O Presidente da Autoridade da Concorrência, Nuno da Cunha Rodrigues, anunciou esta terça-feira, durante a audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP) o lançamento de um inquérito setorial à banca de retalho, que prevê ter concluído até ao final do ano.
A justificar a iniciativa da AdC está o facto de “a banca de retalho ser um setor propenso a barreiras à mobilidade, dadas as potenciais dificuldades na pesquisa e na comparação dos diferentes produtos bancários e/ou financeiros, bem como potenciais dificuldades no processo de mudança de conta”, explica o regulador da Concorrência.
“Em situações em que os bancos têm uma base de clientes pouco móvel, a pressão concorrencial é mais reduzida e os incentivos dos bancos para aumentar a remuneração dos depósitos serão mais reduzidos”, justificou também a Autoridade da Concorrência que lembra que as taxas de juros de novos depósitos a prazo até 1 ano de particulares, em Portugal, mantêm-se menos atrativas do que a média da zona euro, e as ofertas de depósitos a prazo são particularmente menos atrativas no caso dos cinco principais bancos.
“É, por isso, crucial aferir da prevalência de custos à mudança na banca a retalho, a nível nacional, e identificar os respetivos fatores explicativos, com vista a propor, se necessário, medidas que visem reduzir as barreiras à mobilidade”, revela a AdC.
Nuno Cunha Rodrigues sinalizou que com este inquérito a AdC “procura atualizar o diagnóstico sobre práticas e condições de concorrência nos mercados bancários mais relevantes para os consumidores, que vão do crédito à habitação ao crédito pessoal, passando pelos serviços de pagamentos, pelas comissões associadas à manutenção de contas ou pelo grau de mobilidade entre instituições”.
E que o objetivo passa por recolher informação detalhada que permita “avaliar o grau de contestabilidade dos mercados, os fatores que afetam a escolha dos consumidores e eventuais constrangimentos existentes à entrada de novos operadores, incluindo plataformas digitais ou entidades não bancárias”.
Os resultados do inquérito serão analisados e, se necessário, motivarão “recomendações específicas aos operadores, aos reguladores setoriais ou ao legislador”. Isto é, desse processo podem sair recomendações a bancos, Banco de Portugal e Governo.
Como parte da análise iniciada, o regulador está a lançar uma consulta pública a todos os interessados (consumidores, entidades públicas, empresas que atuam no setor da banca ou outros setores relevantes, potenciais entrantes e associações de consumidores e de empresas) para recolher comentários das partes interessadas, as quais são convidadas a responder às questões formuladas pela AdC até 24 de setembro. Questionado pelos deputados, Nuno Cunha Rodrigues estimou ter conclusões até ao final deste ano.
Na sua intervenção inicial, o Presidente da AdC revelou aos deputados que “a Autoridade da Concorrência tem assumido um papel ativo na análise de barreiras estruturais à concorrência no setor financeiro”, destacando “o foco que temos dado à mobilidade dos consumidores de serviços financeiros e à entrada de novos operadores neste setor”.
“Com efeito, e desde 2009 em articulação com o Banco de Portugal, temos alertado para obstáculos existentes à mobilidade bancária, nomeadamente a exigência de abertura de conta como condição para concessão de crédito ou a ausência de mecanismos de comparação de ofertas de serviços financeiros”, revela Nuno Cunha Rodrigues.
“Algumas dessas recomendações traduziram-se, entretanto, em alterações legislativas, como a proibição de condicionar a concessão de crédito à abertura de conta”, sublinhou lembrando que “mais recentemente, a AdC assinalou a necessidade de ser ponderada a criação de comparadores que permitam analisar a remuneração de depósitos a prazo”.
Nuno Cunha Rodrigues referiu ainda que em 2021, a AdC aprofundou um diagnóstico através de um inquérito realizado a cerca de 140 empresas FinTech a operar em Portugal e potenciais entrantes e resultou deste inquérito que “três quartos dessas empresas assinalaram a existência de obstáculos significativos à entrada neste setor, entre os quais se destacam a dificuldade de acesso a infraestruturas como o SICOI, o controlo dos canais digitais por operadores dominantes e constrangimentos no acesso às API’s bancárias, mesmo após a entrada em vigor da diretiva europeia sobre serviços de pagamento (a chamada diretiva PSD2)”.
