidências que temos dificuldade em explicar: “Eu non creo nas meigas, mais habelas, hainas”. A expressão foi depois apropriada pelos castelhanos e nós, os portugueses, conhecemo-la como “Não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”.

Esta semana ficámos a saber pelo “Expresso” que a Comissão que elaborou o Livro Verde da Sustentabilidade da Segurança Social considera que é necessário acabar com a possibilidade de reforma aos 57 anos, depois de esgotado o subsídio de desemprego, e que a idade de acesso às outras modalidades de reforma antecipada deve subir para se aproximar mais da idade legal.

A versão preliminar deste plano foi entregue ao Governo PS quando estava cessante (e nada se ouviu sobre estas conclusões) e, agora, a versão completa será entregue ao novo governo de Luís Montenegro (AD).

Mas como chegámos até aqui? O Governo de António Costa anunciou a criação da Comissão para a Sustentabilidade da Segurança Social em abril de 2022, e constituiu-a em julho desse ano. Depois, os peritos estiveram um ano a estudar o problema e, dada a complexidade do tema, no verão de 2023 decidiram pedir mais tempo para acabar o trabalho. Novo prazo: janeiro de 2024.

Quando janeiro chegou, já António Costa se tinha demitido

e a pré-campanha eleitoral estava em força nos jornais e nas televisões. Uma boa altura para informar os eleitores das (prováveis) futuras regras das reformas? O momento perfeito para debater o problema das pensões de reforma e permitir aos cidadãos conhecer as propostas dos partidos? Nada disso.

A Comissão decidiu – pode fazê-lo sem o aval da tutela? – que o melhor a fazer, precisamente devido à crise política, seria adiar a conclusão do trabalho para depois das eleições de 10 de março.

Em 28 de março entregou uma versão preliminar à ministra do Trabalho e da Segurança Social cessante, Ana Mendes Godinho. Quatro dias depois, em 2 de abril, o novo Governo tomava posse. Dois dias depois ficamos todos a saber mais alguma coisa sobre a extensão do problema da sustentabilidade da Segurança Social, que estava até aqui guardado e seguro numa gavetinha da Comissão, para proteger a consciência dos eleitores.

Também ficámos a saber que as bruxas não existem porque não têm cartão de eleitor. E que há Governos que estão fadados para encomendar estudos com conclusões desagradáveis enquanto outros estão fadados a aplicá-los.