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Administrador nomeado pelo Estado demitiu-se da Fundação Coleção Berardo

João Neves, nomeado como administrador pelo anterior ministro da Cultura, Castro Mendes, bateu com a porta e apresentou a sua demissão à tutela na semana passada. No centro da discórdia está o processo de guarda do arresto das cerca das mil obras de arte José Berardo que estão no CCB. Ministra indiciou de forma unilateral o nome de Elísio Summavielle, presidente do CCB.
17 Setembro 2019, 07h49

Há uma baixa na Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo (FAMC), que possui dois representantes do Estado, e gere o Museu Berardo. João Neves, nomeado como administrador pelo anterior ministro da Cultura, Castro Mendes, bateu com a porta e apresentou a sua demissão à tutela na passada quinta-feira, 12 de setembro. No centro da discórdia  está o processo de guarda do arresto das cerca das 1.000 obras de arte José Berardo, das quais 862 que integram o acordo do empresário com o Estado, que foram arrestadas no Centro Cultural de Belém (CCB). Nomeação de fiel depositário de forma unilateral e contrariando decisão judicial estará na base da demissão do administrador do Estado.

Instado a comentar o pedido de demissão, João Neves confirmou ao Jornal Económico que este foi apresentado à ministra da Cultura, Graça Fonseca na semana passada. “Confirmo que apresentei a minha demissão no passado dia 12 de Setembro por motivos pessoais”, afirmou ao JE João Neves, escusando-se a avançar quais foram os motivos pessoais que estiveram na base da sua decisão. Mas o JE sabe que em causa está o processo de nomeação do fiel depositário das obras no âmbito do  arresto das obras do CCB, concluído em agosto, na sequência do processo judicial interposto pelo Novo Banco, CGD e BCP, para recuperar uma dívida superior a 962 milhões de euros.

Fonte próxima ao processo avançou ao JE que por decisão judicial ficou decidido que a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo e o Ministério da Cultura teriam que, em conjunto, indicar um responsável pela ‘guarda’ do arresto das respetivas obras.

“De forma unilateral, e contrariando a decisão judicial, a ministra da Cultura decidiu que o responsável pela guarda das obras arrestadas seria o administrador da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea-Coleção Berardo, e presidente do CCB, Elísio Summavielle [que também foi nomeado pelo Estado administrador desta]”, explicou ao JE a mesma fonte, acrescentando que este nome não chegou a ser votado na reunião do conselho de administração da Fundação Coleção Berardo. Realizada no início de setembro, pois o nome de Elísio Summavielle não chegou a colher o acordo das partes definidas pelo tribunal.

A este respeito a decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa é clara: “(…) O arresto das obras que se encontrarem no Centro Cultural de Belém será realizado sem a remoção das mesmas e em articulação, na medida do necessário, com o Ministério da Cultura e com a FAMC, nomeando-se para fiel depositário das mesmas a pessoa que estas duas entidades indicarem”.

Segundo a mesma fonte, na mesma reunião na primeira semana de setembro, chegou-se a um consenso sobre o nome a apresentar à ministra da Cultura: Rita Lougares, que exerce desde 2007 funções de elevada responsabilidade no Museu de Arte Moderna. Desde 2017 Rita Sales é a Diretora Artística do Museu, sendo responsável pela sua programação, coordenação das equipas de conservação, curadoria das exposições da coleção permanente, gestão e coordenação das montagens. Recorde-se que  o conselho de administração da Fundação Coleção Berardo é composto por cinco membros: dois nomeados pelo titular da pasta da Cultura no Governo (Elísio Summavielle e João Nuno Azevedo Neves), dois membros nomeados por José Berardo (o advogado André Luiz Gomes e o filho Renato Berardo) e um membro designado de comum acordo entre este e o titular da pasta da cultura (Catarina Vaz Pinto).

Rita Lougares  acabou, assim, por ser o nome escolhido a apresentar à ministra da Cultura para fazer cumprir a sentença do tribunal. Porém, prossegue a mesma fonte, em reunião com o Ministério da Cultura, os administradores da Fundação Coleção Berardo e nomeados pelo Estado naquela fundação (Elísio Summavielle e João  Neves)  acabaram por ver rejeitada a solução, diz, que respeitaria a vontade do conselho de administração daquela Fundação.

“A ministra contrariando a decisão judicial e o nome consensual proposto pelo CA da Fundação, manteve a sua escolha inicial, o nome de Elísio Summavielle, que deveria ficar responsável pelo arresto das obras do CCB e que era ela que decidia e mandava”, realça a mesma fonte conhecedora do processo.

Não concordando com a posição da ministra, o administrador João Neves, nomeado pelo Estado, apresentou a demissão à ministra da Cultura no passado dia 12 de setembro.  Este responsável não comenta que este episódio esteve directamente relacionado com a sua demissão, mas o JE sabe que João Neves antecipou-se à necessidade de não querer perder a sua independência total que, segundo fontes próximas ao administrador demissionário, é uma característica pela qual se pautou ao longo dos seus 51 anos de profissão como advogado.

O JE questionou o gabinete da ministra da Cultura, Graça Fonseca, sobre este processo de nomeação do fiel depositário das obras de arte que estão no CCB, mas não obteve resposta em tempo útil.

André Luiz Gomes lamenta demissão

André Luis Gomes, administrador proposto pelo empresário madeirense para a Fundação Coleção Berardo, também lamenta a demissão de João Neves: “este administrador nomeado pelo Estado foi, desde sempre, de um enorme rigor no exercício das suas funções, tendo sempre servido lealmente os fins da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea, pelo que é com tristeza que soubemos do seu pedido de demissão”.

Já sobre o processo de nomeação do fiel depositário, André Luis Gomes  afirma apenas que “há uma proposta de alguns membros da Fundação que será apreciada em devido tempo”, o que indicia que o nome de Elísio Summavielle ainda não foi votado em conselho de administração da FAM, apesar de a ministra da Cultura já ter informado o tribunal que este é o fiel depositário das obras que estão no CCB.

Na passada sexta-feira, 13 de setembro, o JE revelou que a Associação Coleção Berardo (ACB), que foi notificada da finalização do arresto das 2.200 obras de arte, cerca de mil, das quais 862 no Centro Cultural de Belém (CCB), e as restantes 1.200 do jardim Bacalhôa Buddha Eden, no Bombarral, e na Aliança Underground Museum, museu nas caves Aliança-Vinhos de Portugal, em Aveiro.

A ACB, proprietária das obras de arte de Berardo, prepara agora a oposição ao arresto e vai contestá-lo na próxima segunda-feira. Fonte próxima a esta associação confirmou ao JE que “vai ser ouvida em tribunal e, nessa altura, será o juiz a decidir se o arresto será levantado ou é mantido”.

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