O presidente da entidade reguladora disse ainda que estas limitações mostram como a concorrência e a inovação estão intimamente ligadas. “Estamos seguros de que, através de todas estas intervenções, a Autoridade da Concorrência contribuiu para reduzir assimetrias de informação; reforçar a mobilidade dos consumidores e estimular o surgimento de entrantes inovadores”, disse.
Ainda sobre o setor bancário, o presidente da AdC disse que a Concorrência “tem feito muito”, com várias recomendações e iniciativas sobre comissões bancárias e mobilidade de clientes.
Cartel da banca não se repetirá
Na semana passada, no mesmo fórum, ou seja na Assembleia da República, mas na Comissão de Economia, Nuno Cunha Rodrigues falou do vulgarmente chamado “cartel da banca” (apesar de tecnicamente não ser um cartel), dizendo que há contradições na jurisprudência no que toca a prescrições.
Esta terça-feira, na COFAP, Nuno Cunha Rodrigues voltou ao tema lembrando que “a investigação conduzida pela AdC demonstrou a existência de uma troca de informações comerciais sensíveis entre estas entidades, incluindo spreads, volumes de crédito concedido e outras condições aplicadas ao crédito à habitação”.
“Esta prática foi considerada uma infração grave à lei da concorrência, tendo conduzido à aplicação de coimas no montante total de 225 milhões de euros. Esta decisão condenatória viria a ser objeto de recurso e, em 2025, foi declarada prescrita pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Na passada semana tive oportunidade de, nesta casa, sublinhar as contradições nas decisões deste tribunal”, disse o Presidente da AdC.
Recorde-se que em setembro de 2024, o Tribunal da Concorrência confirmou as coimas de 225 milhões de euros aplicadas pela AdC a 11 bancos, decidindo que ficou provado que, entre 2002 e 2013, houve “conluio” para troca de informações sobre créditos e que “alinharam práticas comerciais” falseando a concorrência.
Os bancos recorreram e, já em fevereiro, o Tribunal da Relação de Lisboa declarou prescrita a contraordenação, contado o tempo em que houve matérias em análise da Justiça europeia.
Tanto a AdC como o Ministério Público apresentaram recursos para o Tribunal Constitucional para tentar travar as prescrições, mas foram rejeitados.
Em junho, a AdC apresentou uma reclamação à Conferência de Juízes do Constitucional pela decisão deste órgão de não apreciar os recursos interpostos, aguardando-se a resposta.
Na comissão parlamentar, na semana passada, o presidente da Autoridade da Concorrência considerou que estas decisões contraditórias do Tribunal da Relação “geram insegurança jurídica e fragilizam a coerência da aplicação do Direito da Concorrência, sobretudo em processos complexos e de grande relevância económica”.
Acrescentou que no futuro este problema “não se coloca em novos processo” pois com a alteração feita em 2022 à Lei da Concorrência fica assente que “a prescrição do procedimento por infração suspende-se pelo período de tempo em que a decisão da Autoridade da Concorrência for objeto de recurso judicial, incluindo eventuais recursos para o Tribunal Constitucional, sem qualquer limitação temporal”.
Ainda sobre o setor bancário, o presidente da AdC disse que a Concorrência “tem feito muito”, com várias recomendações e iniciativas sobre comissões bancárias e mobilidade de clientes.
Consolidação na banca
O presidente da AdC disse que “no que respeita ao controlo de concentrações, a autoridade continua atenta à consolidação no setor financeiro”. Apesar de escapar à sua alçada a fusão do Novobanco com o BPCE (que cabe na esfera da DG Comp), em 2024 foram notificadas quatro operações de concentração neste setor (financeiro). Já no primeiro semestre de 2025 foi registada uma operação.
Nuno Cunha Rodrigues referia-se às operações Abanca/EuroBic; Santogal/Mercedes Benz Retail; BBVA/Sabadell; e a Square Asset management/ Alegro Montijo Brafero.
Em 2025 referia-se à PiB Group Iberia/Vitorinos.
(atualizada)
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